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Alberto Fazart: “A arquitectura que implementamos na nossa cidade não se adequa à nossa realidade”

Alberto Fazart: “A arquitectura que implementamos na nossa cidade não se adequa à nossa realidade”
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Andrade Lino

O artista plástico angolano Alberto Fazart afirmou em Luanda que a arquitectura muitas vezes implementada na nossa cidade não se adequa à nossa realidade, pois que, olhando para o nosso clima, por exemplo, que é tropical, “tínhamos que optar também por uma arquitectura tropical”.

Falando na abertura da exposição colectiva “Novíssimos”, que docorreu durante 15 dias do mês de Outubro passado, na Galeria Plano B – OCIREMA, um novo espaço da cidade capital dedicado às artes, o também pesquisador, cujo trabalho gira mormente em torno da sustentabilidade, criticou, em entrevista ao ONgoma News, o facto de termos “um monte de edifícios envidraçados, objectos que só acumulam mais calor”. É como se fosse uma lupa, como se estivéssemos a transformar as nossas casas ou escritórios em fornos, sublinhou, tendo apontado que, “se fizermos um contraste do que é hoje a nossa cidade com o passado, anos 70, mais ou menos, vamos ver que a nossa cidade era muito mais organizada e muito mais bela”.

Para ele, estamos a seguir para o futuro, “mas esse futuro não remete ao desenvolvimento. Estamos a estranhar com o uso da tecnologia, mas não estamos a dar bom uso a ela”.

O entrevistado, que em quase nove anos de estrada já trabalhou em mais de 16 projectos, sente que as suas pesquisas têm despertado a atenção de muita gente, por retratarem “situações que a gente está a viver e ainda vai viver”, sendo que demonstram o rumo negativo que as coisas têm tomado, “principalmente no que toca ao aquecimento global”. Para quem ainda não está atento, reparou Alberto Fazart, têm acontecido muitos desastres naturais, como terramotos e tsunamis, na Europa, América e muito mais, “e isso tudo está ligado à sustentabilidade, coisa que muita gente tende a ignorar”.

Apesar de sentir que não é seu dever solucionar isso, o artista autodidacta afirmou poder dar o seu contributo dentro da sua área de actuação, coisa que fez com as obras que apresentou na amostra.

O engenheiro e a sociedade / Imagem cedida

A obra “O engenheiro e a sociedade” é um exemplo disso, contou. Retrata o arquitecto ou o engenheiro, como um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento das sociedades. Esse profissional é o centro da obra, que ilustra igualmente a Baía de Luanda, “em volta de feixes de luz e linhas que vão representar a variação de altura dos edifícios. E também a Baía tem uma linha que faz uma separação entre as ondas do mar e a própria estrada, e essa linha demarca o limite da altura prevista das ondas do mar, num ponto em que não possa encher as vias públicas”.

Então, tudo isso, segundo a fonte, é previsto, e responsabilidade do engenheiro. Por mais que existam políticas, que muitas vezes não favorecem, ainda é responsabilidade do engenheiro decidir o rumo de cada projecto. Porque quando ele faz errado, sabendo que está a fazer algo mal, não tem mais a quem culpar, a não ser ele mesmo, defendeu.

Caracterizando Luanda

“Caracterizando Luanda”, em acrílico sobre tela, é outra obra que Fazart levou para exibição. “Como o título já diz, eu procurei caracterizar Luanda, com o seu clima tropical, ou seja, é uma cidade quente e húmida, por isso há presença de água. Se virmos no canto inferior esquerdo, está uma cachoeira derrapando pela cidade, demonstrando as grandes quedas por vezes de chuva que a gente tem por toda Luanda e não só, e no centro da obra temos como ênfase uma vista frontal da Baía de Luanda, porque é o cartaz de Angola. Mais acima temos os nossos musseques, subúrbios, com a presença das nossas zungueiras, os nossos táxis que nos permitem sair de zona em zona, e saindo da cidade está o gueto. Então, procuro fazer uma caracterização não só no ponto de vista urbano, mas também climático e económico. Se notarmos, também há presença de notas a voarem e isso demonstra como Luanda é uma cidade cara”, explicou.

Pescando o lixo

A terceira obra que a fonte apresentou tem como nome “Pescando o lixo”, que criou pensando num grande mal ligado à sustentabilidade, que é o plástico. Muitos países já eliminaram o plástico por ser um material que demora muito para se deteriorar, referiu.

“Usamos plásticos, como sacolas, e descartamos, então podemos dizer que é o material que mais há em abundância nas sociedades que permitem o uso de plásticos, e também, por ser um material descartável, é o que mais vai parar no mar, porque é muito flexível, voa e o vento o transporta muitas vezes para lá. Estando no mar, acaba sufocando os animais que lá se encontram, e sem percebermos, estamos a transformar os nossos mares e rios em depósitos de lixo”, lamentou.

Ainda sobre a mesma obra, relevou o detalhe da rede a puxar um monte de lixo, “porque andamos a pescar lixo”. Basicamente, o que o pintor quer dizer é que “vai chegar uma hora que vamos colher lixo, pois é o que temos plantado, e isso não só vai causar degradação dos alimentos (peixes e outros animais marinhos), mas também vai nos causar doenças, pela poluição dessas águas que bebemos”.

Entretanto, considerou que todo artista deve ser um bom influenciador para a sociedade, porque cada obra feita deve trazer algum contributo ou reflexão. “Quando se faz uma obra simplesmente pelo lado comercial, acabamos matando um dos sentidos da arte, que é a crítica, seja ela negativa ou positiva, pois tem de haver algum contributo. E nem todos os artistas vão por essa vertente de pensar se o que estão a fazer desperta alguma coisa nas pessoas, o que acontece porque estamos numa sociedade cada vez mais materialista, e muitos artistas já não ligam para o que propriamente a sua obra vai contribuir, mas para o que vai trazer para o seu bolso”, deplorou.

Continuando, disse que muitos artistas tornam-se meramente comerciais, apenas para venderem e terem o seu ganha-pão. “Eu apelo para que voltemos às raízes, onde a arte deve ser usada como uma expressão genuína, do íntimo para o mundo”, exortou.

 

*Com Eunice Gonga

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Andrade Lino

Jornalista

Estudante de Língua Portuguesa e Comunicação, amante de artes visuais, música e poesia.

O artista plástico angolano Alberto Fazart afirmou em Luanda que a arquitectura muitas vezes implementada na nossa cidade não se adequa à nossa realidade, pois que, olhando para o nosso clima, por exemplo, que é tropical, “tínhamos que optar também por uma arquitectura tropical”.

Falando na abertura da exposição colectiva “Novíssimos”, que docorreu durante 15 dias do mês de Outubro passado, na Galeria Plano B – OCIREMA, um novo espaço da cidade capital dedicado às artes, o também pesquisador, cujo trabalho gira mormente em torno da sustentabilidade, criticou, em entrevista ao ONgoma News, o facto de termos “um monte de edifícios envidraçados, objectos que só acumulam mais calor”. É como se fosse uma lupa, como se estivéssemos a transformar as nossas casas ou escritórios em fornos, sublinhou, tendo apontado que, “se fizermos um contraste do que é hoje a nossa cidade com o passado, anos 70, mais ou menos, vamos ver que a nossa cidade era muito mais organizada e muito mais bela”.

Para ele, estamos a seguir para o futuro, “mas esse futuro não remete ao desenvolvimento. Estamos a estranhar com o uso da tecnologia, mas não estamos a dar bom uso a ela”.

O entrevistado, que em quase nove anos de estrada já trabalhou em mais de 16 projectos, sente que as suas pesquisas têm despertado a atenção de muita gente, por retratarem “situações que a gente está a viver e ainda vai viver”, sendo que demonstram o rumo negativo que as coisas têm tomado, “principalmente no que toca ao aquecimento global”. Para quem ainda não está atento, reparou Alberto Fazart, têm acontecido muitos desastres naturais, como terramotos e tsunamis, na Europa, América e muito mais, “e isso tudo está ligado à sustentabilidade, coisa que muita gente tende a ignorar”.

Apesar de sentir que não é seu dever solucionar isso, o artista autodidacta afirmou poder dar o seu contributo dentro da sua área de actuação, coisa que fez com as obras que apresentou na amostra.

O engenheiro e a sociedade / Imagem cedida

A obra “O engenheiro e a sociedade” é um exemplo disso, contou. Retrata o arquitecto ou o engenheiro, como um dos grandes responsáveis pelo desenvolvimento das sociedades. Esse profissional é o centro da obra, que ilustra igualmente a Baía de Luanda, “em volta de feixes de luz e linhas que vão representar a variação de altura dos edifícios. E também a Baía tem uma linha que faz uma separação entre as ondas do mar e a própria estrada, e essa linha demarca o limite da altura prevista das ondas do mar, num ponto em que não possa encher as vias públicas”.

Então, tudo isso, segundo a fonte, é previsto, e responsabilidade do engenheiro. Por mais que existam políticas, que muitas vezes não favorecem, ainda é responsabilidade do engenheiro decidir o rumo de cada projecto. Porque quando ele faz errado, sabendo que está a fazer algo mal, não tem mais a quem culpar, a não ser ele mesmo, defendeu.

Caracterizando Luanda

“Caracterizando Luanda”, em acrílico sobre tela, é outra obra que Fazart levou para exibição. “Como o título já diz, eu procurei caracterizar Luanda, com o seu clima tropical, ou seja, é uma cidade quente e húmida, por isso há presença de água. Se virmos no canto inferior esquerdo, está uma cachoeira derrapando pela cidade, demonstrando as grandes quedas por vezes de chuva que a gente tem por toda Luanda e não só, e no centro da obra temos como ênfase uma vista frontal da Baía de Luanda, porque é o cartaz de Angola. Mais acima temos os nossos musseques, subúrbios, com a presença das nossas zungueiras, os nossos táxis que nos permitem sair de zona em zona, e saindo da cidade está o gueto. Então, procuro fazer uma caracterização não só no ponto de vista urbano, mas também climático e económico. Se notarmos, também há presença de notas a voarem e isso demonstra como Luanda é uma cidade cara”, explicou.

Pescando o lixo

A terceira obra que a fonte apresentou tem como nome “Pescando o lixo”, que criou pensando num grande mal ligado à sustentabilidade, que é o plástico. Muitos países já eliminaram o plástico por ser um material que demora muito para se deteriorar, referiu.

“Usamos plásticos, como sacolas, e descartamos, então podemos dizer que é o material que mais há em abundância nas sociedades que permitem o uso de plásticos, e também, por ser um material descartável, é o que mais vai parar no mar, porque é muito flexível, voa e o vento o transporta muitas vezes para lá. Estando no mar, acaba sufocando os animais que lá se encontram, e sem percebermos, estamos a transformar os nossos mares e rios em depósitos de lixo”, lamentou.

Ainda sobre a mesma obra, relevou o detalhe da rede a puxar um monte de lixo, “porque andamos a pescar lixo”. Basicamente, o que o pintor quer dizer é que “vai chegar uma hora que vamos colher lixo, pois é o que temos plantado, e isso não só vai causar degradação dos alimentos (peixes e outros animais marinhos), mas também vai nos causar doenças, pela poluição dessas águas que bebemos”.

Entretanto, considerou que todo artista deve ser um bom influenciador para a sociedade, porque cada obra feita deve trazer algum contributo ou reflexão. “Quando se faz uma obra simplesmente pelo lado comercial, acabamos matando um dos sentidos da arte, que é a crítica, seja ela negativa ou positiva, pois tem de haver algum contributo. E nem todos os artistas vão por essa vertente de pensar se o que estão a fazer desperta alguma coisa nas pessoas, o que acontece porque estamos numa sociedade cada vez mais materialista, e muitos artistas já não ligam para o que propriamente a sua obra vai contribuir, mas para o que vai trazer para o seu bolso”, deplorou.

Continuando, disse que muitos artistas tornam-se meramente comerciais, apenas para venderem e terem o seu ganha-pão. “Eu apelo para que voltemos às raízes, onde a arte deve ser usada como uma expressão genuína, do íntimo para o mundo”, exortou.

 

*Com Eunice Gonga

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