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“Na literatura angolana, fazem-se elogios banais”, critica José Luís Mendonça

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Andrade Lino

O escritor angolano José Luís Mendonça criticou recentemente o facto de na literatura nacional fazerem-se elogios banais, defendendo que “quem analisa uma obra de literatura tem que saber o que já foi escrito antes, no país e fora dele, para fazer uma comparação”, não podendo só fazer um elogio a uma obra sem saber o que ela traz em relação à obra dos autores anteriores, asseverando por isso que “o crítico literário tem que ser uma pessoa bem lida”.

Ao ONgoma News, o também jornalista, que falava por ocasião do lançamento dos livros “Conflito e Convivência” e “Roberto Silva: Rei ou mendigo?”, de Manuel Américo Gonçalves da Silva, no Camões - Centro Cultural Português, na semana passada, numa apreciação sobre o cultivo do hábito de leitura, disse que existe um fenómeno que é, quem lê mais, em qualquer país, são os estudantes. “Na França, tem que ler no máximo 10 livros obrigatoriamente e aqui não temos isso no currículo escolar. Se os que devem ler não lêem, imagina as pessoas que trabalham. O estudante tem muito tempo, tem a noite para ler em casa e os trabalhadores não têm tempo pra ler, só lê mesmo quem tem amor à leitura e paixão pelos livros”, notou.

Por essa razão, entende ser desnecessário escrever uma obra com grande número de páginas, “porque quase ninguém vai ler”. Por exemplo, revelou ver em lançamentos de livro que, se o autor for alguém ligado ao Governo, tem a presença de ministros e a sala enche, mas daquelas pessoas, 99,9% não vai ler o livro. “Vão colocar na estante. Já se sabe que as pessoas não lêem, então escrever um livro de 300 páginas para quê? Só duas pessoas vão ler. Escreva um livro pequeno para todo mundo ler, porque um livro grande só lê quem é crítico literário e quem está interessado nos estudos literários”, aconselhou José Luís Mendonça.

Ainda sobre isso, o autor de “O Reino das Casuarinas” afirmou ser uma questão de adaptação às condições históricas da actualidade, juntando a isso o facto de na literatura haver “muito diálogo e muita descrição que é inútil”. “Nos livros de romance, por exemplo, tem muita descrição que não vale a pena, o romance tem que ser directo e pontual, porque as pessoas não têm muito tempo para leitura”.

Questionado se os livros digitais podem facilitar a criação do hábito de leitura, nessa era digital, o ficcionista aludiu que a Suécia acabou com a leitura digital nas escolas porque viu que estava a formar analfabetos funcionais, pois entende que “são pessoas que estão na escola, mas não têm vocabulário”, porque “quando não se tem o livro físico, não se pode fazer apontamentos, no telemóvel é difícil, tem mesmo que procurar um lápis, riscar um livro, sublinhar, tirar frases para um caderno”.

Por isso, realçou ser preciso pegar num livro físico, lê-lo, para ter conhecimento lexical, sendo que quando se chega a uma universidade tem que se ter certa dose de vocabulário para saber fazer as teses, as dissertações.

Membro da União dos Escritores Angolanos, para ele, os anos 80 eram diferentes, havia mais unidade entre os escritores, “hoje está tudo disperso e essa união já não existe por causa da partidarização da cultura em Angola”, o que afectou as tertúlias literárias. “Já não nos encontramos, já não conversamos, cada um por sí, é uma pena. Liguei-me mais aos jovens, estou a tentar dar-lhes orientações para fazerem um spoken word que não seja muito prosaico, que tenha algo mais de imagem poética”, desabafou o ainda poeta e declamador.

Noutro diapasão, o entrevistado, ex-director e redator-chefe do semanário Cultura, lamentou faltar algum traquejo no quesito da produção do jornalismo cultural, considerando ser uma debilidade que só será superada se houver formação.

Durante uma visita ao Centro de Formação de Jornalistas (CEFOJOR), contou, propôs dar essa formação de jornalismo cultural, que é uma das suas especialidades, “mas até hoje o director não responde e já lá se vai um ano e essa debilidade é grande”.

“O jornalismo cultural é muita ciência, é preciso muito empenho, saber onde buscar a informação, as fontes de informação são várias, são os autores dos eventos, exposição de pinturas, autores dos livros, os músicos, mas também tem outras fontes, como a internet, os livros e pessoas especializadas. O jornalista pode saber sobre música, ou pintura, mas não é especializado. Então, para ter informações, deve ir a um especialista que é o músico, ou pintor, para enriquecer o seu trabalho”, argumentou o especialista.

Disse por exemplo que a pintura que Roberto Silva fazia não é a angolana, pois, para a pintura angolana, tinha que ir viver raízes da arte tradicional. “Então pode ser uma grande polémica a ser levantada, e para isso é preciso fazer um colóquio, reunir os experts em artes plásticas e ver o que é isso de pintura angolana, que tem o mesmo caminho da literatura. É muita discussão que está aí em cima, por isso é que eu disse que o jornalismo cultural aqui em Angola não está a mostrar quase nada, só mostra o que é notícia, mas não a investigação como tal”, deplorou.

Ainda nessa ordem de ideias, a fonte concluiu que um jornal ou uma página de cultura não pode ter só os autores, “tem que se ir buscar mais pessoas e depois há peritos que fazem também análise nos jornais de pinturas, pessoas pagas para isso”.

*Com Rodeth Dos Anjos

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Andrade Lino

Jornalista

Estudante de Língua Portuguesa e Comunicação, amante de artes visuais, música e poesia.

O escritor angolano José Luís Mendonça criticou recentemente o facto de na literatura nacional fazerem-se elogios banais, defendendo que “quem analisa uma obra de literatura tem que saber o que já foi escrito antes, no país e fora dele, para fazer uma comparação”, não podendo só fazer um elogio a uma obra sem saber o que ela traz em relação à obra dos autores anteriores, asseverando por isso que “o crítico literário tem que ser uma pessoa bem lida”.

Ao ONgoma News, o também jornalista, que falava por ocasião do lançamento dos livros “Conflito e Convivência” e “Roberto Silva: Rei ou mendigo?”, de Manuel Américo Gonçalves da Silva, no Camões - Centro Cultural Português, na semana passada, numa apreciação sobre o cultivo do hábito de leitura, disse que existe um fenómeno que é, quem lê mais, em qualquer país, são os estudantes. “Na França, tem que ler no máximo 10 livros obrigatoriamente e aqui não temos isso no currículo escolar. Se os que devem ler não lêem, imagina as pessoas que trabalham. O estudante tem muito tempo, tem a noite para ler em casa e os trabalhadores não têm tempo pra ler, só lê mesmo quem tem amor à leitura e paixão pelos livros”, notou.

Por essa razão, entende ser desnecessário escrever uma obra com grande número de páginas, “porque quase ninguém vai ler”. Por exemplo, revelou ver em lançamentos de livro que, se o autor for alguém ligado ao Governo, tem a presença de ministros e a sala enche, mas daquelas pessoas, 99,9% não vai ler o livro. “Vão colocar na estante. Já se sabe que as pessoas não lêem, então escrever um livro de 300 páginas para quê? Só duas pessoas vão ler. Escreva um livro pequeno para todo mundo ler, porque um livro grande só lê quem é crítico literário e quem está interessado nos estudos literários”, aconselhou José Luís Mendonça.

Ainda sobre isso, o autor de “O Reino das Casuarinas” afirmou ser uma questão de adaptação às condições históricas da actualidade, juntando a isso o facto de na literatura haver “muito diálogo e muita descrição que é inútil”. “Nos livros de romance, por exemplo, tem muita descrição que não vale a pena, o romance tem que ser directo e pontual, porque as pessoas não têm muito tempo para leitura”.

Questionado se os livros digitais podem facilitar a criação do hábito de leitura, nessa era digital, o ficcionista aludiu que a Suécia acabou com a leitura digital nas escolas porque viu que estava a formar analfabetos funcionais, pois entende que “são pessoas que estão na escola, mas não têm vocabulário”, porque “quando não se tem o livro físico, não se pode fazer apontamentos, no telemóvel é difícil, tem mesmo que procurar um lápis, riscar um livro, sublinhar, tirar frases para um caderno”.

Por isso, realçou ser preciso pegar num livro físico, lê-lo, para ter conhecimento lexical, sendo que quando se chega a uma universidade tem que se ter certa dose de vocabulário para saber fazer as teses, as dissertações.

Membro da União dos Escritores Angolanos, para ele, os anos 80 eram diferentes, havia mais unidade entre os escritores, “hoje está tudo disperso e essa união já não existe por causa da partidarização da cultura em Angola”, o que afectou as tertúlias literárias. “Já não nos encontramos, já não conversamos, cada um por sí, é uma pena. Liguei-me mais aos jovens, estou a tentar dar-lhes orientações para fazerem um spoken word que não seja muito prosaico, que tenha algo mais de imagem poética”, desabafou o ainda poeta e declamador.

Noutro diapasão, o entrevistado, ex-director e redator-chefe do semanário Cultura, lamentou faltar algum traquejo no quesito da produção do jornalismo cultural, considerando ser uma debilidade que só será superada se houver formação.

Durante uma visita ao Centro de Formação de Jornalistas (CEFOJOR), contou, propôs dar essa formação de jornalismo cultural, que é uma das suas especialidades, “mas até hoje o director não responde e já lá se vai um ano e essa debilidade é grande”.

“O jornalismo cultural é muita ciência, é preciso muito empenho, saber onde buscar a informação, as fontes de informação são várias, são os autores dos eventos, exposição de pinturas, autores dos livros, os músicos, mas também tem outras fontes, como a internet, os livros e pessoas especializadas. O jornalista pode saber sobre música, ou pintura, mas não é especializado. Então, para ter informações, deve ir a um especialista que é o músico, ou pintor, para enriquecer o seu trabalho”, argumentou o especialista.

Disse por exemplo que a pintura que Roberto Silva fazia não é a angolana, pois, para a pintura angolana, tinha que ir viver raízes da arte tradicional. “Então pode ser uma grande polémica a ser levantada, e para isso é preciso fazer um colóquio, reunir os experts em artes plásticas e ver o que é isso de pintura angolana, que tem o mesmo caminho da literatura. É muita discussão que está aí em cima, por isso é que eu disse que o jornalismo cultural aqui em Angola não está a mostrar quase nada, só mostra o que é notícia, mas não a investigação como tal”, deplorou.

Ainda nessa ordem de ideias, a fonte concluiu que um jornal ou uma página de cultura não pode ter só os autores, “tem que se ir buscar mais pessoas e depois há peritos que fazem também análise nos jornais de pinturas, pessoas pagas para isso”.

*Com Rodeth Dos Anjos

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