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“Se os nossos líderes souberem dar exemplo, tudo muda”, afirma Mona Dya Kidi

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Andrade Lino

O rapper angolano Mona Dya Kidi afirmou, nesta quinta-feira última, que “se os nossos líderes souberem dar exemplo, tudo muda, porque é preciso antes sermos exemplo de vida e é esse o exercício que todo angolano precisa fazer, sendo o melhor legado que se pode deixar”.

O também activista social falava por ocasião da primeira edição deste mês do espectáculo de humor Goz´Aqui, decorrido no Camões - Centro Cultural Português, onde foi convidado, e respondia a uma questão relacionada à saída de José Eduardo dos Santos da Presidência de Angola, afirmando ser uma das pessoas que se sentiu muito feliz com esse acto.

Acrescentou, então, que os maiores legados que se podem deixar, que não se compram nem se vendem, são a coerência, a lealdade, o trabalho, o compromisso, a educação, a partilha e a identidade cultural, porque ao se conseguir assimilá-los, vivê-los e partilhá-los, está-se em condições de transformar a geração e mudar comportamentos.

“Embora forçado, o Zedu tomou uma decisão acertada, sendo dos poucos presidentes que saíram sem terem sido arrancados ou mortos. Ele sentiu-se pressionado e saiu. Apesar de ter sido um péssimo líder, não desejo que nenhum angolano tenha uma reputação manchada, ao ponto de ser morto. E por ter saído nesses moldes, sinto-me aliviado e feliz pela atitude que tomou”, disse.

Ainda assim, reconhece alguns dos seus feitos para estimular a paz inicial, apesar de a intenção ter sido totalmente diferente das acções. “Em 22, acreditamos que teríamos uma Angola melhor, mas o modelo totalitário de gestão comprometeu a oportunidade que ele tinha de se tornar num Mandela para nós. Eu fiquei muito revoltado e naturalmente participei de protestos, porque é normal não querer ficar calado quando se conhecem os direitos. Aliás, eu fiz Administração Pública e a essência desse curso é velar pelo bem comum. Tu não sais duma universidade e és licenciado de repente. Tens que te questionar, tens que te expressar e manifestar aquilo que é o teu conhecimento”, considerou o convidado.

Quanto ao Presidente da República, João Lourenço, confessou estar ainda muito céptico, o que é natural, na sua óptica, uma vez que a experiência passada foi muito má. “Reconheço a força de vontade, mas tenho os meus receios. Eu defendo que estamos na era da força de vontade, mas uma força de vontade individual, e o Presidente João Lourenço tem que agir como facilitador do impulso para o desenvolvimento, porque nós estamos a atrasados em tudo. Há correntes que defendem que Angola tem muito trabalho a fazer, porém tem muitos desempregados. É um paradoxo enorme”, contesta o ainda empreendedor social, que exortou ser importante, para reverter isso, regular o mercado, permitir que eventos como o Goz´Aqui sejam mais lucrativos, funcionem em diversos cantos da cidade e as pessoas passem a ganhar com aquilo que gostam, perceber o que é que a juventude gosta de fazer.

“Reclamamos muito das divisas, mas um caso interessante é o dos Youtubers, que nos outros países ganham dinheiro com brincadeiras. Imagine, eu se falar uma baboseira e as pessoas gostarem. Se o Estado apostar seriamente nisso, poderemos conseguir divisas”, acrescentou, como exemplo.

Além disso, outra coisa é a discussão das autarquias, citou. “Eu tinha 14 anos quando aprendi a falar sobre autarquias e a sua importância. Hoje faço 31 anos e Angola está a discutir sobre autarquias. Isso não faz de mim um expert na matéria, mas prova que as academias estão muito mais avançadas. Antes de decidirmos que vamos pôr nalgumas províncias e noutras não, vamos consultar as academias e a população, porque o problema de Cabinda é diferente do problema de Zaire, não podemos adivinhar o que as pessoas precisam, a realidade local varia”, observou Mona.

“Quem resolveu o problema dos táxis foram os taxistas, não o Governo, prova de que as iniciativas individuais podem sim resolver problemas gerais”, exemplificou ainda o rapper, considerando que “às vezes nós pensamos que para fazer a diferença precisamos de milhões, mas existem pequenos milagres que podem ser feitos nas comunidades, e surge então a figura do empreendedor social, para dar respostas a questões básicas únicas, que podem ser desenvolvidas dentro da solidariedade para com as pessoas”.

Ainda neste âmbito, esclareceu que um explicador num bairro pode transformar a sociedade. Pode apenas ser chamado de explicador, mas o impacto da sua acção pode ir além daquilo que se espera. “Ou seja, há um efeito bola de neve. Pensas que só estás a dar explicações, mas podes estar a criar um empresário ou um ministro. Essa actividade, bem estruturada, claro, pode obviamente ser considerada empreendedorismo social”, afirmou o artista.

“Outro bom exemplo é que eu ainda não falo muito bem as línguas nacionais. Sabemos que não somos os culpados, não recebemos instruções, mas chega uma fase que precisamos nos sentir responsáveis por isso, e antes de apontar o dedo a alguém, é preciso olharmos para nós mesmos. Fui à Aliança Francesa de Luanda e fiz um curso de kimbundu. Eu passei pela Faculdade de Ciências Sociais, onde teria aulas de kimbundu durante um semestre, mas tive em apenas dois dias. Eu apaixonei-me por aquela aula de dois dias e então fui à procura de livros, falantes e sítios que leccionavam. Na altura, o Cefojor o fazia, todavia o curso foi à falência por falta de estudantes. Então, fui à procura da Aliança Francesa e descobri que ministrava o curso de kimbundu, instituição que aqui em Angola tem a responsabilidade social de promover línguas. Ou seja, para além de ensinar o francês e a cultura de França, ela procura pegar na língua e cultura local e estimulá-la. A embaixadora de Venezuela foi minha colega, vejamos, porque o que acontece é que os estrangeiros começam a perceber que a cultura africana é única e ímpar”, relatou, clareando que isso lá fora começa a ser negócio.

“Se estivermos a falar dum turismo integrativo, o indivíduo chega numa comunidade e precisa interagir com a população. Aprendendo a língua, pode depois trabalhar como intérprete, e isso é uma dinâmica de auto-emprego, mas tudo depende da visão do indivíduo”, realçou.

Com o primeiro álbum “Kamun´dongo” lançado em 2011, Mona Dya Kidi é de opinião que a cada ano que passa, naturalmente não somos os mesmos. Então, depois de 7 anos, podemos ver essa mudança no álbum que sai no próximo dia 28 deste mês, no Elinga Teatro, e ele vê a mesma Angola de forma diferente, esta realidade que traz na obra “Ngala Ubheka”, que significa “Estou sozinho ou solitário”.

Formado em Contabilidade e Gestão pelo Instituto Médio de Economia de Luanda, e Gestão e Administração Pública pela Universidade Agostinho Neto, é funcionário numa seguradora pública, mas conta que nunca sofreu represália pela sua figura.

“Quando estou lá, foco-me apenas no trabalho e sou reconhecido por causa disso, e fora do trabalho sou um cidadão normal”, partilhou.

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Andrade Lino

Jornalista

Estudante de Língua Portuguesa e Comunicação, amante de artes visuais, música e poesia.

O rapper angolano Mona Dya Kidi afirmou, nesta quinta-feira última, que “se os nossos líderes souberem dar exemplo, tudo muda, porque é preciso antes sermos exemplo de vida e é esse o exercício que todo angolano precisa fazer, sendo o melhor legado que se pode deixar”.

O também activista social falava por ocasião da primeira edição deste mês do espectáculo de humor Goz´Aqui, decorrido no Camões - Centro Cultural Português, onde foi convidado, e respondia a uma questão relacionada à saída de José Eduardo dos Santos da Presidência de Angola, afirmando ser uma das pessoas que se sentiu muito feliz com esse acto.

Acrescentou, então, que os maiores legados que se podem deixar, que não se compram nem se vendem, são a coerência, a lealdade, o trabalho, o compromisso, a educação, a partilha e a identidade cultural, porque ao se conseguir assimilá-los, vivê-los e partilhá-los, está-se em condições de transformar a geração e mudar comportamentos.

“Embora forçado, o Zedu tomou uma decisão acertada, sendo dos poucos presidentes que saíram sem terem sido arrancados ou mortos. Ele sentiu-se pressionado e saiu. Apesar de ter sido um péssimo líder, não desejo que nenhum angolano tenha uma reputação manchada, ao ponto de ser morto. E por ter saído nesses moldes, sinto-me aliviado e feliz pela atitude que tomou”, disse.

Ainda assim, reconhece alguns dos seus feitos para estimular a paz inicial, apesar de a intenção ter sido totalmente diferente das acções. “Em 22, acreditamos que teríamos uma Angola melhor, mas o modelo totalitário de gestão comprometeu a oportunidade que ele tinha de se tornar num Mandela para nós. Eu fiquei muito revoltado e naturalmente participei de protestos, porque é normal não querer ficar calado quando se conhecem os direitos. Aliás, eu fiz Administração Pública e a essência desse curso é velar pelo bem comum. Tu não sais duma universidade e és licenciado de repente. Tens que te questionar, tens que te expressar e manifestar aquilo que é o teu conhecimento”, considerou o convidado.

Quanto ao Presidente da República, João Lourenço, confessou estar ainda muito céptico, o que é natural, na sua óptica, uma vez que a experiência passada foi muito má. “Reconheço a força de vontade, mas tenho os meus receios. Eu defendo que estamos na era da força de vontade, mas uma força de vontade individual, e o Presidente João Lourenço tem que agir como facilitador do impulso para o desenvolvimento, porque nós estamos a atrasados em tudo. Há correntes que defendem que Angola tem muito trabalho a fazer, porém tem muitos desempregados. É um paradoxo enorme”, contesta o ainda empreendedor social, que exortou ser importante, para reverter isso, regular o mercado, permitir que eventos como o Goz´Aqui sejam mais lucrativos, funcionem em diversos cantos da cidade e as pessoas passem a ganhar com aquilo que gostam, perceber o que é que a juventude gosta de fazer.

“Reclamamos muito das divisas, mas um caso interessante é o dos Youtubers, que nos outros países ganham dinheiro com brincadeiras. Imagine, eu se falar uma baboseira e as pessoas gostarem. Se o Estado apostar seriamente nisso, poderemos conseguir divisas”, acrescentou, como exemplo.

Além disso, outra coisa é a discussão das autarquias, citou. “Eu tinha 14 anos quando aprendi a falar sobre autarquias e a sua importância. Hoje faço 31 anos e Angola está a discutir sobre autarquias. Isso não faz de mim um expert na matéria, mas prova que as academias estão muito mais avançadas. Antes de decidirmos que vamos pôr nalgumas províncias e noutras não, vamos consultar as academias e a população, porque o problema de Cabinda é diferente do problema de Zaire, não podemos adivinhar o que as pessoas precisam, a realidade local varia”, observou Mona.

“Quem resolveu o problema dos táxis foram os taxistas, não o Governo, prova de que as iniciativas individuais podem sim resolver problemas gerais”, exemplificou ainda o rapper, considerando que “às vezes nós pensamos que para fazer a diferença precisamos de milhões, mas existem pequenos milagres que podem ser feitos nas comunidades, e surge então a figura do empreendedor social, para dar respostas a questões básicas únicas, que podem ser desenvolvidas dentro da solidariedade para com as pessoas”.

Ainda neste âmbito, esclareceu que um explicador num bairro pode transformar a sociedade. Pode apenas ser chamado de explicador, mas o impacto da sua acção pode ir além daquilo que se espera. “Ou seja, há um efeito bola de neve. Pensas que só estás a dar explicações, mas podes estar a criar um empresário ou um ministro. Essa actividade, bem estruturada, claro, pode obviamente ser considerada empreendedorismo social”, afirmou o artista.

“Outro bom exemplo é que eu ainda não falo muito bem as línguas nacionais. Sabemos que não somos os culpados, não recebemos instruções, mas chega uma fase que precisamos nos sentir responsáveis por isso, e antes de apontar o dedo a alguém, é preciso olharmos para nós mesmos. Fui à Aliança Francesa de Luanda e fiz um curso de kimbundu. Eu passei pela Faculdade de Ciências Sociais, onde teria aulas de kimbundu durante um semestre, mas tive em apenas dois dias. Eu apaixonei-me por aquela aula de dois dias e então fui à procura de livros, falantes e sítios que leccionavam. Na altura, o Cefojor o fazia, todavia o curso foi à falência por falta de estudantes. Então, fui à procura da Aliança Francesa e descobri que ministrava o curso de kimbundu, instituição que aqui em Angola tem a responsabilidade social de promover línguas. Ou seja, para além de ensinar o francês e a cultura de França, ela procura pegar na língua e cultura local e estimulá-la. A embaixadora de Venezuela foi minha colega, vejamos, porque o que acontece é que os estrangeiros começam a perceber que a cultura africana é única e ímpar”, relatou, clareando que isso lá fora começa a ser negócio.

“Se estivermos a falar dum turismo integrativo, o indivíduo chega numa comunidade e precisa interagir com a população. Aprendendo a língua, pode depois trabalhar como intérprete, e isso é uma dinâmica de auto-emprego, mas tudo depende da visão do indivíduo”, realçou.

Com o primeiro álbum “Kamun´dongo” lançado em 2011, Mona Dya Kidi é de opinião que a cada ano que passa, naturalmente não somos os mesmos. Então, depois de 7 anos, podemos ver essa mudança no álbum que sai no próximo dia 28 deste mês, no Elinga Teatro, e ele vê a mesma Angola de forma diferente, esta realidade que traz na obra “Ngala Ubheka”, que significa “Estou sozinho ou solitário”.

Formado em Contabilidade e Gestão pelo Instituto Médio de Economia de Luanda, e Gestão e Administração Pública pela Universidade Agostinho Neto, é funcionário numa seguradora pública, mas conta que nunca sofreu represália pela sua figura.

“Quando estou lá, foco-me apenas no trabalho e sou reconhecido por causa disso, e fora do trabalho sou um cidadão normal”, partilhou.

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