Entrevista
Relações Comerciais Angola – África do Sul

Sebastião Mwanza: “Os angolanos também têm algo para mostrar e ensinar aos sul-africanos”

Sebastião Mwanza: “Os angolanos também têm algo para mostrar e ensinar aos sul-africanos”
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Sebastião Vemba

Há mais de duas décadas nas terras de Nelson Mandela, Sebastião Mwanza é um empresário angolano formado em Logística e Comércio Internacional que acredita na existência de oportunidades de negócios para empresários nacionais na África Sul. Angola, segundo afirmou, pelas potencialidades agrícolas do seu solo e disponibilidade de recursos hídricos, atrairá investidores sul-africanos para vir produzir localmente, ao passo que os nossos vizinhos trarão tecnologia avançada para desenvolver a nossa agricultura.

Foi criada, no final do ano passado, uma câmara de comércio e indústria que vai ajudar a estreitar  as relações comerciais entre Angola e a África do Sul, além de ter sido assinado um acordo de eliminação de vistos em passaportes ordinários para deslocações de curta duração entre os dois países. O que representa para si este momento?

É um momento muito favorável para os empresários dos dois países, porque haverá mais troca de experiência entre sul-africanos e angolanos em vários sectores, com destaque para a indústria e tecnologia, visto que os sul-africanos estão mais avançados do que nós nestes ramos. Vivo na África do Sul há mais de 20 anos e ao longo desse período pude perceber que, tal como os sul-africanos têm oportunidades em Angola, os angolanos também têm algo para mostrar e ensinar aos sul-africanos, pelo que este é o momento que nós empresários temos que aproveitar de modo a analisar as opções e oportunidades de negócios na África do Sul e em Angola em parceria com os sul-africanos.

Há da sua parte a ambição e interesse em ser um dos promotores desta ligação entre a classe empresarial sul-africana e a angolana?

Já tenho trabalhado, há três anos, com o governo sul-africano, nomeadamente o Ministério do Comércio, na área de formação e consultoria a empresários que pretendem entrar no sector das exportações para Angola. Fiz a proposta ao governo sul-africano de modo a trazer empresários para Angola e levar empresários angolanos à África do Sul e isso deverá acontecer em breve.

Quais são as oportunidades de negócio que visualizou ao longo dos 20 anos que esteve na África do Sul e quais são as que visualiza hoje para os angolanos?

Decidi viver na África do Sul atraído pelas oportunidades que encontrei, pois havia bens e serviços que não estavam disponíveis em Angola. Passei a fazer comércio e mais tarde tive a oportunidade de ir à uma universidade para aprender sobre gestão e negócios. Actualmente, sou formador e tenho estado a trabalhar com empresários sul-africanos que querem fazer auscultação e prospecção do mercado angolano, pois o seu Governo pretende incentivá-los para exportar a sua produção e um dos destinos poderá ser Angola, daí que partilho com eles a minha experiência. Por exemplo, a África do Sul não dispõe de tantos recursos hídricos, o que condiciona, em certa medida, a produção de alimentos, mas em compensação têm tecnologia agrária muito avançada. Ao contrário, Angola dispõe de muitos rios, mas ainda tem um grande défice de tecnologia agrária. Há aí uma oportunidade de negócio. Podemos fazer um acordo de modo que aproveitemos as vantagens de ambos os países e se produza alimentos agrícolas em Angola para exportamos para a África do Sul.

Acha que deveríamos aproveitar também o mercado de distribuição de água?

Sim, a água potável que se consome na África do Sul é importada do Lesoto, pelo que podemos também vender-lhes água. E ainda podemos tirar partido no ramo hidroeléctrico, pois com a construção e funcionamento de mais barragens em Angola, grande parte dos constrangimentos eléctricos serão ultrapassados e poderemos até fornecer energia eléctrica aos sul-africanos.  

A sua empresa, AFMEX Cargo, está também focada no sector da distribuição. Qual é a análise que faz sobre a distribuição em Angola, considerando o impacto da crise financeira e cambial que se vive há 3 anos?

Há mais de 20 anos que distribuímos produtos sul-africanos cá em Angola. Começamos com frete aéreo, mas depois passámos para o marítimo e rodoviário. Actualmente, devido à abertura e construção de mais estradas, fazemos mais frete rodoviário, que é mais económico. Infelizmente, devido à situação de crise que mencionou, tivemos alguns percalços, mas não nos deixámos desanimar. Em 2014 vimos a oportunidade de investir no ramo da segurança electrónica na África do Sul e apostámos em consultoria e formação. Em Luanda, investimos no mesmo sector e na produção de conteúdos audiovisuais para fazer frente à crise. Portanto, respondendo à sua pergunta, ainda existem muitos constrangimentos no sector da distribuição, e agora a carência de divisas veio agravar algumas situações, mas ainda é possível fazer negócio.

"O sul-africano faz muito turismo interno, mas se Angola apostar em publicitar aquilo que tem para oferecer, com certeza que eles visitarão o nosso país"

A África do Sul é uma potência africana do turismo. Como é que olha para esse sector em Angola, tendo em conta o acordo de eliminação de vistos para viagens de curta duração?

Além dos moçambicanos e os namibianos, os angolanos também são muito conhecidos na África do Sul, pois contribuem para o crescimento económico desse país através do turismo e comércio. Este acordo vai aumentar, assim, a facilidade de trocas comerciais e de experiências empresariais.

Acha que os sul-africanos podem interessar-se por algum tipo de turismo em Angola?

Sim, o sul-africano faz muito turismo interno, mas se Angola apostar em publicitar aquilo que tem para oferecer, com certeza que eles visitarão o nosso país. Podemos apostar em safaris, pois temos condições naturais para tal. Outro segmento que merece uma forte aposta é o turismo rural e histórico.

Acha que Angola está preparada para receber os empresários sul-africanos?

Não há um momento exacto, mas o momento é agora. Não devemos temer a mudança, pois ela é muito importante, preparados ou não vamos aprender ao longo do processo de transformação do mercado e da economia, pois isto é fundamental para o engrandecimento e o crescimento da nossa economia.

Já passou por outras empresas, em Angola, na condição de empregado, sendo uma delas a Textang II. Qual é a avaliação que faz do sector têxtil, e quais são as oportunidades de negócio existentes?

É um sector de muitas oportunidades, mas temos que investir na produção de matéria-prima para os tecidos. Cada vez mais, os panos africanos estão a ser usados a nível do mundo e essa seria uma boa oportunidade para nos lançarmos internacionalmente, além de atender o mercado interno, que já tem alguma dimensão, nomeadamente pelo crescimento do sector da moda.

"… digo sempre aos novos empreendedores para não apostarem em áreas nas quais não têm domínio, pois se deu certo para alguns, para outros pode não dar certo."

Quando é que despertou para o mundo empresarial?

Quando cheguei à África do Sul não tinha documentos para conseguir emprego. Diante dessa dificuldade, comecei a trabalhar como tradutor para angolanos que se deslocavam à África do Sul por razões de turismo ou saúde, inicialmente, mas depois passei também a ajudá-los a encontrar lojas com preços competitivos, assim como a tratar do frete de mercadorias. Com isso, ganhei experiência e decidi abrir também uma empresa de frete.

Mas não estava em situação ilegal?

Já não, na altura da criação da empresa, mas a legalização não foi fácil. Graças a um sul-africano que viu potencial em mim e decidiu ajudar-me nesse processo, isso em 1997. Além do processo de legalização da empresa, houve também a necessidade de eu obter mais informação e bagagem sobre os negócios, daí que tive que ingressar na universidade, onde estudei Logística e Comércio internacional.

Como empreendedor, de um momento mais e de outro mais baixo que tenha vivido?

Quando fundei a AFMEX o negócio corria tudo bem, mas depois eu fui à falência devido à falta de experiência e foco. Os clientes começaram a explorar outros países, como a China e o Brasil, e diante desta dificuldade resolvi voltar à universidade de modo a aprender sobre estratégias de gestão de empresas. Esse foi o momento mais baixo. Por isso eu digo sempre aos novos empreendedores para não apostarem em áreas nas quais não têm domínio, pois se deu certo para alguns, para outros pode não dar certo. Se decidirem arriscar que façam primeiro um estudo de mercado e capacitem-se para não irem à falência. Quanto ao momento mais alto, acho que ainda está por vir.

 

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Sebastião Vemba

Fundador e Director Editorial do ONgoma News

Jornalista, apaixonado pela escrita, fotografia e artes visuais. Tem interesses nas novas medias, formação e desenvolvimento comunitário.

Há mais de duas décadas nas terras de Nelson Mandela, Sebastião Mwanza é um empresário angolano formado em Logística e Comércio Internacional que acredita na existência de oportunidades de negócios para empresários nacionais na África Sul. Angola, segundo afirmou, pelas potencialidades agrícolas do seu solo e disponibilidade de recursos hídricos, atrairá investidores sul-africanos para vir produzir localmente, ao passo que os nossos vizinhos trarão tecnologia avançada para desenvolver a nossa agricultura.

Foi criada, no final do ano passado, uma câmara de comércio e indústria que vai ajudar a estreitar  as relações comerciais entre Angola e a África do Sul, além de ter sido assinado um acordo de eliminação de vistos em passaportes ordinários para deslocações de curta duração entre os dois países. O que representa para si este momento?

É um momento muito favorável para os empresários dos dois países, porque haverá mais troca de experiência entre sul-africanos e angolanos em vários sectores, com destaque para a indústria e tecnologia, visto que os sul-africanos estão mais avançados do que nós nestes ramos. Vivo na África do Sul há mais de 20 anos e ao longo desse período pude perceber que, tal como os sul-africanos têm oportunidades em Angola, os angolanos também têm algo para mostrar e ensinar aos sul-africanos, pelo que este é o momento que nós empresários temos que aproveitar de modo a analisar as opções e oportunidades de negócios na África do Sul e em Angola em parceria com os sul-africanos.

Há da sua parte a ambição e interesse em ser um dos promotores desta ligação entre a classe empresarial sul-africana e a angolana?

Já tenho trabalhado, há três anos, com o governo sul-africano, nomeadamente o Ministério do Comércio, na área de formação e consultoria a empresários que pretendem entrar no sector das exportações para Angola. Fiz a proposta ao governo sul-africano de modo a trazer empresários para Angola e levar empresários angolanos à África do Sul e isso deverá acontecer em breve.

Quais são as oportunidades de negócio que visualizou ao longo dos 20 anos que esteve na África do Sul e quais são as que visualiza hoje para os angolanos?

Decidi viver na África do Sul atraído pelas oportunidades que encontrei, pois havia bens e serviços que não estavam disponíveis em Angola. Passei a fazer comércio e mais tarde tive a oportunidade de ir à uma universidade para aprender sobre gestão e negócios. Actualmente, sou formador e tenho estado a trabalhar com empresários sul-africanos que querem fazer auscultação e prospecção do mercado angolano, pois o seu Governo pretende incentivá-los para exportar a sua produção e um dos destinos poderá ser Angola, daí que partilho com eles a minha experiência. Por exemplo, a África do Sul não dispõe de tantos recursos hídricos, o que condiciona, em certa medida, a produção de alimentos, mas em compensação têm tecnologia agrária muito avançada. Ao contrário, Angola dispõe de muitos rios, mas ainda tem um grande défice de tecnologia agrária. Há aí uma oportunidade de negócio. Podemos fazer um acordo de modo que aproveitemos as vantagens de ambos os países e se produza alimentos agrícolas em Angola para exportamos para a África do Sul.

Acha que deveríamos aproveitar também o mercado de distribuição de água?

Sim, a água potável que se consome na África do Sul é importada do Lesoto, pelo que podemos também vender-lhes água. E ainda podemos tirar partido no ramo hidroeléctrico, pois com a construção e funcionamento de mais barragens em Angola, grande parte dos constrangimentos eléctricos serão ultrapassados e poderemos até fornecer energia eléctrica aos sul-africanos.  

A sua empresa, AFMEX Cargo, está também focada no sector da distribuição. Qual é a análise que faz sobre a distribuição em Angola, considerando o impacto da crise financeira e cambial que se vive há 3 anos?

Há mais de 20 anos que distribuímos produtos sul-africanos cá em Angola. Começamos com frete aéreo, mas depois passámos para o marítimo e rodoviário. Actualmente, devido à abertura e construção de mais estradas, fazemos mais frete rodoviário, que é mais económico. Infelizmente, devido à situação de crise que mencionou, tivemos alguns percalços, mas não nos deixámos desanimar. Em 2014 vimos a oportunidade de investir no ramo da segurança electrónica na África do Sul e apostámos em consultoria e formação. Em Luanda, investimos no mesmo sector e na produção de conteúdos audiovisuais para fazer frente à crise. Portanto, respondendo à sua pergunta, ainda existem muitos constrangimentos no sector da distribuição, e agora a carência de divisas veio agravar algumas situações, mas ainda é possível fazer negócio.

"O sul-africano faz muito turismo interno, mas se Angola apostar em publicitar aquilo que tem para oferecer, com certeza que eles visitarão o nosso país"

A África do Sul é uma potência africana do turismo. Como é que olha para esse sector em Angola, tendo em conta o acordo de eliminação de vistos para viagens de curta duração?

Além dos moçambicanos e os namibianos, os angolanos também são muito conhecidos na África do Sul, pois contribuem para o crescimento económico desse país através do turismo e comércio. Este acordo vai aumentar, assim, a facilidade de trocas comerciais e de experiências empresariais.

Acha que os sul-africanos podem interessar-se por algum tipo de turismo em Angola?

Sim, o sul-africano faz muito turismo interno, mas se Angola apostar em publicitar aquilo que tem para oferecer, com certeza que eles visitarão o nosso país. Podemos apostar em safaris, pois temos condições naturais para tal. Outro segmento que merece uma forte aposta é o turismo rural e histórico.

Acha que Angola está preparada para receber os empresários sul-africanos?

Não há um momento exacto, mas o momento é agora. Não devemos temer a mudança, pois ela é muito importante, preparados ou não vamos aprender ao longo do processo de transformação do mercado e da economia, pois isto é fundamental para o engrandecimento e o crescimento da nossa economia.

Já passou por outras empresas, em Angola, na condição de empregado, sendo uma delas a Textang II. Qual é a avaliação que faz do sector têxtil, e quais são as oportunidades de negócio existentes?

É um sector de muitas oportunidades, mas temos que investir na produção de matéria-prima para os tecidos. Cada vez mais, os panos africanos estão a ser usados a nível do mundo e essa seria uma boa oportunidade para nos lançarmos internacionalmente, além de atender o mercado interno, que já tem alguma dimensão, nomeadamente pelo crescimento do sector da moda.

"… digo sempre aos novos empreendedores para não apostarem em áreas nas quais não têm domínio, pois se deu certo para alguns, para outros pode não dar certo."

Quando é que despertou para o mundo empresarial?

Quando cheguei à África do Sul não tinha documentos para conseguir emprego. Diante dessa dificuldade, comecei a trabalhar como tradutor para angolanos que se deslocavam à África do Sul por razões de turismo ou saúde, inicialmente, mas depois passei também a ajudá-los a encontrar lojas com preços competitivos, assim como a tratar do frete de mercadorias. Com isso, ganhei experiência e decidi abrir também uma empresa de frete.

Mas não estava em situação ilegal?

Já não, na altura da criação da empresa, mas a legalização não foi fácil. Graças a um sul-africano que viu potencial em mim e decidiu ajudar-me nesse processo, isso em 1997. Além do processo de legalização da empresa, houve também a necessidade de eu obter mais informação e bagagem sobre os negócios, daí que tive que ingressar na universidade, onde estudei Logística e Comércio internacional.

Como empreendedor, de um momento mais e de outro mais baixo que tenha vivido?

Quando fundei a AFMEX o negócio corria tudo bem, mas depois eu fui à falência devido à falta de experiência e foco. Os clientes começaram a explorar outros países, como a China e o Brasil, e diante desta dificuldade resolvi voltar à universidade de modo a aprender sobre estratégias de gestão de empresas. Esse foi o momento mais baixo. Por isso eu digo sempre aos novos empreendedores para não apostarem em áreas nas quais não têm domínio, pois se deu certo para alguns, para outros pode não dar certo. Se decidirem arriscar que façam primeiro um estudo de mercado e capacitem-se para não irem à falência. Quanto ao momento mais alto, acho que ainda está por vir.

 

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