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Sociedade

Carlinho Zassala: “Nenhum país é verdadeiramente independente quando depende da ciência alheia”

Carlinho Zassala: “Nenhum país é verdadeiramente independente quando depende da ciência alheia”
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Andrade Lino

Carlinhos Zassala, um dos grandes impulsionadores da Psicologia em Angola, defende uma reforma geral no Sistema de Educação e Ensino angolano, com vista  a conferir-lhe  qualidade  e eficiência. Outrossim,  insiste  na existência  de um exame nacional  para o Ensino Primário e Secundário. O também docente universitário, autores de 5 obras científicas, bastonário da Ordem dos Psicólogos de Angola e Presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Superior, em entrevista exclusiva ao ONgoma News, abordou, igualmente, questões ligadas à educação da juventude, bem como  ao papel do psicólogo  em Angola.

Como caracteriza  o subsistema  de ensino  superior em Angola?

Não há nenhuma sociedade que poderá desenvolver-se  sem investir  no Sistema  de Educação  e Ensino. O nosso merece uma reforma geral, a partir do Ensino Primário até ao Ensino Superior  porque cada nível  de ensino  tem objectivos  a alcançar. O Ensino Primário tem como  grande objectivo  o domínio  da leitura, do cálculo  e da escrita. Ora, o que verificámos é que muitos dos nossos alunos que terminam o Ensino Primário  não têm  o domínio  nem da leitura, nem do cálculo,  nem da escrita. O que significa que não conseguem alcançar os objectivos do Ensino Primário. Essas falhas e lacunas verificadas têm depois repercussões ao nível  dos subsistemas  posteriores: o Ensino Secundário   e o Superior. Ao nível do Ensino Secundário, é nesse ciclo onde é dada a formação técnica e profissional da força de trabalho activa porque nenhum país se desenvolve apenas com quadros superiores. Os que fazem funcionar uma economia são os técnicos médios. Ora, felizmente, já se está a tentar corrigir muitas falhas cometidas ao nível do Ensino Secundário quando, em Angola,  em todas as instituições  existiam  centros pré-universitários (Puniv)  que não davam  nenhuma  formação  profissional aos jovens. Entretanto, aqueles que terminavam o Puniv também não tinham acesso ao Ensino Superior, principalmente na fase em que só existia a Universidade Agostinho Neto. Então, há uma grande falha ao nível do Ensino Secundário porque é a partir daqui que deve existir a orientação dos jovens, a fim de poder formar-se nas várias áreas de formação técnico profissional. Por isso, são necessárias reformas  pontuais  no Ensino  Primário, no Ensino Secundário  e no Ensino Superior  porque, hoje em dia - aliás,  os nossos  altos  responsáveis  já confirmaram  isso -   nós  já formámos  muito  em termos de quantidade, mas, em termos  de qualidade,  estamos  muito distante. Eu não comungo com os teóricos que dizem, primeiro, a quantidade, depois, a qualidade. Temos de combinar as duas coisas porque, por exemplo, eu sou um docente que, às vezes, costumo visitar algumas universidades da Região, como a  de Namíbia, Kinshasa, etc. e constato  com muita preocupação  o facto  de o nosso país, até  hoje,  não existir  normas  curriculares  para a formação  ao nível  do Ensino Superior . Não  encontro  outro país  no mundo  onde , por exemplo,  indivíduos  formados  numa mesma área ,  no mesmo  curso,  cada um tem uma formação  diferente. Hoje em dia, o médico é formado na UAN, no Piaget, o psicólogo é formado na UAN, na Unia, todavia, cada um tem uma formação completamente diferente.

“Tem  de existir  um plano curricular  básico, mínimo e obrigatório porque  a ausência dessa harmonização  faz com que,  hoje  em dia,  não haja possibilidade  de transferir  um estudante  de uma  instituição  para outra, não há possibilidade  que haja  mobilidade docente  de uma instituição para outra  por que tudo é diferente.”

E não acha essa diversificação uma mais-valia?

A diversificação é saudável, mas deve existir uma base de comparação. É por isso que felicito a nova direcção do Ministério do Ensino Superior por ter criado uma comissão técnica, da qual faço parte, felizmente, para a harmonização dos planos curriculares no país. Muitos estão a confundir harmonização com uniformização. Em nenhuma parte do mundo há uniformização. Harmonização significa que, em cada curso, temos que ter  um plano  curricular  básico, mínimo e obrigatório. E cada instituição, consoante a sua missão, objectivos, pode acrescentar outras cadeiras  ou cursos  que  vão, justamente,  diferenciar de outros  cursos, mas tem  de existir  um plano curricular  básico, mínimo e obrigatório porque  a ausência dessa harmonização  faz com que,  hoje  em dia,  não haja possibilidade  de transferir  um estudante  de uma  instituição  para outra, não há possibilidade  que haja  mobilidade docente  de uma instituição para outra  por que tudo é diferente. O projecto já está elaborado pela comissão, à semelhança do que foi feito com o Estatuto  da Carreira Docente, com  vista a criar-se  um documento  que vai definir  as normas curriculares gerais , depois  de aprovadas , esta vai criar as normas  curriculares  em cada curso. Só desta maneira é que haverá comparabilidade em termos de formação e só é também desta forma que haverá mobilidade discente, docente e de investigadores.

Essa mobilidade é ao nível do país ou da região?

Primeiramente, ao nível do país. Também a comissão técnica analisou não só a mobilidade ao nível do país, mas também tivemos em conta a nossa região da SADC. Baseámo-nos para a elaboração deste documento nas normas curriculares de Moçambique, da RDC, etc., porque temos de colocar a vaidade de lado. A nível do continente africano, o primeiro país que teve a melhor  universidade a Sul de Saara foi o Congo Belga - a Universidade Lovanium, actualmente conhecida  como Universidade de Kinshasa. Então, a harmonização tem de ter também em conta  a realidade da nossa  região , principalmente  a SADC.

E não tiveram em conta as normas curriculares de países para onde o Estado angolano envia bolseiros?

Como somos um país que fala a língua portuguesa, também tivemos em conta as normas curriculares do Brasil e de Portugal. É quase impossível nós considerarmos todos os países para onde Angola manda  os seus  estudantes  porque,  de uma  certa  forma, estamos  a pagar  algumas falhas  que cometemos,  logo  depois da independência, ao encaminharmos  estudantes quase  ao nível de todos os países do mundo.

Isto pressupõe uma falta de orientação  escolar ?

Exactamente!

E quem deve orientar escolar e profissionalmente o estudante?

São os psicólogos escolares, sob a responsabilidade do Ministério da Educação. Felizmente, estamos a tentar corrigir os erros. Aqui, eu apoio um dos lemas da [actual] campanha [eleitoral ]: “melhorar o que está bom e corrigir o que está mal”. Em 2011, o Presidente da República aprovou um Decreto Presidencial que obriga as escolas a terem um gabinete de apoio psico-pedagógico e isto também está a obrigar a formação dos psicólogos escolares porque a primeira área de aplicação da Psicologia  foi a  escolar e não a clínica, nem a de trabalho. O jovem deve ser orientado a partir do Ensino Primário não só escolar e profissionalmente, mas também a nível social, uma vez que é justamente entre os 6 e 18 anos que ele é carente, tem muitos problemas e precisa, portanto, de bons orientadores. Por isso, os que devem orientar são os psicólogos escolares.

Mas as nossas escolas não têm gabinetes de apoio psico-pedagógicos. A Ordem dos Psicólogos, junto do Ministério da Educação, já insistiu para que se regularizasse essa situação?

Estamos a trabalhar de forma positiva para a existência desses gabinetes porque a ausência de orientação escolar e profissional não permite uma sociedade ou um país colocar  cada indivíduo  no seu devido lugar. Só o psicólogo formado  em matéria  de orientação escolar  e profissional tem um conjunto  de técnicas, métodos  para poder  conhecer  o indivíduo que deve ser  orientado, para conhecer  as necessidades do mercado de trabalho do país e para  conhecer as instituições  onde  esse indivíduo se deve formar  porque todo o exercício  de uma profissão está sempre correlacionado com a personalidade do indivíduo, então,  não há  nenhum pai ou nenhuma mãe  que pode  orientar os seus filhos. Só o psicólogo escolar  tem bagagem científica  necessária  para poder  justamente orientar  as nossas  gerações  para  as  profissões  e também  orientar  as nossas gerações  para a cidadania,  porque é na escola onde se forma o  cidadão.

 

É daí os curriculuns da formação de professores deverem adequar-se a isso?

Naturalmente. Aliás, o psicólogo escolar trabalha directamente com os professores, os alunos, pais e encarregados de educação, bem como com gestores escolares.

“O professor universitário angolano sobrevive porque não tem  as mínimas condições necessárias  para investigação.”

A investigação científica é um dos grandes desafios do Ensino Superior em Angola. Há quantidade e qualidade na investigação que se faz no país?

Com raras excepções, como por exemplo o Centro de Investigação Científica da Universidade Católica, não se faz uma investigação séria no país por causa da política investigativa vigente. Os grandes investigadores são, em primeiro lugar,  os professores universitários. Não é em vão que a carreira da docência universitária começa com a assistência estagiária e termina  com  o professorado titular. Os professores associados e titulares não deviam ter muito tempo para a docência, deviam  ter muito tempo  para as aulas de pós-graduação e para a investigação  científica, mas não é o que acontece em Angola. Eu sou professor  titular, quase 85% do meu tempo dedico à docência  a nível da graduação  e quando é que terei  tempo para  a investigação? E também não oferecem condições adequadas para a investigação. Para investigar, em primeiro lugar, a pessoa  deve ter  a satisfação das necessidades básicas: ter  uma residência condigna, ter um meio de transporte, em caso de doença, saber onde tratar-se, ter um salário condigno porque investigar  exige  uma grande  concentração. Ora, o professor universitário angolano sobrevive porque não tem  as mínimas condições necessárias  para investigação. Em segundo lugar,  a investigação exige  fundos. Ora , em Angola, não tenho o conhecimento  ao nível  do de OGE uma verba  destinada à investigação científica. Nós, em Angola, ainda não podemos falar da investigação científica, talvez de forma literária ou retórica, mas na realidade não há condições criadas para a verdadeira  investigação científica. Eu desafio todo aquele  que poderia  enfrentar-me num debate porque  para poder publicar uma obra  académica é um calcanhar de Aquiles. [Por isso],   temos que, na realidade,  fazer um grande esforço porque, no meu livro, “Iniciação à Pesquisa Científica”, eu afirmo  que  “nenhum  país  é verdadeiramente independente quando depende  da ciência  alheia”  . Todo o país deve criar a sua  própria  ciência e tecnologia. Só desta forma ele poderá  desenvolver-se  e ser independente. Deste modo, a investigação científica deve ser uma prioridade, principalmente, a investigação básica ou fundamental porque concede depois subsídios para a investigação.

“Não existe um rigor na admissão do corpo docente, no financiamento da investigação e, principalmente, esse divórcio entre os detentores do saber científico e os detentores do poder político é prejudicial.”

Na mesma senda, não acha haver um desperdício de monografias ao nível das instituições do Ensino Superior de Angola, pelo facto de os resultados das pesquisas ficarem apenas no papel?

Muitas monografias produzidas em Angola não têm rigor científico, principalmente em termos  de aplicação da estatística. Quando se realiza uma investigação, o tema é  bonito, mas  o trabalho de campo, os dados colectados  não são interpretados  à luz  da estatística exigida para interpretar dados científicos. Há muitos trabalhos  por aí divulgados  e interpretam  com base  na percentagem. Percentagem é para os jornalistas. Um cientista tem de recorrer a teste de decisão, a testes adequados  de acordo com a ciência  estatística. Por isso,   temos de começar a tomar a sério  a orientação de monografias, dissertações e teses, porque  quando leio os temas  dos trabalhos  que estou  a orientar,  e mesmo a forma  de elaborar o projecto, deixam muito a desejar.

Então,   aqui  a questão de investigação/ pesquisa científica tem falhado?

Naturalmente, tem falhado porque, em primeiro lugar, não existe um rigor na admissão do corpo docente, no financiamento da investigação e, principalmente, esse divórcio entre os detentores do saber científico e os detentores do poder político é prejudicial, porque quem deve  dar subsídios  para os detentores  do poder político são os detentores do poder  científico. A universidade é o centro de produção e divulgação do saber  científico, mas lamentavelmente, no nosso país e não só, quase ao nível do nosso continente,  há divórcio entre os políticos e os cientistas académicos.

O país manda, anualmente, estudantes para o estrangeiro como bolseiros. Em que medida, na sua óptica, os saberes desses bolseiros são aproveitados para questões que afligem Angola?

Em 92, o nosso Presidente esteve no Rio de Janeiro e eu, enquanto Presidente da Associação dos Estudantes de Pós-graduação, mantive um encontro  com ele, no qual analisámos  as razões  de muitos estudantes angolanos enviados  para o exterior não querem regressar para Angola quando   terminam. E esse fenómeno acontece  na maioria  dos países africanos porque , quando  regressamos, somos portadores de muitos conhecimentos  científicos, mas  encontramos  muitos constrangimentos  e dificuldades para se pôr em prática  o que aprendemos. Por isso, diria que não há incentivo. Quer dizer, os países africanos gastam muito dinheiro com bolseiros, estes vão formar-se, mas, no regresso, não são aproveitados. Então, são poucos  aqueles que conseguem resistir, outros acabam por abandonar o país e voltam para os países onde foram formados, a fim de encontrarem melhores condições de vida. Quem perde em tudo isso é o país que investiu e que depois não aproveita os conhecimentos adquiridos. Praticamente não existe aproveitamento científico destes quadros.

Ainda mantém a ideia de um exame nacional para o ensino geral?

O exame nacional permite, em primeiro lugar, as várias escolas acompanharem, de perto, os programas nacionais e, ao mesmo tempo, força as escolas a poderem  dar um ensino de qualidade  aos seus alunos porque , quando  estes terminam, quem sanciona as escolas é o exame nacional. Naquela escola em que o exame nacional proporcionar boas notas isso dá uma imagem ao Ministério da Educação, no sentido saber em que instituições escolares os programas foram cumpridos, em que escola temos ensino de qualidade e até serviria de base para incentivar em termos de subsídios aquelas escolas que vão tendo bons resultados  no fim da formação. Ora, quando não temos exame nacional, em primeiro lugar, não é possível  saber  se os planos  nacionais  estão a ser cumpridos; em segundo lugar, não  há fiabilidade  em termos  de certificados. É por isso  que hoje temos  muitos certificados  falsos  porque não existe  um parâmetro  nacional  para poder  analisar  todos  os que terminam  o Ensino Secundário . Por isso, até hoje eu continuo a defender o exame nacional a nível do Ensino Secundário e, ao mesmo tempo, tornar funcional  a missão dos inspectores escolares  porque há  muitos inspectores escolares  que, quando  vão a uma  escola, não costumam  inspeccionar nada.

Defendeu, recentemente, o ensino  do latim  nas escolas . Em que medida isso ajuda a emancipação do conhecimento?

O português, o francês, o espanhol, o italiano, etc., são línguas neolatinas. Então, estudos científicos demonstraram que, para alguém ser bom professor de línguas, tem de saber  as raízes  dessa língua.  Como o português é uma língua neolatina  verifiquei que,  se os nossos professores de português  têm muitas  falhas, é porque  abolimos, infelizmente,  o ensino do latim para os professores de língua portuguesa. Eu quando oriento trabalhos de fim de curso, por exemplo, às vezes até dá vontade de desmaiar quando recebo um finalista  que apresenta  o seu trabalho com erros ortográficos  e gramaticais  e quando  lhes pergunto  o que fazem profissionalmente  dizem “sou professor de português”. Por isso, continuo a defender  que devemos  recuperar o ensino da língua latina para os professores de português.

Em contrapartida, parece que a UAN  tem pretensão  de ensinar mandarim. Tem conhecimento sobre isso?

Sim! Até fui convidado para a abertura dessa instituição. Penso que, quando tomamos medidas não devemos fazer com base no sentimento ou nas influências do momento porque  se for assim agora temos muita cooperação  com a China, vamos ensinar o mandarim. Amanhã teremos mais cooperação  com o Japão e vamos ensinar  o japonês  e quem sabe qual será a próxima civilização? O mais importante é reforçarmos, primeiro, a língua oficial e também reforçar as línguas africanas.

E sobre as línguas africanas, o que acha sobre a inserção delas no Sistema de Ensino angolano?

Na minha minha dissertação de mestrado, “Orientação Escolar e Profissional em Angola”, eu constatei  que o não ensino das línguas africanas  nas escolas  não permite  às nossas crianças  amadurecerem  a língua materna e o não amadurecimento da língua materna  complica a aprendizagem de outras línguas porque  há um grande  filósofo francês,  Jean Jacques Rosseau , em cujos estudos  chegou a conclusão de que  “ quem não conseguiu amadurecer  a língua materna  ao longo de toda a vida  não saberá  ter o domínio de uma língua”, porque o homem, na sua vida, só fala bem uma língua, que é a materna. A outra traduz. Por isso,  verifiquei que uma das coisas  que está na base  do insucesso escolar  no nosso país  é o facto  de a partir  dos 6 anos o aluno entrar para a escola primária e imediatamente começar já a aprender  o português, sem a menos  ter o domínio da língua materna, sobretudo nas zonas rurais. Também há um estudo que mostrou  que aqueles que começaram a aprender  o português como língua materna, mas de forma deficiente, quando começam a aprender o português gramatical  têm dificuldade de poderem  corrigir os erros provocados  pelo condicionamento operante.

Acha que há compatibilidade entre os diversos cursos existentes nas várias universidades de Angola e as reais necessidades do país?

Mais um problema! Porque quando falei da figura do psicólogo escolar ou conselheiro de orientação profissional é que este, quando  quer orientar alguém  profissionalmente, deve ter em conta  as tendências  do mercado de trabalho para que haja  a menos uma aproximação entre o perfil de saída  e o perfil de entrada no mercado de trabalho. Ora,  no nosso país, temos  essa grande  lacuna, de tal maneira que  muitos  que entram  no mercado praticamente encontram mil dificuldades de adaptação porque, em primeiro lugar, o nosso ensino é também  altamente teórico, quase sem prática. Há cursos  que exigem  a prática profissional durante a formação, mas tal não existe. Por outro lado, as empresas não são exigentes, não conseguem  criticar ou corrigir as falhas  verificadas  naqueles que terminam  a sua formação em termos de lacunas  e carências  no mercado de trabalho. Então, devemos ter um mercado de trabalho exigente.

EDUCAÇÃO DA JUVENTUDE

“Eu não concordo com essa forma de pipocação  de seitas religiosas no nosso país porque  as seitas religiosas  constituem  uma verdadeira  máquina na formação e mudança  de atitudes.”

Como encara o comportamento dos jovens angolanos na sociedade?

Muitas vezes, tenho ouvido pessoas a dizerem que os jovens de hoje não têm rumo, estão a perder   valores. Mas os que estão a perder valor  são os mais velhos  porque  os valores são transmitidos  da geração mais velha para as novas gerações. Hoje em dia , posso confirmar  sem medo  de errar que os nossos jovens  estão desorientados. Em Psicologia, há um capítulo que costumo dar, que fala dos processos grupais. Existem os processos grupais benignos, que ajudam a socialização da geração mais nova; e os processos grupais  malignos, que   desorientam  a juventude  e parece-me  que nós  aqui autorizámos  bastante  esses  processos  grupais malignos. Posso partir  de um exemplo  concreto. Eu não concordo com essa forma de pipocação  de seitas religiosas no nosso país porque  elas  constituem  uma verdadeira  máquina na formação e mudança  de atitudes. Ora, quando o Governo tem conhecimento de seitas religiosas que não são legais, mas operam livremente, mas não sabe o que  ela transmite aos jovens.  Isso é preocupante. Eu tomei conhecimento com muita preocupação, através da Rádio Luanda, de uma seita  religiosa chamada “Igreja da Verdade” que anunciava o fim do mundo em Setembro deste ano, tendo alertado aos fiéis  que não trabalhassem. Esses são processos grupais malignos . É para semear confusão. Os jovens são muito mais influenciados pelo sentimento, pela moda, portanto,   devem ser protegidos, orientados pelo Estado. Contrariamente, os processos malignos conduzem para a deterioração da própria  sociedade.

Qual é o papel da família  na educação da juventude?

A família é o núcleo  de qualquer  sociedade. Mas para que seja núcleo de qualquer sociedade, o Estado deve potenciá-la. Quando numa família os pais  não  são capazes  de poder  satisfazer as necessidades básicas  dos filhos, de ter  o poder  sobre os filhos, praticamente podemos  dizer  que  é muito do que acontece, em muitos países, a criança, antes  de atingir  18 anos beneficia de apoio financeiro do Estado. Mas nós em Angola, se realizarmos um inquérito, vamos verificar que há muitos pais que nem sequer se preocupam em tratar o subsídio para os filhos  menores porque  não se ganha quase nada e há muita burocracia para se tratar a documentação. A criança em Angola não é protegida.

O PAPEL DO PSICÓLOGO EM ANGOLA

Quais são os grandes desafios da Ordem  dos Psicólogos de Angola?

Disponibilizarmos uma formação de qualidade para os nossos estudantes  de Psicologia. É por isso que a Ordem tem sempre lutado  e parece que  estamos  a encontrar já um espaço para que  haja harmonização da formação  do psicólogo  em Angola.  Não só o psicólogo de Angola, temos a Federação de Psicólogos da CPLP e, portanto, é um problema recorrente nas nossas reuniões: temos de formar psicólogos de qualidade. Também é um desafio  da Ordem termos bons professores  de Psicologia porque essa não deve ser dada por aventureiros  nem amadores. Estes bons devem transmitir não só aspectos teóricos mas  também práticos. Temos uma carência de professor de Psicologia, assim, se quisermos melhorar o ensino da Psicologia temos que abandonar a máxima  que diz que “ quem não tem cão caça  com gato”. Nós vamos procurar lá “o cão” onde  se encontra. A ciência é universal. Depois de a qualidade dos professores de Psicologia melhorar, a Ordem tem como desafio organizar bem o estágio profissional daqueles que terminam as suas licenciaturas, de maneira que possam adquirir a prática antes de entrar para o mercado de trabalho. Outrossim, é nossa pretensão lutar pela  investigação  científica em Ciências Psicologias de qualidade porque muitos problemas sociais têm soluções na Psicologia, sem esquecer a defesa dos interesses dos nossos membros porque o  psicólogo quando se inscreve na Ordem e recebe  a cédula precisa de ter formação permanente para pode actuar condignamente  na sua profissão e também deve ser protegido. Por exemplo, o problema de empreendedorismo em Ciências Psicológicas, há muitos que pensam que o psicólogo só pode trabalhar  como um profissional dependente. Ele pode trabalhara também como profissional liberal, conseguindo crédito bancário, abrindo consultório. E, por fim , é uma preocupação da Ordem divulgar a cultura psicológica na sociedade angolana. Temos encontrado dificuldades porque alguns confundem uma consulta médica de uma  psicológica.  Dificilmente, aqueles  que nos contactam  conseguem  terminar  as suas sessões. Basta participar na primeira, segunda  e terceira  depois desaparecem porque  tentam  confundir  a consulta médica  com a psicológica . Ora, temos que cultivar o espírito de atendimento psicológico.

Mas as desistências não serão porque os pacientes não têm  condições  para suportar as sessões?

Naturalmente!  As consultas  psicológicas  são  sempre  caras em qualquer parte  do mundo. É por isso que, na maior parte das obras profissionais, tanto a nível da CPLP como do mundo, eles recebem  sempre  um apoio do Governo. Significa que beneficiam do estatuto  de utilidade pública  para poderem atender  aqueles  que não têm  muitos recursos financeiros. Então, essa justamente é uma luta  que estamos  a levar a cabo. Hoje vivemos  apenas de contribuições  das quotas  dos nossos membros e de donativos. Não beneficiamos  de nenhuma verba  do OGE, então,  não há possibilidade de podermos  atender  àqueles que não têm recurso.

Quais são os critérios  para se filiara à Ordem dos Psicólogos de Angola?

O critério fundamental é ter   licenciatura  em Psicologia e nas áreas  que a Ordem reconhece.

Quais são essas áreas?

Psicologia Clínica, Psicologia do Trabalho, Psicologia Organizacional, Psicologia Escolar, Psicologia Educacional, Psicologia Forense, Psicologia Criminal, Psicologia Desportiva. Também estamos a prever a Psicologia Comercial. Acho que neste momento, com a industrialização  do país,  vamos precisar de psicólogos comerciais. Então,  essa área  a OPA reconhece.

Onde é feito  o estágio profissional?

No local de trabalho. Por exemplo, o psicólogo escolar faz  na escola, o clínico faz  nos hospitais.

E a ordem tem uma relação com instituições onde acontecem os estágios?

Naturalmente! Todo aquele que é inscrito  para  o estágio  profissional  tem um supervisor  ao nível da instituição e um orientador  ao nível da Ordem.

Quantos filiados tem a ordem?

Temos neste momento 664 membros efectivos. Já é um bom número porque há dois anos tínhamos dificuldades de os psicólogos se inscreverem, vinham com tanto preconceito e argumento. Agora estamos a verificar essa cultura de inscrição. Nós orientámos as instituições públicas e privadas no sentido de não admitirem ninguém como psicólogo se não for portador da cédula profissional.

E têm cumprido com esse facto?

 Estão a cumprir, principalmente o Ministério da Saúde e  o Ministério da Educação.

Qual é a periodicidade de reuniões da ordem?

O Conselho Nacional da OPA reúne semestralmente; a direcção, sempre que é necessário. Mas temos a dificuldade em reunir a assembleia geral devido a um problema que até agora não conseguimos resolver, que se prende com o facto de, apesar da ordem ter sido apreciada pelo Conselho de Ministros, no dia 23 de Março, os estatutos não foram ainda publicados no Diário da República e, por esse facto, as contas da Ordem são solidárias. Então, muitos ainda desconfiam, pensam que o dinheiro vai para conta de indivíduos e não podemos abrir as contas bancárias em nome da Ordem, enquanto não apresentarmos o Diário da República.

E qual é o impedimento para os estatutos constarem do Diário da República?

Estou sempre atrás dos dois ministérios que tutelam a ordem: o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação. As últimas informações que tive é que tudo está pronto para se publicar no Diário da República. Mas houve uma certa confusão porque o Presidente da República disse, devido a dificuldades financeiras, para suspender todas as solicitações de estatuto de utilidade pública. Ora, nós não estamos nessa fase, mas sim na de divulgação do estatuto orgânico. Esclareci esse problema e os dois ministros que tutelam a ordem disseram que vão actuar junto do Conselho de Ministros para que se acelere o problema da divulgação dos estatutos.

 

 

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Venâncio Chambumba

Carlinhos Zassala, um dos grandes impulsionadores da Psicologia em Angola, defende uma reforma geral no Sistema de Educação e Ensino angolano, com vista  a conferir-lhe  qualidade  e eficiência. Outrossim,  insiste  na existência  de um exame nacional  para o Ensino Primário e Secundário. O também docente universitário, autores de 5 obras científicas, bastonário da Ordem dos Psicólogos de Angola e Presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Superior, em entrevista exclusiva ao ONgoma News, abordou, igualmente, questões ligadas à educação da juventude, bem como  ao papel do psicólogo  em Angola.

Como caracteriza  o subsistema  de ensino  superior em Angola?

Não há nenhuma sociedade que poderá desenvolver-se  sem investir  no Sistema  de Educação  e Ensino. O nosso merece uma reforma geral, a partir do Ensino Primário até ao Ensino Superior  porque cada nível  de ensino  tem objectivos  a alcançar. O Ensino Primário tem como  grande objectivo  o domínio  da leitura, do cálculo  e da escrita. Ora, o que verificámos é que muitos dos nossos alunos que terminam o Ensino Primário  não têm  o domínio  nem da leitura, nem do cálculo,  nem da escrita. O que significa que não conseguem alcançar os objectivos do Ensino Primário. Essas falhas e lacunas verificadas têm depois repercussões ao nível  dos subsistemas  posteriores: o Ensino Secundário   e o Superior. Ao nível do Ensino Secundário, é nesse ciclo onde é dada a formação técnica e profissional da força de trabalho activa porque nenhum país se desenvolve apenas com quadros superiores. Os que fazem funcionar uma economia são os técnicos médios. Ora, felizmente, já se está a tentar corrigir muitas falhas cometidas ao nível do Ensino Secundário quando, em Angola,  em todas as instituições  existiam  centros pré-universitários (Puniv)  que não davam  nenhuma  formação  profissional aos jovens. Entretanto, aqueles que terminavam o Puniv também não tinham acesso ao Ensino Superior, principalmente na fase em que só existia a Universidade Agostinho Neto. Então, há uma grande falha ao nível do Ensino Secundário porque é a partir daqui que deve existir a orientação dos jovens, a fim de poder formar-se nas várias áreas de formação técnico profissional. Por isso, são necessárias reformas  pontuais  no Ensino  Primário, no Ensino Secundário  e no Ensino Superior  porque, hoje em dia - aliás,  os nossos  altos  responsáveis  já confirmaram  isso -   nós  já formámos  muito  em termos de quantidade, mas, em termos  de qualidade,  estamos  muito distante. Eu não comungo com os teóricos que dizem, primeiro, a quantidade, depois, a qualidade. Temos de combinar as duas coisas porque, por exemplo, eu sou um docente que, às vezes, costumo visitar algumas universidades da Região, como a  de Namíbia, Kinshasa, etc. e constato  com muita preocupação  o facto  de o nosso país, até  hoje,  não existir  normas  curriculares  para a formação  ao nível  do Ensino Superior . Não  encontro  outro país  no mundo  onde , por exemplo,  indivíduos  formados  numa mesma área ,  no mesmo  curso,  cada um tem uma formação  diferente. Hoje em dia, o médico é formado na UAN, no Piaget, o psicólogo é formado na UAN, na Unia, todavia, cada um tem uma formação completamente diferente.

“Tem  de existir  um plano curricular  básico, mínimo e obrigatório porque  a ausência dessa harmonização  faz com que,  hoje  em dia,  não haja possibilidade  de transferir  um estudante  de uma  instituição  para outra, não há possibilidade  que haja  mobilidade docente  de uma instituição para outra  por que tudo é diferente.”

E não acha essa diversificação uma mais-valia?

A diversificação é saudável, mas deve existir uma base de comparação. É por isso que felicito a nova direcção do Ministério do Ensino Superior por ter criado uma comissão técnica, da qual faço parte, felizmente, para a harmonização dos planos curriculares no país. Muitos estão a confundir harmonização com uniformização. Em nenhuma parte do mundo há uniformização. Harmonização significa que, em cada curso, temos que ter  um plano  curricular  básico, mínimo e obrigatório. E cada instituição, consoante a sua missão, objectivos, pode acrescentar outras cadeiras  ou cursos  que  vão, justamente,  diferenciar de outros  cursos, mas tem  de existir  um plano curricular  básico, mínimo e obrigatório porque  a ausência dessa harmonização  faz com que,  hoje  em dia,  não haja possibilidade  de transferir  um estudante  de uma  instituição  para outra, não há possibilidade  que haja  mobilidade docente  de uma instituição para outra  por que tudo é diferente. O projecto já está elaborado pela comissão, à semelhança do que foi feito com o Estatuto  da Carreira Docente, com  vista a criar-se  um documento  que vai definir  as normas curriculares gerais , depois  de aprovadas , esta vai criar as normas  curriculares  em cada curso. Só desta maneira é que haverá comparabilidade em termos de formação e só é também desta forma que haverá mobilidade discente, docente e de investigadores.

Essa mobilidade é ao nível do país ou da região?

Primeiramente, ao nível do país. Também a comissão técnica analisou não só a mobilidade ao nível do país, mas também tivemos em conta a nossa região da SADC. Baseámo-nos para a elaboração deste documento nas normas curriculares de Moçambique, da RDC, etc., porque temos de colocar a vaidade de lado. A nível do continente africano, o primeiro país que teve a melhor  universidade a Sul de Saara foi o Congo Belga - a Universidade Lovanium, actualmente conhecida  como Universidade de Kinshasa. Então, a harmonização tem de ter também em conta  a realidade da nossa  região , principalmente  a SADC.

E não tiveram em conta as normas curriculares de países para onde o Estado angolano envia bolseiros?

Como somos um país que fala a língua portuguesa, também tivemos em conta as normas curriculares do Brasil e de Portugal. É quase impossível nós considerarmos todos os países para onde Angola manda  os seus  estudantes  porque,  de uma  certa  forma, estamos  a pagar  algumas falhas  que cometemos,  logo  depois da independência, ao encaminharmos  estudantes quase  ao nível de todos os países do mundo.

Isto pressupõe uma falta de orientação  escolar ?

Exactamente!

E quem deve orientar escolar e profissionalmente o estudante?

São os psicólogos escolares, sob a responsabilidade do Ministério da Educação. Felizmente, estamos a tentar corrigir os erros. Aqui, eu apoio um dos lemas da [actual] campanha [eleitoral ]: “melhorar o que está bom e corrigir o que está mal”. Em 2011, o Presidente da República aprovou um Decreto Presidencial que obriga as escolas a terem um gabinete de apoio psico-pedagógico e isto também está a obrigar a formação dos psicólogos escolares porque a primeira área de aplicação da Psicologia  foi a  escolar e não a clínica, nem a de trabalho. O jovem deve ser orientado a partir do Ensino Primário não só escolar e profissionalmente, mas também a nível social, uma vez que é justamente entre os 6 e 18 anos que ele é carente, tem muitos problemas e precisa, portanto, de bons orientadores. Por isso, os que devem orientar são os psicólogos escolares.

Mas as nossas escolas não têm gabinetes de apoio psico-pedagógicos. A Ordem dos Psicólogos, junto do Ministério da Educação, já insistiu para que se regularizasse essa situação?

Estamos a trabalhar de forma positiva para a existência desses gabinetes porque a ausência de orientação escolar e profissional não permite uma sociedade ou um país colocar  cada indivíduo  no seu devido lugar. Só o psicólogo formado  em matéria  de orientação escolar  e profissional tem um conjunto  de técnicas, métodos  para poder  conhecer  o indivíduo que deve ser  orientado, para conhecer  as necessidades do mercado de trabalho do país e para  conhecer as instituições  onde  esse indivíduo se deve formar  porque todo o exercício  de uma profissão está sempre correlacionado com a personalidade do indivíduo, então,  não há  nenhum pai ou nenhuma mãe  que pode  orientar os seus filhos. Só o psicólogo escolar  tem bagagem científica  necessária  para poder  justamente orientar  as nossas  gerações  para  as  profissões  e também  orientar  as nossas gerações  para a cidadania,  porque é na escola onde se forma o  cidadão.

 

É daí os curriculuns da formação de professores deverem adequar-se a isso?

Naturalmente. Aliás, o psicólogo escolar trabalha directamente com os professores, os alunos, pais e encarregados de educação, bem como com gestores escolares.

“O professor universitário angolano sobrevive porque não tem  as mínimas condições necessárias  para investigação.”

A investigação científica é um dos grandes desafios do Ensino Superior em Angola. Há quantidade e qualidade na investigação que se faz no país?

Com raras excepções, como por exemplo o Centro de Investigação Científica da Universidade Católica, não se faz uma investigação séria no país por causa da política investigativa vigente. Os grandes investigadores são, em primeiro lugar,  os professores universitários. Não é em vão que a carreira da docência universitária começa com a assistência estagiária e termina  com  o professorado titular. Os professores associados e titulares não deviam ter muito tempo para a docência, deviam  ter muito tempo  para as aulas de pós-graduação e para a investigação  científica, mas não é o que acontece em Angola. Eu sou professor  titular, quase 85% do meu tempo dedico à docência  a nível da graduação  e quando é que terei  tempo para  a investigação? E também não oferecem condições adequadas para a investigação. Para investigar, em primeiro lugar, a pessoa  deve ter  a satisfação das necessidades básicas: ter  uma residência condigna, ter um meio de transporte, em caso de doença, saber onde tratar-se, ter um salário condigno porque investigar  exige  uma grande  concentração. Ora, o professor universitário angolano sobrevive porque não tem  as mínimas condições necessárias  para investigação. Em segundo lugar,  a investigação exige  fundos. Ora , em Angola, não tenho o conhecimento  ao nível  do de OGE uma verba  destinada à investigação científica. Nós, em Angola, ainda não podemos falar da investigação científica, talvez de forma literária ou retórica, mas na realidade não há condições criadas para a verdadeira  investigação científica. Eu desafio todo aquele  que poderia  enfrentar-me num debate porque  para poder publicar uma obra  académica é um calcanhar de Aquiles. [Por isso],   temos que, na realidade,  fazer um grande esforço porque, no meu livro, “Iniciação à Pesquisa Científica”, eu afirmo  que  “nenhum  país  é verdadeiramente independente quando depende  da ciência  alheia”  . Todo o país deve criar a sua  própria  ciência e tecnologia. Só desta forma ele poderá  desenvolver-se  e ser independente. Deste modo, a investigação científica deve ser uma prioridade, principalmente, a investigação básica ou fundamental porque concede depois subsídios para a investigação.

“Não existe um rigor na admissão do corpo docente, no financiamento da investigação e, principalmente, esse divórcio entre os detentores do saber científico e os detentores do poder político é prejudicial.”

Na mesma senda, não acha haver um desperdício de monografias ao nível das instituições do Ensino Superior de Angola, pelo facto de os resultados das pesquisas ficarem apenas no papel?

Muitas monografias produzidas em Angola não têm rigor científico, principalmente em termos  de aplicação da estatística. Quando se realiza uma investigação, o tema é  bonito, mas  o trabalho de campo, os dados colectados  não são interpretados  à luz  da estatística exigida para interpretar dados científicos. Há muitos trabalhos  por aí divulgados  e interpretam  com base  na percentagem. Percentagem é para os jornalistas. Um cientista tem de recorrer a teste de decisão, a testes adequados  de acordo com a ciência  estatística. Por isso,   temos de começar a tomar a sério  a orientação de monografias, dissertações e teses, porque  quando leio os temas  dos trabalhos  que estou  a orientar,  e mesmo a forma  de elaborar o projecto, deixam muito a desejar.

Então,   aqui  a questão de investigação/ pesquisa científica tem falhado?

Naturalmente, tem falhado porque, em primeiro lugar, não existe um rigor na admissão do corpo docente, no financiamento da investigação e, principalmente, esse divórcio entre os detentores do saber científico e os detentores do poder político é prejudicial, porque quem deve  dar subsídios  para os detentores  do poder político são os detentores do poder  científico. A universidade é o centro de produção e divulgação do saber  científico, mas lamentavelmente, no nosso país e não só, quase ao nível do nosso continente,  há divórcio entre os políticos e os cientistas académicos.

O país manda, anualmente, estudantes para o estrangeiro como bolseiros. Em que medida, na sua óptica, os saberes desses bolseiros são aproveitados para questões que afligem Angola?

Em 92, o nosso Presidente esteve no Rio de Janeiro e eu, enquanto Presidente da Associação dos Estudantes de Pós-graduação, mantive um encontro  com ele, no qual analisámos  as razões  de muitos estudantes angolanos enviados  para o exterior não querem regressar para Angola quando   terminam. E esse fenómeno acontece  na maioria  dos países africanos porque , quando  regressamos, somos portadores de muitos conhecimentos  científicos, mas  encontramos  muitos constrangimentos  e dificuldades para se pôr em prática  o que aprendemos. Por isso, diria que não há incentivo. Quer dizer, os países africanos gastam muito dinheiro com bolseiros, estes vão formar-se, mas, no regresso, não são aproveitados. Então, são poucos  aqueles que conseguem resistir, outros acabam por abandonar o país e voltam para os países onde foram formados, a fim de encontrarem melhores condições de vida. Quem perde em tudo isso é o país que investiu e que depois não aproveita os conhecimentos adquiridos. Praticamente não existe aproveitamento científico destes quadros.

Ainda mantém a ideia de um exame nacional para o ensino geral?

O exame nacional permite, em primeiro lugar, as várias escolas acompanharem, de perto, os programas nacionais e, ao mesmo tempo, força as escolas a poderem  dar um ensino de qualidade  aos seus alunos porque , quando  estes terminam, quem sanciona as escolas é o exame nacional. Naquela escola em que o exame nacional proporcionar boas notas isso dá uma imagem ao Ministério da Educação, no sentido saber em que instituições escolares os programas foram cumpridos, em que escola temos ensino de qualidade e até serviria de base para incentivar em termos de subsídios aquelas escolas que vão tendo bons resultados  no fim da formação. Ora, quando não temos exame nacional, em primeiro lugar, não é possível  saber  se os planos  nacionais  estão a ser cumpridos; em segundo lugar, não  há fiabilidade  em termos  de certificados. É por isso  que hoje temos  muitos certificados  falsos  porque não existe  um parâmetro  nacional  para poder  analisar  todos  os que terminam  o Ensino Secundário . Por isso, até hoje eu continuo a defender o exame nacional a nível do Ensino Secundário e, ao mesmo tempo, tornar funcional  a missão dos inspectores escolares  porque há  muitos inspectores escolares  que, quando  vão a uma  escola, não costumam  inspeccionar nada.

Defendeu, recentemente, o ensino  do latim  nas escolas . Em que medida isso ajuda a emancipação do conhecimento?

O português, o francês, o espanhol, o italiano, etc., são línguas neolatinas. Então, estudos científicos demonstraram que, para alguém ser bom professor de línguas, tem de saber  as raízes  dessa língua.  Como o português é uma língua neolatina  verifiquei que,  se os nossos professores de português  têm muitas  falhas, é porque  abolimos, infelizmente,  o ensino do latim para os professores de língua portuguesa. Eu quando oriento trabalhos de fim de curso, por exemplo, às vezes até dá vontade de desmaiar quando recebo um finalista  que apresenta  o seu trabalho com erros ortográficos  e gramaticais  e quando  lhes pergunto  o que fazem profissionalmente  dizem “sou professor de português”. Por isso, continuo a defender  que devemos  recuperar o ensino da língua latina para os professores de português.

Em contrapartida, parece que a UAN  tem pretensão  de ensinar mandarim. Tem conhecimento sobre isso?

Sim! Até fui convidado para a abertura dessa instituição. Penso que, quando tomamos medidas não devemos fazer com base no sentimento ou nas influências do momento porque  se for assim agora temos muita cooperação  com a China, vamos ensinar o mandarim. Amanhã teremos mais cooperação  com o Japão e vamos ensinar  o japonês  e quem sabe qual será a próxima civilização? O mais importante é reforçarmos, primeiro, a língua oficial e também reforçar as línguas africanas.

E sobre as línguas africanas, o que acha sobre a inserção delas no Sistema de Ensino angolano?

Na minha minha dissertação de mestrado, “Orientação Escolar e Profissional em Angola”, eu constatei  que o não ensino das línguas africanas  nas escolas  não permite  às nossas crianças  amadurecerem  a língua materna e o não amadurecimento da língua materna  complica a aprendizagem de outras línguas porque  há um grande  filósofo francês,  Jean Jacques Rosseau , em cujos estudos  chegou a conclusão de que  “ quem não conseguiu amadurecer  a língua materna  ao longo de toda a vida  não saberá  ter o domínio de uma língua”, porque o homem, na sua vida, só fala bem uma língua, que é a materna. A outra traduz. Por isso,  verifiquei que uma das coisas  que está na base  do insucesso escolar  no nosso país  é o facto  de a partir  dos 6 anos o aluno entrar para a escola primária e imediatamente começar já a aprender  o português, sem a menos  ter o domínio da língua materna, sobretudo nas zonas rurais. Também há um estudo que mostrou  que aqueles que começaram a aprender  o português como língua materna, mas de forma deficiente, quando começam a aprender o português gramatical  têm dificuldade de poderem  corrigir os erros provocados  pelo condicionamento operante.

Acha que há compatibilidade entre os diversos cursos existentes nas várias universidades de Angola e as reais necessidades do país?

Mais um problema! Porque quando falei da figura do psicólogo escolar ou conselheiro de orientação profissional é que este, quando  quer orientar alguém  profissionalmente, deve ter em conta  as tendências  do mercado de trabalho para que haja  a menos uma aproximação entre o perfil de saída  e o perfil de entrada no mercado de trabalho. Ora,  no nosso país, temos  essa grande  lacuna, de tal maneira que  muitos  que entram  no mercado praticamente encontram mil dificuldades de adaptação porque, em primeiro lugar, o nosso ensino é também  altamente teórico, quase sem prática. Há cursos  que exigem  a prática profissional durante a formação, mas tal não existe. Por outro lado, as empresas não são exigentes, não conseguem  criticar ou corrigir as falhas  verificadas  naqueles que terminam  a sua formação em termos de lacunas  e carências  no mercado de trabalho. Então, devemos ter um mercado de trabalho exigente.

EDUCAÇÃO DA JUVENTUDE

“Eu não concordo com essa forma de pipocação  de seitas religiosas no nosso país porque  as seitas religiosas  constituem  uma verdadeira  máquina na formação e mudança  de atitudes.”

Como encara o comportamento dos jovens angolanos na sociedade?

Muitas vezes, tenho ouvido pessoas a dizerem que os jovens de hoje não têm rumo, estão a perder   valores. Mas os que estão a perder valor  são os mais velhos  porque  os valores são transmitidos  da geração mais velha para as novas gerações. Hoje em dia , posso confirmar  sem medo  de errar que os nossos jovens  estão desorientados. Em Psicologia, há um capítulo que costumo dar, que fala dos processos grupais. Existem os processos grupais benignos, que ajudam a socialização da geração mais nova; e os processos grupais  malignos, que   desorientam  a juventude  e parece-me  que nós  aqui autorizámos  bastante  esses  processos  grupais malignos. Posso partir  de um exemplo  concreto. Eu não concordo com essa forma de pipocação  de seitas religiosas no nosso país porque  elas  constituem  uma verdadeira  máquina na formação e mudança  de atitudes. Ora, quando o Governo tem conhecimento de seitas religiosas que não são legais, mas operam livremente, mas não sabe o que  ela transmite aos jovens.  Isso é preocupante. Eu tomei conhecimento com muita preocupação, através da Rádio Luanda, de uma seita  religiosa chamada “Igreja da Verdade” que anunciava o fim do mundo em Setembro deste ano, tendo alertado aos fiéis  que não trabalhassem. Esses são processos grupais malignos . É para semear confusão. Os jovens são muito mais influenciados pelo sentimento, pela moda, portanto,   devem ser protegidos, orientados pelo Estado. Contrariamente, os processos malignos conduzem para a deterioração da própria  sociedade.

Qual é o papel da família  na educação da juventude?

A família é o núcleo  de qualquer  sociedade. Mas para que seja núcleo de qualquer sociedade, o Estado deve potenciá-la. Quando numa família os pais  não  são capazes  de poder  satisfazer as necessidades básicas  dos filhos, de ter  o poder  sobre os filhos, praticamente podemos  dizer  que  é muito do que acontece, em muitos países, a criança, antes  de atingir  18 anos beneficia de apoio financeiro do Estado. Mas nós em Angola, se realizarmos um inquérito, vamos verificar que há muitos pais que nem sequer se preocupam em tratar o subsídio para os filhos  menores porque  não se ganha quase nada e há muita burocracia para se tratar a documentação. A criança em Angola não é protegida.

O PAPEL DO PSICÓLOGO EM ANGOLA

Quais são os grandes desafios da Ordem  dos Psicólogos de Angola?

Disponibilizarmos uma formação de qualidade para os nossos estudantes  de Psicologia. É por isso que a Ordem tem sempre lutado  e parece que  estamos  a encontrar já um espaço para que  haja harmonização da formação  do psicólogo  em Angola.  Não só o psicólogo de Angola, temos a Federação de Psicólogos da CPLP e, portanto, é um problema recorrente nas nossas reuniões: temos de formar psicólogos de qualidade. Também é um desafio  da Ordem termos bons professores  de Psicologia porque essa não deve ser dada por aventureiros  nem amadores. Estes bons devem transmitir não só aspectos teóricos mas  também práticos. Temos uma carência de professor de Psicologia, assim, se quisermos melhorar o ensino da Psicologia temos que abandonar a máxima  que diz que “ quem não tem cão caça  com gato”. Nós vamos procurar lá “o cão” onde  se encontra. A ciência é universal. Depois de a qualidade dos professores de Psicologia melhorar, a Ordem tem como desafio organizar bem o estágio profissional daqueles que terminam as suas licenciaturas, de maneira que possam adquirir a prática antes de entrar para o mercado de trabalho. Outrossim, é nossa pretensão lutar pela  investigação  científica em Ciências Psicologias de qualidade porque muitos problemas sociais têm soluções na Psicologia, sem esquecer a defesa dos interesses dos nossos membros porque o  psicólogo quando se inscreve na Ordem e recebe  a cédula precisa de ter formação permanente para pode actuar condignamente  na sua profissão e também deve ser protegido. Por exemplo, o problema de empreendedorismo em Ciências Psicológicas, há muitos que pensam que o psicólogo só pode trabalhar  como um profissional dependente. Ele pode trabalhara também como profissional liberal, conseguindo crédito bancário, abrindo consultório. E, por fim , é uma preocupação da Ordem divulgar a cultura psicológica na sociedade angolana. Temos encontrado dificuldades porque alguns confundem uma consulta médica de uma  psicológica.  Dificilmente, aqueles  que nos contactam  conseguem  terminar  as suas sessões. Basta participar na primeira, segunda  e terceira  depois desaparecem porque  tentam  confundir  a consulta médica  com a psicológica . Ora, temos que cultivar o espírito de atendimento psicológico.

Mas as desistências não serão porque os pacientes não têm  condições  para suportar as sessões?

Naturalmente!  As consultas  psicológicas  são  sempre  caras em qualquer parte  do mundo. É por isso que, na maior parte das obras profissionais, tanto a nível da CPLP como do mundo, eles recebem  sempre  um apoio do Governo. Significa que beneficiam do estatuto  de utilidade pública  para poderem atender  aqueles  que não têm  muitos recursos financeiros. Então, essa justamente é uma luta  que estamos  a levar a cabo. Hoje vivemos  apenas de contribuições  das quotas  dos nossos membros e de donativos. Não beneficiamos  de nenhuma verba  do OGE, então,  não há possibilidade de podermos  atender  àqueles que não têm recurso.

Quais são os critérios  para se filiara à Ordem dos Psicólogos de Angola?

O critério fundamental é ter   licenciatura  em Psicologia e nas áreas  que a Ordem reconhece.

Quais são essas áreas?

Psicologia Clínica, Psicologia do Trabalho, Psicologia Organizacional, Psicologia Escolar, Psicologia Educacional, Psicologia Forense, Psicologia Criminal, Psicologia Desportiva. Também estamos a prever a Psicologia Comercial. Acho que neste momento, com a industrialização  do país,  vamos precisar de psicólogos comerciais. Então,  essa área  a OPA reconhece.

Onde é feito  o estágio profissional?

No local de trabalho. Por exemplo, o psicólogo escolar faz  na escola, o clínico faz  nos hospitais.

E a ordem tem uma relação com instituições onde acontecem os estágios?

Naturalmente! Todo aquele que é inscrito  para  o estágio  profissional  tem um supervisor  ao nível da instituição e um orientador  ao nível da Ordem.

Quantos filiados tem a ordem?

Temos neste momento 664 membros efectivos. Já é um bom número porque há dois anos tínhamos dificuldades de os psicólogos se inscreverem, vinham com tanto preconceito e argumento. Agora estamos a verificar essa cultura de inscrição. Nós orientámos as instituições públicas e privadas no sentido de não admitirem ninguém como psicólogo se não for portador da cédula profissional.

E têm cumprido com esse facto?

 Estão a cumprir, principalmente o Ministério da Saúde e  o Ministério da Educação.

Qual é a periodicidade de reuniões da ordem?

O Conselho Nacional da OPA reúne semestralmente; a direcção, sempre que é necessário. Mas temos a dificuldade em reunir a assembleia geral devido a um problema que até agora não conseguimos resolver, que se prende com o facto de, apesar da ordem ter sido apreciada pelo Conselho de Ministros, no dia 23 de Março, os estatutos não foram ainda publicados no Diário da República e, por esse facto, as contas da Ordem são solidárias. Então, muitos ainda desconfiam, pensam que o dinheiro vai para conta de indivíduos e não podemos abrir as contas bancárias em nome da Ordem, enquanto não apresentarmos o Diário da República.

E qual é o impedimento para os estatutos constarem do Diário da República?

Estou sempre atrás dos dois ministérios que tutelam a ordem: o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação. As últimas informações que tive é que tudo está pronto para se publicar no Diário da República. Mas houve uma certa confusão porque o Presidente da República disse, devido a dificuldades financeiras, para suspender todas as solicitações de estatuto de utilidade pública. Ora, nós não estamos nessa fase, mas sim na de divulgação do estatuto orgânico. Esclareci esse problema e os dois ministros que tutelam a ordem disseram que vão actuar junto do Conselho de Ministros para que se acelere o problema da divulgação dos estatutos.

 

 

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