Entrevista
Angola

Consultor jurídico defende maior lisura dos processos de contratação pública

Consultor jurídico defende maior lisura dos processos de contratação pública
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Consultor jurídico e docente universitário, Dalvan Costa, em entrevista ao ONgoma News, diz que, apesar do engajamento das instituições públicas no sentido de garantirem que os processos de contratação pública decorram num ambiente de transparência e lisura, ainda há muito por fazer, sobretudo na criação de condições materiais, técnicas e de recursos humanos. O especialista alerta sobre os riscos decorrentes da manipulação dos preços em processos de contratação pública e na verificação do cumprimento da empreitada pelas empresas contratantes.

Na sua opinião,o quadro legal da contratação pública está ajustado aos desafios económicos e sociais do país?

Sim e Não. Na verdade demos passos significativos mas falta-nos ainda dar outros passos no caminho da optimização de um sistema nacional de contratação.

A lei dos contratos públicos e os mecanismos adoptados nos concursos já garantem, por si só, um ambiente de negócios transparente?

A lei é apenas o primeiro passo, um instrumento no caminho da realização do objectivo final.Falta agora criar estruturas materiais – condições técnicas e quadros – que dêem suporte ao previsto na legislação – que ainda não é a ideal, realce-se.

Acredita que a lei dos contratos públicos  pode ser um mecanismo para o Estado potenciar as empresas nacionais, privilegiando as mesmas nos concursos?

Na verdade a lei já estabelece “quotas” de contratação de empresas nacionais, mais de pequenas e médias, no entanto o objectivo principal da lei, num mercado cada vez mais global, não é a protecção do empresariado nacional. Isto pode, e deve ser feito, mas a contratação pública não é o principal instrumento, sequer o mais eficaz, para o fazer. Nada obstante, é perfeitamente compreensível que algumas políticas públicas sejam prosseguidas através do sistema de contratação pública mas sem os exageros “nacionalistas” do passado.

Quais são os riscos associados aos privilégios às empresas angolanas nos concursos públicos?

 Os maiores riscos deste tipo de protecção é sempre o “efeito de relaxe” que pode provocar nos privilegiados, tornando-lhes pouco eficientes e competitivos.

A lei seguiu por um caminho excessivamente procedimental e “limitou” o acesso àqueles que por algum motivo tenham documentos em falta, os tais documentos que a lei apelida de “documentos de habilitação”. Embora seja uma obrigação das empresas manter estes documentos actualizados, muitas vezes este processo é impedido pela própria inércia da administração.

Os requisitos estabelecidos nos processos de concurso público têm sido factor impeditivo para as empresas angolanas participarem?

Em alguns casos sim. A lei seguiu por um caminho excessivamente procedimental e “limitou” o acesso àqueles que por algum motivo tenham documentos em falta, os tais documentos que a lei apelida de “documentos de habilitação”. Embora seja uma obrigação das empresas manter estes documentos actualizados, muitas vezes este processo é impedido pela própria inércia da administração. Portanto andamos em círculos: a Administração “pune” a empresa por falta de documentos que ele própria impede de os ter.

Normalmente, por que motivos as empresas angolanas perdem para as estrangeiras?

O factor é muito simples: não somos ainda competitivos por falta de know-how e capacidade técnica. Dado o estado da nossa educação, nem poderia ser diferente.  

Acredita na possibilidade de realização de processos de contratação pública totalmente isento de actos de corrupção?

Esta é uma pergunta caprichosa, uma vez que teria de indicar casos concretos em que isso teria acontecido. Mas posso lhe responder que da maneira que o sistema está montado, é sim, permeável a actos de corrupção e isso até já foi assumido de forma aberta pelo sector responsável pela regulação da contratação pública.

Quais são, normalmente, os principais indicadores defraude nos actos de contratação pública, sobretudo em países como o nosso, que ainda têm uma longa estrada a percorrer nesta matéria?

A manipulação de preços seria um bom indicativo da permeabilidade do sistema. Outrossim, as ligações das empresas ganhadoras com agentes públicos vinculados à entidade adjudicante seria outro caso indicativo.  

Tem registo de que existam gestores a cometerem erros no acto da contratação pública por falta de conhecimentos de gestão ou da legislação vigente?

 Erros existem e muitos. Principalmente motivados pelo despreparo para o manuseio da legislação e dos procedimentos.

Do lado dos prestadores e fornecedores os erros têm residido na elaboração das peças a presentar ao concurso. No lado das entidades adjudicantes os concursos mal elaborados, uma pobre gestão dos bens fornecidos e a falta de acompanhamento da execução dos contratos.

Quais têm sido os principais erros e as suas consequências?

Do lado dos prestadores e fornecedores os erros têm residido na elaboração das peças a presentar ao concurso. No lado das entidades adjudicantes os concursos mal elaborados, uma pobre gestão dos bens fornecidos e a falta de acompanhamento da execução dos contratos.

Nos processos de contratação pública, sente que as entidades públicas contratantes avaliam os preços das propostas dos concorrentes, de modos a prevenirem que os mesmos não apresentem propostas só para ganharem os concursos, que posteriormente não conseguirão executar porque estão muito abaixo do valor real do mercado?

Não. Ainda não. Apesar de existir uma norma neste sentido, verifica-se  um despreparo por parte das entidades públicas no que toca à gestão do aprovisionamento e um desconhecimento dos preços praticados – que diga-se de passagem, num mercado pouco regulado como o nosso, também não são uniformes.

Que análise faz do desempenho do órgão regulador da contratação pública, que é o Serviço Nacional da Contratação Pública?

Dentro das condições que lhes são oferecidas têm feito um bom trabalho, principalmente na parte da“sensibilização” sobre os temas de contratação.

Sabendo o poder do Estado e de alguns gestores públicos na selecção de empresas para empreitadas ou prestação de serviços, que garantias podem ter os fornecedores do Estado no domínio da Contratação Pública?

Têm as garantias normais de reclamação e de recurso hierárquico e judicial, em caso de se sentirem lesados em processos de contratação. No entanto, maior parte destes procedimentos são demasiado opacos para transmitirem confiança ao sistema.

Na sua opinião,  o que falta neste mercado para ser mais eficiente, caso ainda não seja?

Alterações legislativas e quadros técnicos altamente qualificados.

Acha que faz sentido a criação de mecanismos alternativos de resolução de conflitos na contratação pública?

Faz todo o sentido,não só para a contratação pública como para todo o sector público. O modelo judicial está “saturado” e a dinâmica económica não se compadece com os prazos e “rituais” judiciais.

 

 

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António Mbassi

Consultor jurídico e docente universitário, Dalvan Costa, em entrevista ao ONgoma News, diz que, apesar do engajamento das instituições públicas no sentido de garantirem que os processos de contratação pública decorram num ambiente de transparência e lisura, ainda há muito por fazer, sobretudo na criação de condições materiais, técnicas e de recursos humanos. O especialista alerta sobre os riscos decorrentes da manipulação dos preços em processos de contratação pública e na verificação do cumprimento da empreitada pelas empresas contratantes.

Na sua opinião,o quadro legal da contratação pública está ajustado aos desafios económicos e sociais do país?

Sim e Não. Na verdade demos passos significativos mas falta-nos ainda dar outros passos no caminho da optimização de um sistema nacional de contratação.

A lei dos contratos públicos e os mecanismos adoptados nos concursos já garantem, por si só, um ambiente de negócios transparente?

A lei é apenas o primeiro passo, um instrumento no caminho da realização do objectivo final.Falta agora criar estruturas materiais – condições técnicas e quadros – que dêem suporte ao previsto na legislação – que ainda não é a ideal, realce-se.

Acredita que a lei dos contratos públicos  pode ser um mecanismo para o Estado potenciar as empresas nacionais, privilegiando as mesmas nos concursos?

Na verdade a lei já estabelece “quotas” de contratação de empresas nacionais, mais de pequenas e médias, no entanto o objectivo principal da lei, num mercado cada vez mais global, não é a protecção do empresariado nacional. Isto pode, e deve ser feito, mas a contratação pública não é o principal instrumento, sequer o mais eficaz, para o fazer. Nada obstante, é perfeitamente compreensível que algumas políticas públicas sejam prosseguidas através do sistema de contratação pública mas sem os exageros “nacionalistas” do passado.

Quais são os riscos associados aos privilégios às empresas angolanas nos concursos públicos?

 Os maiores riscos deste tipo de protecção é sempre o “efeito de relaxe” que pode provocar nos privilegiados, tornando-lhes pouco eficientes e competitivos.

A lei seguiu por um caminho excessivamente procedimental e “limitou” o acesso àqueles que por algum motivo tenham documentos em falta, os tais documentos que a lei apelida de “documentos de habilitação”. Embora seja uma obrigação das empresas manter estes documentos actualizados, muitas vezes este processo é impedido pela própria inércia da administração.

Os requisitos estabelecidos nos processos de concurso público têm sido factor impeditivo para as empresas angolanas participarem?

Em alguns casos sim. A lei seguiu por um caminho excessivamente procedimental e “limitou” o acesso àqueles que por algum motivo tenham documentos em falta, os tais documentos que a lei apelida de “documentos de habilitação”. Embora seja uma obrigação das empresas manter estes documentos actualizados, muitas vezes este processo é impedido pela própria inércia da administração. Portanto andamos em círculos: a Administração “pune” a empresa por falta de documentos que ele própria impede de os ter.

Normalmente, por que motivos as empresas angolanas perdem para as estrangeiras?

O factor é muito simples: não somos ainda competitivos por falta de know-how e capacidade técnica. Dado o estado da nossa educação, nem poderia ser diferente.  

Acredita na possibilidade de realização de processos de contratação pública totalmente isento de actos de corrupção?

Esta é uma pergunta caprichosa, uma vez que teria de indicar casos concretos em que isso teria acontecido. Mas posso lhe responder que da maneira que o sistema está montado, é sim, permeável a actos de corrupção e isso até já foi assumido de forma aberta pelo sector responsável pela regulação da contratação pública.

Quais são, normalmente, os principais indicadores defraude nos actos de contratação pública, sobretudo em países como o nosso, que ainda têm uma longa estrada a percorrer nesta matéria?

A manipulação de preços seria um bom indicativo da permeabilidade do sistema. Outrossim, as ligações das empresas ganhadoras com agentes públicos vinculados à entidade adjudicante seria outro caso indicativo.  

Tem registo de que existam gestores a cometerem erros no acto da contratação pública por falta de conhecimentos de gestão ou da legislação vigente?

 Erros existem e muitos. Principalmente motivados pelo despreparo para o manuseio da legislação e dos procedimentos.

Do lado dos prestadores e fornecedores os erros têm residido na elaboração das peças a presentar ao concurso. No lado das entidades adjudicantes os concursos mal elaborados, uma pobre gestão dos bens fornecidos e a falta de acompanhamento da execução dos contratos.

Quais têm sido os principais erros e as suas consequências?

Do lado dos prestadores e fornecedores os erros têm residido na elaboração das peças a presentar ao concurso. No lado das entidades adjudicantes os concursos mal elaborados, uma pobre gestão dos bens fornecidos e a falta de acompanhamento da execução dos contratos.

Nos processos de contratação pública, sente que as entidades públicas contratantes avaliam os preços das propostas dos concorrentes, de modos a prevenirem que os mesmos não apresentem propostas só para ganharem os concursos, que posteriormente não conseguirão executar porque estão muito abaixo do valor real do mercado?

Não. Ainda não. Apesar de existir uma norma neste sentido, verifica-se  um despreparo por parte das entidades públicas no que toca à gestão do aprovisionamento e um desconhecimento dos preços praticados – que diga-se de passagem, num mercado pouco regulado como o nosso, também não são uniformes.

Que análise faz do desempenho do órgão regulador da contratação pública, que é o Serviço Nacional da Contratação Pública?

Dentro das condições que lhes são oferecidas têm feito um bom trabalho, principalmente na parte da“sensibilização” sobre os temas de contratação.

Sabendo o poder do Estado e de alguns gestores públicos na selecção de empresas para empreitadas ou prestação de serviços, que garantias podem ter os fornecedores do Estado no domínio da Contratação Pública?

Têm as garantias normais de reclamação e de recurso hierárquico e judicial, em caso de se sentirem lesados em processos de contratação. No entanto, maior parte destes procedimentos são demasiado opacos para transmitirem confiança ao sistema.

Na sua opinião,  o que falta neste mercado para ser mais eficiente, caso ainda não seja?

Alterações legislativas e quadros técnicos altamente qualificados.

Acha que faz sentido a criação de mecanismos alternativos de resolução de conflitos na contratação pública?

Faz todo o sentido,não só para a contratação pública como para todo o sector público. O modelo judicial está “saturado” e a dinâmica económica não se compadece com os prazos e “rituais” judiciais.

 

 

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