Caneta e Papel

O silêncio dos sofridos e a indignação dos nobres

O silêncio dos sofridos e a indignação dos nobres
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É estranho ouvir determinada elite angolana a manifestar-se indignada, quando confrontada com a opinião pública, quase sempre virtual sobre problemas reais.

Além de estranho, é profundamente preocupante, porque a nossa realidade mostra que a indignação só teria lugar caso os indignados sofressem de doença mental do tipo paranoia, alucinação ou psicopatia.

Diagnósticos psiquiátricos à parte, a verdade é que o nosso contexto social é caracterizado pela extrema pobreza, analfabetismo, inoperância das instituições, patrocinados por máquina governamental que foi incapaz de materializar a justiça social.

Se por um lado existem razões históricas aliadas à complexidade própria para a resolução dos problemas sociais, por outro lado a suspeição da corrupção endémica e do favoritismo são os argumentos para mudança, cujo tom acusatório só não ganha mais força pelo deficiente sistema de justiça.

Contudo, toda a presunção de inocência que poderia beneficiar a elite angolana, como de resto todas as elites do mundo, esfuma-se diante da recorrente ostentação e arrogância travestidas de filantropia e mérito, fazendo crer que além de solidários os nobres angolanos são dotados de capacidades extraordinárias.

O célebre grupo de nobres bem-intencionados encheria o inferno caso se consumasse o ditado popular, porém, enquanto a justiça divina não chega, só a insanidade mental justificaria a bondade de passerelle, a filantropia de holofotes, o voluntariado de capa de revista.

Os sintomas de novo “riquismo” embora sejam exuberantes, contrastam com a genuína solidariedade, quase sempre anónima e sem flashes. O real interesse em ajudar o próximo intervém directamente nos hospitais sem médicos nem medicamentos; nas escolas sem professores nem livros, nas crianças sem pais nem casa; dispensando os altos custos da pesada produção das galas da vaidade, regados de caros vinhos e cobertura televisiva.

... toda a presunção de inocência que poderia beneficiar a elite angolana, como de resto todas as elites do mundo, esfuma-se diante da recorrente ostentação e arrogância travestidas de filantropia e mérito, fazendo crer que além de solidários os nobres angolanos são dotados de capacidades extraordinárias.

Os sofridos, estes continuam a sofrer, a morrer silenciosamente ao passo que os que têm alguma voz dividem-se entre os arautos cegos que defendem o respeito pela individualidade e recomendam aos nobres uma protecção com alho de quimbundo e sal grosso para afastar a inveja contra aqueles cuja moral exige pelo menos a denúncia da irracionalidade e o abuso da condição alheia.

Senhores, apesar de duvidosa a vossa prosperidade, ele não está em causa aqui e agora. Porém, o mínimo ético recomenda o recato das vossas acções diante do sofrimento alheio.

Os sofridos silenciosos, às vezes roucos de tanto lutar, não são mudos nem invisíveis. É só reparar um pouco mais além dos vossos cenários e ouvir o som das ruas… Estão excluídos da discussão dos caminhos para o alcance da consagrada liberdade e igualdade de direitos e dignidade entre homens e mulheres desde o nascimento, nesta terra.

O panorama de uns iguais mais iguais do que outros não se compadece com a nobreza que buscam ou que tentam transparecer, porque a ostentação e opulência são ordinárias e vergonhosas, porque desrespeitadoras da condição alheia. O actual contexto recomenda a reserva e esta é hora de lavar a cara e retirar toda a maquiagem conjunta para revelar a face esquálida.

Desenganem-se. Não há direito à indignação dos nobres diante da abundante indigência geral, se o sentimento persistir é escusado o barulho virtual, porém muito urgente a ajuda médica, sobretudo se realmente houver intenção de fazer o bem.

Se por um lado existem razões históricas aliadas à complexidade própria para a resolução dos problemas sociais, por outro lado a suspeição da corrupção endémica e do favoritismo são os argumentos para mudança, cujo tom acusatório só não ganha mais força pelo deficiente sistema de justiça.

Luanda, 29 de Maio de 2017.

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Adalberto Cawaia

É estranho ouvir determinada elite angolana a manifestar-se indignada, quando confrontada com a opinião pública, quase sempre virtual sobre problemas reais.

Além de estranho, é profundamente preocupante, porque a nossa realidade mostra que a indignação só teria lugar caso os indignados sofressem de doença mental do tipo paranoia, alucinação ou psicopatia.

Diagnósticos psiquiátricos à parte, a verdade é que o nosso contexto social é caracterizado pela extrema pobreza, analfabetismo, inoperância das instituições, patrocinados por máquina governamental que foi incapaz de materializar a justiça social.

Se por um lado existem razões históricas aliadas à complexidade própria para a resolução dos problemas sociais, por outro lado a suspeição da corrupção endémica e do favoritismo são os argumentos para mudança, cujo tom acusatório só não ganha mais força pelo deficiente sistema de justiça.

Contudo, toda a presunção de inocência que poderia beneficiar a elite angolana, como de resto todas as elites do mundo, esfuma-se diante da recorrente ostentação e arrogância travestidas de filantropia e mérito, fazendo crer que além de solidários os nobres angolanos são dotados de capacidades extraordinárias.

O célebre grupo de nobres bem-intencionados encheria o inferno caso se consumasse o ditado popular, porém, enquanto a justiça divina não chega, só a insanidade mental justificaria a bondade de passerelle, a filantropia de holofotes, o voluntariado de capa de revista.

Os sintomas de novo “riquismo” embora sejam exuberantes, contrastam com a genuína solidariedade, quase sempre anónima e sem flashes. O real interesse em ajudar o próximo intervém directamente nos hospitais sem médicos nem medicamentos; nas escolas sem professores nem livros, nas crianças sem pais nem casa; dispensando os altos custos da pesada produção das galas da vaidade, regados de caros vinhos e cobertura televisiva.

... toda a presunção de inocência que poderia beneficiar a elite angolana, como de resto todas as elites do mundo, esfuma-se diante da recorrente ostentação e arrogância travestidas de filantropia e mérito, fazendo crer que além de solidários os nobres angolanos são dotados de capacidades extraordinárias.

Os sofridos, estes continuam a sofrer, a morrer silenciosamente ao passo que os que têm alguma voz dividem-se entre os arautos cegos que defendem o respeito pela individualidade e recomendam aos nobres uma protecção com alho de quimbundo e sal grosso para afastar a inveja contra aqueles cuja moral exige pelo menos a denúncia da irracionalidade e o abuso da condição alheia.

Senhores, apesar de duvidosa a vossa prosperidade, ele não está em causa aqui e agora. Porém, o mínimo ético recomenda o recato das vossas acções diante do sofrimento alheio.

Os sofridos silenciosos, às vezes roucos de tanto lutar, não são mudos nem invisíveis. É só reparar um pouco mais além dos vossos cenários e ouvir o som das ruas… Estão excluídos da discussão dos caminhos para o alcance da consagrada liberdade e igualdade de direitos e dignidade entre homens e mulheres desde o nascimento, nesta terra.

O panorama de uns iguais mais iguais do que outros não se compadece com a nobreza que buscam ou que tentam transparecer, porque a ostentação e opulência são ordinárias e vergonhosas, porque desrespeitadoras da condição alheia. O actual contexto recomenda a reserva e esta é hora de lavar a cara e retirar toda a maquiagem conjunta para revelar a face esquálida.

Desenganem-se. Não há direito à indignação dos nobres diante da abundante indigência geral, se o sentimento persistir é escusado o barulho virtual, porém muito urgente a ajuda médica, sobretudo se realmente houver intenção de fazer o bem.

Se por um lado existem razões históricas aliadas à complexidade própria para a resolução dos problemas sociais, por outro lado a suspeição da corrupção endémica e do favoritismo são os argumentos para mudança, cujo tom acusatório só não ganha mais força pelo deficiente sistema de justiça.

Luanda, 29 de Maio de 2017.

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