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As enfermidades do sistema financeiro angolano e os desafios do Compliance

As enfermidades do sistema financeiro angolano e os desafios do Compliance
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Lourenço Caculo

O sistema financeiro angolano encontra-se numa “situação de instabilidade, padecendo de várias fraquezas que contribuem para a sua descredibilização internacional”, aponta o Relatório Económico de Angola 2016 do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola.

De acordo com o documento,  “o funcionamento regular, a transparência e a efectividade de um sistema financeiro são características  absolutamente fundamentais para gerar confiança nos agentes económicos – aforradores e investidores – promover o investimento privado e apoiar o crescimento da economia”, sendo que todos os anos os discursos oficiais relevam a importância da supervisão bancária, “mas parece que são reduzidos os avanços, principalmente devido à falta de vontade política para fazer com adequação e efectividade”, lê-se no relatório que lembra que “não se deve menosprezar o facto de que o sector bancário é um dos mais rentáveis da economia e que a propriedade dos mais importantes bancos privados é de pessoas políticamente expostas”, “provavelmente pouco interessadas em adoptar critérios de total transparência”.

A instituição académica dirigida pelo economista e investigador Alves da Rocha considera que o Banco Nacional de Angola, “apesar dos esforços, tem uma capacidade limitada para modernizar o sector”.

Para o Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, “o caso do BPC é um exemplo flagrante de falta de supervisão, de persividade de influências pessoais sobre instituições que deveriam ser independentes e de derrocada financeira”. Para reverter essa realidade, defendem os pesquisadores do CEIC, “o Estado tem de privatizar os bancos públicos comerciais, sob pena de constantemente ser o OGE a cobrir os seus prejuízos. Acredita-se que o Governo só ainda não o fez porque essas instituições são, afinal, usadas como canais de influências e de distribuição de benesses aos agentes políticos e empresariais ligados à actual governação partidária”, lê-se do documento.

A instituição académica dirigida pelo economista e investigador Alves da Rocha considera que o Banco Nacional de Angola, “apesar dos esforços, tem uma capacidade limitada para modernizar o sector” e a ponta que “as acções do BNA devem ser centradas no reforço do diálogo com os reguladores nacionais de origem dos bancos correspondentes, no reforço e na implementação do quadro de luta contra branqueamento de capitais, e no desenvolvimento de planos de contigência, em coordenação com outras partes interessadas”, recomenda o CEIC, porém lamenta que o banco central angolano não seja “autónomo, nem muito menos independente”, uma vez que, critica, “as directrizes sobre política monetária e cambial vêm de cima e o exercício da sua actividade – que deveria ser em benefício da economia e dos cidadãos e da transparência e clareza de procedimentos – está sujeita a jogos de interesse e a tráfico de influências”.

Já temos regulação, mas falta implementá-la

Membros da mesa redonda do VII Fórum da Banca

A regulação e supervisão bancária voltou a ser debatida em Angola, no VII Fórum da Banca realizada pelo jornal Expansão, no início de Julho, em que foram oradores Altina Gonzalez, Professora da Católica Lisbon School of Business & Economics, e Henrique Dambi, Supervisor da Direcção de Organização do Sistema Financeiro do Banco Nacional de Angola. O evento contou também com uma mesa redonda, sobre “Regulação e Supervisão Bancárias e Outros Temas da Actualidade”, composta por Fernado Marques Pereira, PCE da Caixa Angola, Fernando Teles, PCA do Banco BIC, Inokcelina dos Santos, Administradora Executiva  do Banco BAI, e Ricardo Viegas d’Abreu, PCA do Banco de Poupança e Crédito. O debate foi moderado pelo jornalista Carlos Rosado de Carvalho, director do Expansão.

Segundo Fernando Teles, Angola tem feito um esforço muito grande para ir cumprindo com a regulação bancária, e houve um grande investimento dos bancos ao nível dos recursos humanos e técnicos para garantir o Compliance nas instituições, mas estes procedimentos dificilmente poderão ser cumpridos pelos pequenos bancos, uma vez que os mesmos são “altamente oneroso” e “não há hipótese nenhuma de os pequenos bancos cumprirem toda a regulamentação que está ser implementada pelo Banco Nacional de Angola. Para eles é um esforço muito grande, quase impossível”, considerou o PCA do BIC.

Já o PCE do banco Caixa Angola, Fernando Marques Pereira,  reforçou que os bancos devem ajustar-se às normas internacionais porque não trabalham de forma isolada, mas em constante contacto com instituições correspondentes internacionais.  

“A lei não pode ficar em papel molhado”

Altina Gonzalez afirmou que  a regulação está focalizada fundamentalmente na gestão do risco, porque o negócio bancário é de risco. Assim sendo, insistiu, “os bancos têm que assumir riscos, mas de forma controlada. 

Entretanto, a professora Altina Gonzalez reforçou que a regulação para banca é cara, mas necessária. “Não podemos cair no excesso”, disse em entrevista aos jornalistas, respondendo uma questão sobre a regulação no sistema financeiro europeu. Já sobre Angola, a académica afirmou que uma coisa é publicar leis, e a outra é implementá-las. “A lei não pode ficar em papel molhado. O primeiro passo é a publicação, mas depois deve-se partir para a implementação. É necessário que haja mais formação para ir-se implementando a regulação e o trabalho que o Banco Nacional de Angola está a desenvolver é o mais certo, o que quer dizer que vai pelo bom caminho”.

Altina Gonzalez afirmou que  a regulação está focalizada fundamentalmente na gestão do risco, porque o negócio bancário é de risco. Assim sendo, insistiu, “os bancos têm que assumir riscos, mas de forma controlada. Tudo que seja melhoria do sistema de gestão de risco, melhoria da tecnologia, que é fundamental não só para a redução dos custos operacionais mas também para melhorar o nível de gestão de riscos, é fundmental. Mas para fazer estes investimentos, os bancos precisam de receitas. Há que desenvolver o negócio com estratégias muito claras, procurando rentabilizar os pontos fortes, para poder manter o sistema viável, rentável e solvente”, argumentou.

Questionada sobre o processo de adequação do sistema financeiro angolano às normais internacionais, a oradora internacional do VII Fórum da Banca do Jornal Expansão esclareceu que o primeiro passo é a limpeza do balanço dos bancos, “que têm que reconhecer que há determinados activos no seu balanço que não têm o valor contabilizado. A qualidade dos activos e um balanço limpo e saneado é fundamental”, defendeu.

A banca é um factor vital para economia

O objectivo da supervisão bancária é reduzir ou minimizar, por via de actuação efectiva, a probabilidade de impacto sistémico de falhas no sistema financeiro”, defendeu Archer Mangueira, ministro da Finanças
Archer Mangueira, ministro das Finanças, fez o discurso de abertura do VII Fórum da Banca

Segundo ministro das Financas, Archer Mangueira, a banca é um factor vital para economia, desde que se possa contar com um sector bancário robusto, daí que, “visando repor a estabilidade geral do sector bancário, nos últimos anos foram implementados pelo órgão regulador angolano, o BNA, diversas medidas para fortalecer a regulação e supervisão bancária”, afirmou.

O BNA, segundo Archer Mangueira, tem feito um trabalho de actualização do quadro regulamentar e de criação de condições para uma abordagem de supervisão baseada no risco. O responsável referiu como avanço a criação do Conselho Nacional de Estabilidade Financeira (CNEF), que já está em funcionamento, e que é um órgão público de natureza consultiva, dotado de autonomia técnica e funcional, tendo como missão facilitar a articulação entre os diferentes organismos de supervisão, com vista à definição e implementação de mecanismos de promoção da estabilidade financeira e de prevenção de crises sistémicas no Sistema Financeiro Angolano.

É composto pelo Ministro das Finanças (Coordenador); Governador do Banco Nacional de Angola (Coordenador-adjunto); Presidentes do Conselho de Administração da Comissão do Mercado de Capitais; Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros; um membro do Conselho de Administração do Banco Nacional de Angola responsável pela supervisão prudencial das instituições financeiras; um membro do Conselho de Administração da Comissão do Mercado de Capitais responsável pela supervisão prudencial das instituições financeiras e das estruturas de mercado; e um membro do Conselho de Administração da Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros responsável pela área de supervisão.

A propósito da regulação e supervisão bancárias, o ministro das Finanças, Archer Mangueira, lembrou que o negócio bancário envolve riscos, sendo que esses podem assumir proporções sistémicas. “Como temos visto a acontecer neste mundo afora, falhas, descuidos, até muitas vezes fraudes praticadas por certos agentes do sistema bancário, podem provocar desastres económicos e sociais. O objectivo da supervisão bancária é reduzir ou minimizar, por via de actuação efectiva, a probabilidade de impacto sistémico de falhas no sistema financeiro”, defendeu. Para o responsável, entretanto, “o crescente desenvolvimento de serviços nos mercados financeiros tem sido acompanhado pelo reforço de regulação e investigação financeira dos operadores que a exergem”, daí que “os bancos são escrutinados de forma mais rigorosa”, com base nas normas de Compliance, e do combate ao financiamento do terrorismo e branqueamento de capitais.

 

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Sebastião Vemba

Fundador e Director Editorial do ONgoma News

Jornalista, apaixonado pela escrita, fotografia e artes visuais. Tem interesses nas novas medias, formação e desenvolvimento comunitário.

O sistema financeiro angolano encontra-se numa “situação de instabilidade, padecendo de várias fraquezas que contribuem para a sua descredibilização internacional”, aponta o Relatório Económico de Angola 2016 do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola.

De acordo com o documento,  “o funcionamento regular, a transparência e a efectividade de um sistema financeiro são características  absolutamente fundamentais para gerar confiança nos agentes económicos – aforradores e investidores – promover o investimento privado e apoiar o crescimento da economia”, sendo que todos os anos os discursos oficiais relevam a importância da supervisão bancária, “mas parece que são reduzidos os avanços, principalmente devido à falta de vontade política para fazer com adequação e efectividade”, lê-se no relatório que lembra que “não se deve menosprezar o facto de que o sector bancário é um dos mais rentáveis da economia e que a propriedade dos mais importantes bancos privados é de pessoas políticamente expostas”, “provavelmente pouco interessadas em adoptar critérios de total transparência”.

A instituição académica dirigida pelo economista e investigador Alves da Rocha considera que o Banco Nacional de Angola, “apesar dos esforços, tem uma capacidade limitada para modernizar o sector”.

Para o Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, “o caso do BPC é um exemplo flagrante de falta de supervisão, de persividade de influências pessoais sobre instituições que deveriam ser independentes e de derrocada financeira”. Para reverter essa realidade, defendem os pesquisadores do CEIC, “o Estado tem de privatizar os bancos públicos comerciais, sob pena de constantemente ser o OGE a cobrir os seus prejuízos. Acredita-se que o Governo só ainda não o fez porque essas instituições são, afinal, usadas como canais de influências e de distribuição de benesses aos agentes políticos e empresariais ligados à actual governação partidária”, lê-se do documento.

A instituição académica dirigida pelo economista e investigador Alves da Rocha considera que o Banco Nacional de Angola, “apesar dos esforços, tem uma capacidade limitada para modernizar o sector” e a ponta que “as acções do BNA devem ser centradas no reforço do diálogo com os reguladores nacionais de origem dos bancos correspondentes, no reforço e na implementação do quadro de luta contra branqueamento de capitais, e no desenvolvimento de planos de contigência, em coordenação com outras partes interessadas”, recomenda o CEIC, porém lamenta que o banco central angolano não seja “autónomo, nem muito menos independente”, uma vez que, critica, “as directrizes sobre política monetária e cambial vêm de cima e o exercício da sua actividade – que deveria ser em benefício da economia e dos cidadãos e da transparência e clareza de procedimentos – está sujeita a jogos de interesse e a tráfico de influências”.

Já temos regulação, mas falta implementá-la

Membros da mesa redonda do VII Fórum da Banca

A regulação e supervisão bancária voltou a ser debatida em Angola, no VII Fórum da Banca realizada pelo jornal Expansão, no início de Julho, em que foram oradores Altina Gonzalez, Professora da Católica Lisbon School of Business & Economics, e Henrique Dambi, Supervisor da Direcção de Organização do Sistema Financeiro do Banco Nacional de Angola. O evento contou também com uma mesa redonda, sobre “Regulação e Supervisão Bancárias e Outros Temas da Actualidade”, composta por Fernado Marques Pereira, PCE da Caixa Angola, Fernando Teles, PCA do Banco BIC, Inokcelina dos Santos, Administradora Executiva  do Banco BAI, e Ricardo Viegas d’Abreu, PCA do Banco de Poupança e Crédito. O debate foi moderado pelo jornalista Carlos Rosado de Carvalho, director do Expansão.

Segundo Fernando Teles, Angola tem feito um esforço muito grande para ir cumprindo com a regulação bancária, e houve um grande investimento dos bancos ao nível dos recursos humanos e técnicos para garantir o Compliance nas instituições, mas estes procedimentos dificilmente poderão ser cumpridos pelos pequenos bancos, uma vez que os mesmos são “altamente oneroso” e “não há hipótese nenhuma de os pequenos bancos cumprirem toda a regulamentação que está ser implementada pelo Banco Nacional de Angola. Para eles é um esforço muito grande, quase impossível”, considerou o PCA do BIC.

Já o PCE do banco Caixa Angola, Fernando Marques Pereira,  reforçou que os bancos devem ajustar-se às normas internacionais porque não trabalham de forma isolada, mas em constante contacto com instituições correspondentes internacionais.  

“A lei não pode ficar em papel molhado”

Altina Gonzalez afirmou que  a regulação está focalizada fundamentalmente na gestão do risco, porque o negócio bancário é de risco. Assim sendo, insistiu, “os bancos têm que assumir riscos, mas de forma controlada. 

Entretanto, a professora Altina Gonzalez reforçou que a regulação para banca é cara, mas necessária. “Não podemos cair no excesso”, disse em entrevista aos jornalistas, respondendo uma questão sobre a regulação no sistema financeiro europeu. Já sobre Angola, a académica afirmou que uma coisa é publicar leis, e a outra é implementá-las. “A lei não pode ficar em papel molhado. O primeiro passo é a publicação, mas depois deve-se partir para a implementação. É necessário que haja mais formação para ir-se implementando a regulação e o trabalho que o Banco Nacional de Angola está a desenvolver é o mais certo, o que quer dizer que vai pelo bom caminho”.

Altina Gonzalez afirmou que  a regulação está focalizada fundamentalmente na gestão do risco, porque o negócio bancário é de risco. Assim sendo, insistiu, “os bancos têm que assumir riscos, mas de forma controlada. Tudo que seja melhoria do sistema de gestão de risco, melhoria da tecnologia, que é fundamental não só para a redução dos custos operacionais mas também para melhorar o nível de gestão de riscos, é fundmental. Mas para fazer estes investimentos, os bancos precisam de receitas. Há que desenvolver o negócio com estratégias muito claras, procurando rentabilizar os pontos fortes, para poder manter o sistema viável, rentável e solvente”, argumentou.

Questionada sobre o processo de adequação do sistema financeiro angolano às normais internacionais, a oradora internacional do VII Fórum da Banca do Jornal Expansão esclareceu que o primeiro passo é a limpeza do balanço dos bancos, “que têm que reconhecer que há determinados activos no seu balanço que não têm o valor contabilizado. A qualidade dos activos e um balanço limpo e saneado é fundamental”, defendeu.

A banca é um factor vital para economia

O objectivo da supervisão bancária é reduzir ou minimizar, por via de actuação efectiva, a probabilidade de impacto sistémico de falhas no sistema financeiro”, defendeu Archer Mangueira, ministro da Finanças
Archer Mangueira, ministro das Finanças, fez o discurso de abertura do VII Fórum da Banca

Segundo ministro das Financas, Archer Mangueira, a banca é um factor vital para economia, desde que se possa contar com um sector bancário robusto, daí que, “visando repor a estabilidade geral do sector bancário, nos últimos anos foram implementados pelo órgão regulador angolano, o BNA, diversas medidas para fortalecer a regulação e supervisão bancária”, afirmou.

O BNA, segundo Archer Mangueira, tem feito um trabalho de actualização do quadro regulamentar e de criação de condições para uma abordagem de supervisão baseada no risco. O responsável referiu como avanço a criação do Conselho Nacional de Estabilidade Financeira (CNEF), que já está em funcionamento, e que é um órgão público de natureza consultiva, dotado de autonomia técnica e funcional, tendo como missão facilitar a articulação entre os diferentes organismos de supervisão, com vista à definição e implementação de mecanismos de promoção da estabilidade financeira e de prevenção de crises sistémicas no Sistema Financeiro Angolano.

É composto pelo Ministro das Finanças (Coordenador); Governador do Banco Nacional de Angola (Coordenador-adjunto); Presidentes do Conselho de Administração da Comissão do Mercado de Capitais; Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros; um membro do Conselho de Administração do Banco Nacional de Angola responsável pela supervisão prudencial das instituições financeiras; um membro do Conselho de Administração da Comissão do Mercado de Capitais responsável pela supervisão prudencial das instituições financeiras e das estruturas de mercado; e um membro do Conselho de Administração da Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros responsável pela área de supervisão.

A propósito da regulação e supervisão bancárias, o ministro das Finanças, Archer Mangueira, lembrou que o negócio bancário envolve riscos, sendo que esses podem assumir proporções sistémicas. “Como temos visto a acontecer neste mundo afora, falhas, descuidos, até muitas vezes fraudes praticadas por certos agentes do sistema bancário, podem provocar desastres económicos e sociais. O objectivo da supervisão bancária é reduzir ou minimizar, por via de actuação efectiva, a probabilidade de impacto sistémico de falhas no sistema financeiro”, defendeu. Para o responsável, entretanto, “o crescente desenvolvimento de serviços nos mercados financeiros tem sido acompanhado pelo reforço de regulação e investigação financeira dos operadores que a exergem”, daí que “os bancos são escrutinados de forma mais rigorosa”, com base nas normas de Compliance, e do combate ao financiamento do terrorismo e branqueamento de capitais.

 

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