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Comunicação Social

Novos ares na forma de fazer notícias na RNA?

Novos ares na forma de fazer notícias na RNA?
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São ainda pequenos sinais, mas muito animadores no modo de fazer notícias na Rádio Nacional de Angola (RNA). Ouvi com interesse, no jornal de sábado, 7, a visão dos médicos responsáveis pelo hospital sanatório de Luanda, na sequência da visita de campo da Ministra da Saúde, Sílvia Paula Lutucuta, que entendem que os problemas mais graves que vive aquele estabelecimento hospitalar são a degradação profunda das infra-estruturas e a escassez e fraca qualificação dos recursos humanos de base; no Uíge, o Governador Mpinda Simão visitou as sedes provinciais do Partido UNITA e da Coligação de Partidos CASA-CE; na Huíla, a lamentação do Presidente da FAF por causa da degradação profunda do Estádio de futebol da Tundavala, construído em 2010; e, em Cabinda, o novo Governador daquela província mais ao Norte de Angola, Eugénio Laborinho, manifestava o desejo de ouvir todas as sensibilidades da sociedade local antes de tomar qualquer medida, apesar de tanta pressão e palpite sobre quem deve nomear ou exonerar, fazendo-me mesmo “cunha”, nas palavras daquele governante; e, Adão de Almeida, Ministro da Administração do Território, assumiu que sem a acção activa dos municípios será difícil desenvolver o nosso país. 

Todos esses pronunciamentos, à primeira vista, parece não terem qualquer novidade ou significado. Na verdade há novidade e significado comunicacional porque tanto os intervenientes como o órgão de comunicação social manifestaram sinais evidentes de maior abertura na exposição fiel dos factos e pensamentos. George Orwell, em “1984”, critica a manipulação da realidade no “Socing”, na medida em que “Duplopensar significa a capacidade de albergar no espírito simultaneamente duas convicções contraditórias, aceitando-as a ambas. O intelectual do Partido sabe em que sentido deve alterar as suas recordações; sabe, por conseguinte, que malabarismos faz com a realidade…”

Um político, pessoa de acção comprometida com a transformação das condições sociais das populações, jamais pode atingir tal objectivo se entender planificar a sua acção sem ter em conta a realidade social, o que seria uma verdadeira fraude. Pelo contrário, parece-me oportuno lançar mão dos procedimentos técnico-profissionais dos médicos. Estes, no exercício da profissão, diante de um doente queixoso, tudo fazem não só para avaliarem os sinais vitais, como também observam, perguntam (quando seja possível obter uma resposta), apalpam (atentos à reacção do doente) e pedem (requisitam) exames (análises clínicas) para obterem dados objectivos que lhes permitem determinar o diagnóstico, ou apenas ter uma pista do que se trata, graças à experiência profissional de cada um. Uma vez determinado o diagnóstico, os passos e procedimentos subsequentes serão executados com base na doença identificada, isto é, a prescrição e o tratamento. Um diagnóstico mal feito é ponto assente que qualquer prescrição será desajustada e a doença não será curada, a não ser uma cura fortuita.

... como o afirmou no seu discurso de tomada de posse o Presidente da República, João Lourenço, a democracia faz-se todos os dias.

Com as devidas adaptações, não será assim para os problemas sociais? No nosso caso, parece-me que os problemas que se arrastam nos diferentes sectores da vida social, económica e cultural de Angola têm as suas raízes na “falsificação” da realidade ao longo dos anos, isto é, houve com frequência malabarismo comunicacional, pois a sociedade não devia ouvir nem ler notícias sobre situações desagradáveis nos hospitais públicos, mesmo à vista de toda a gente, que alguns familiares dos doentes, por falta de confiança nas práticas dos profissionais da saúde, passam as noites ao relento na parte exterior de certos hospitais, como é o caso no Hospital Geral de Luanda, ao Camama, com sérios riscos de contraírem várias doenças; nas escolas públicas, com frequência, sem casas de banho dignas desse nome; entre outros problemas. Por que tais problemas não são debatidos publicamente? Porque tinha sido montado um sistema de “Dizer mentiras deliberadas, nelas acreditando com sinceridade; esquecer qualquer facto que haja tornado incómodo, para depois, quando de novo necessário o arrancar ao esquecimento enquanto for preciso e nunca por mais tempo”, escreve George Orwell. Aliás, o “Duplopensar é a pedra de toque do Socing, uma vez que a atitude fundamental do Partido consiste em recorrer à fraude consciente”.

... parece-me que os problemas que se arrastam nos diferentes sectores da vida social, económica e cultural de Angola têm as suas raízes na “falsificação” da realidade ao longo dos anos.

Não podemos deixar de reconhecer que as portas dos órgãos de comunicação social estão a abrir-se para o pensamento plural e contraditório, à não falsificação da realidade; ao não sentido único das ideias, mas, sim, à diversidade de sentidos. Há uma vontade de se desconstruir a ideia segundo a qual “Patriota” são mulheres e homens “com sentido de Estado” na medida em que dizem “verdades convencionais” de quem governa, e, “Traidores” ou “Não-Patriotas” aqueles que se oponham à opinião oficial dos factos. Porque na verdade, como o afirmou no seu discurso de tomada de posse o Presidente da República, João Lourenço, a democracia faz-se todos os dias. E não podemos fazer a democracia sem opinião (doxa), pois nos diz Arendt: “A palavra doxa significa não só opinião, mas também brilho e fama. Como tal, liga-se ao domínio político, que é a esfera pública…” Faz todo o sentido que cada angolano tenha a sua opinião sobre a realidade social, económica, política e cultural de Angola e do Mundo, sendo que “Todos são iguais perante a Constituição e a lei”.

 

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António Eduardo

Jurista

São ainda pequenos sinais, mas muito animadores no modo de fazer notícias na Rádio Nacional de Angola (RNA). Ouvi com interesse, no jornal de sábado, 7, a visão dos médicos responsáveis pelo hospital sanatório de Luanda, na sequência da visita de campo da Ministra da Saúde, Sílvia Paula Lutucuta, que entendem que os problemas mais graves que vive aquele estabelecimento hospitalar são a degradação profunda das infra-estruturas e a escassez e fraca qualificação dos recursos humanos de base; no Uíge, o Governador Mpinda Simão visitou as sedes provinciais do Partido UNITA e da Coligação de Partidos CASA-CE; na Huíla, a lamentação do Presidente da FAF por causa da degradação profunda do Estádio de futebol da Tundavala, construído em 2010; e, em Cabinda, o novo Governador daquela província mais ao Norte de Angola, Eugénio Laborinho, manifestava o desejo de ouvir todas as sensibilidades da sociedade local antes de tomar qualquer medida, apesar de tanta pressão e palpite sobre quem deve nomear ou exonerar, fazendo-me mesmo “cunha”, nas palavras daquele governante; e, Adão de Almeida, Ministro da Administração do Território, assumiu que sem a acção activa dos municípios será difícil desenvolver o nosso país. 

Todos esses pronunciamentos, à primeira vista, parece não terem qualquer novidade ou significado. Na verdade há novidade e significado comunicacional porque tanto os intervenientes como o órgão de comunicação social manifestaram sinais evidentes de maior abertura na exposição fiel dos factos e pensamentos. George Orwell, em “1984”, critica a manipulação da realidade no “Socing”, na medida em que “Duplopensar significa a capacidade de albergar no espírito simultaneamente duas convicções contraditórias, aceitando-as a ambas. O intelectual do Partido sabe em que sentido deve alterar as suas recordações; sabe, por conseguinte, que malabarismos faz com a realidade…”

Um político, pessoa de acção comprometida com a transformação das condições sociais das populações, jamais pode atingir tal objectivo se entender planificar a sua acção sem ter em conta a realidade social, o que seria uma verdadeira fraude. Pelo contrário, parece-me oportuno lançar mão dos procedimentos técnico-profissionais dos médicos. Estes, no exercício da profissão, diante de um doente queixoso, tudo fazem não só para avaliarem os sinais vitais, como também observam, perguntam (quando seja possível obter uma resposta), apalpam (atentos à reacção do doente) e pedem (requisitam) exames (análises clínicas) para obterem dados objectivos que lhes permitem determinar o diagnóstico, ou apenas ter uma pista do que se trata, graças à experiência profissional de cada um. Uma vez determinado o diagnóstico, os passos e procedimentos subsequentes serão executados com base na doença identificada, isto é, a prescrição e o tratamento. Um diagnóstico mal feito é ponto assente que qualquer prescrição será desajustada e a doença não será curada, a não ser uma cura fortuita.

... como o afirmou no seu discurso de tomada de posse o Presidente da República, João Lourenço, a democracia faz-se todos os dias.

Com as devidas adaptações, não será assim para os problemas sociais? No nosso caso, parece-me que os problemas que se arrastam nos diferentes sectores da vida social, económica e cultural de Angola têm as suas raízes na “falsificação” da realidade ao longo dos anos, isto é, houve com frequência malabarismo comunicacional, pois a sociedade não devia ouvir nem ler notícias sobre situações desagradáveis nos hospitais públicos, mesmo à vista de toda a gente, que alguns familiares dos doentes, por falta de confiança nas práticas dos profissionais da saúde, passam as noites ao relento na parte exterior de certos hospitais, como é o caso no Hospital Geral de Luanda, ao Camama, com sérios riscos de contraírem várias doenças; nas escolas públicas, com frequência, sem casas de banho dignas desse nome; entre outros problemas. Por que tais problemas não são debatidos publicamente? Porque tinha sido montado um sistema de “Dizer mentiras deliberadas, nelas acreditando com sinceridade; esquecer qualquer facto que haja tornado incómodo, para depois, quando de novo necessário o arrancar ao esquecimento enquanto for preciso e nunca por mais tempo”, escreve George Orwell. Aliás, o “Duplopensar é a pedra de toque do Socing, uma vez que a atitude fundamental do Partido consiste em recorrer à fraude consciente”.

... parece-me que os problemas que se arrastam nos diferentes sectores da vida social, económica e cultural de Angola têm as suas raízes na “falsificação” da realidade ao longo dos anos.

Não podemos deixar de reconhecer que as portas dos órgãos de comunicação social estão a abrir-se para o pensamento plural e contraditório, à não falsificação da realidade; ao não sentido único das ideias, mas, sim, à diversidade de sentidos. Há uma vontade de se desconstruir a ideia segundo a qual “Patriota” são mulheres e homens “com sentido de Estado” na medida em que dizem “verdades convencionais” de quem governa, e, “Traidores” ou “Não-Patriotas” aqueles que se oponham à opinião oficial dos factos. Porque na verdade, como o afirmou no seu discurso de tomada de posse o Presidente da República, João Lourenço, a democracia faz-se todos os dias. E não podemos fazer a democracia sem opinião (doxa), pois nos diz Arendt: “A palavra doxa significa não só opinião, mas também brilho e fama. Como tal, liga-se ao domínio político, que é a esfera pública…” Faz todo o sentido que cada angolano tenha a sua opinião sobre a realidade social, económica, política e cultural de Angola e do Mundo, sendo que “Todos são iguais perante a Constituição e a lei”.

 

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