Actualidade
Lunda Norte

Refugiados. A vida longe de casa e a esperança de um dia voltar

Refugiados. A vida longe de casa e a esperança de um dia voltar
Foto por:
vídeo por:
DR

A menos de cinquenta metros do aldeamento turístico em que estávamos alojados, ouviam-se rumbas, intercaladas por curtas locuções em lingala e francês que serviam para passar conselhos úteis aos cerca de cinco mil refugiados acolhidos no centro de acolhimento provisório da Cacanda, no Dundo, Lunda Norte. Se não tivéssemos visitado o local uma hora antes, o mais provável é que nos imaginássemos em casa, enquanto o nosso vizinho da porta ao lado festejava.

Pelo contrário, poder-se-ia tratar de tudo, menos de festa. Do outro lado do muro estavam milhares de pessoas que escaparam à morte e nada mais querem senão viver. Fazem cálculos das perdas de familiares e de bens e guardam consigo mágoas que só o tempo se encarrega de pagar ou transformar em tristes lembranças. Do outro lado do muro estavam cidadãos da vizinha República Democrática do Congo, de onde, desde o passado mês de Março, já chegaram mais de 30 mil refugiados, vindos das províncias do Kasai e Kasai Central, centro da RDC. Entretanto, instituições não governamentais em serviço no terreno suspeitam que este número possa atingir cerca de 50 mil refugiados, considerando as migrações não registadas pelas autoridades.

Os refugiados congoleses em Angola fogem da violência provocada pelas milícias de Kamwina Nsapu, que já causou, segundo as Nações Unidas, mais de 400 mortos e 1,3 milhões de deslocados.

Mulher congolesa alojada em Cacanda foi apanhar lenha para confeccionar as refeições

Adaptado no local em que acontece a Expo-Cacanga, o centro de acolhimento estende-se num vasto terreno baldio ocupado por tendas brancas com as inscrições da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), casotas de pau-pique e tendas improvisadas com cobertores, panos e sacos. A anoitecer, a poeira junta-se à fumaça que se espalha pelo centro e lentamente ganha altitude, enquanto as crianças correm descuidadas de um canto para o outro e estranham a presença dos mundeles.

As crianças preservam o sorriso e vontade de ser felizes

Viver um dia de cada vez

Pascoal Capamba, de 60 anos, está alojado com a família em Cacanda

Enquanto aguardam pela transferência para o centro definitivo, na localidade do Lóvua, com capacidade para 50 mil pessoas, onde poderão construir o próprio refúgio, os refugiados congoleses distribuídos por dois centros provisórios – Cacanda e Mussungue -  tentam viver um dia de vez, gerindo a limitada refeição que recebem de duas em duas semanas, às sextas-feiras, sábados e domingos. Pascoal Capamba, de 60 anos, tem origens angolanas, mas desde os 17 anos que vive no Congo Democrático, onde é pastor pentecostal. Com seis filhos, o sacerdote conseguiu escapar do conflito sem nenhum tipo de lesão, mas teve que deixar tudo, pois os filhos ainda são muito novos e precisaram do seu amparo ao longo da fuga. Trazia vestida uma camisa amarrotada e suja de suor e poeira, que não trocava havia dias, pois era tudo que tinha. Capamba aguarda por donativo de vestuário para que possa trocar-se.

‍Dinanga Jeremy Lusalwaleza Prince

Já Dinanga Jeremy Lusalwaleza Prince, outro sacerdote (da Igreja Baptista) prefere deixar tudo nas mãos da justiça divina. Aos 45 anos, Dinanga aparenta um homem de mais idade. Percorreu os cerca de dois quilómetros que separam o centro de acolhimento de Capanda do riacho aonde os refugiados vão tratar da sua higiene pessoal  e aproveitou colher lenhas para fazer as refeições. Veio refugiar-se em Angola sozinho, sendo que a família se encontra noutra região do Congo Democrático onde não corre perigo. Informou-nos que dias antes tinha conseguido falar por telemóvel com a família e que aguardava por outra oportunidade para fazer uma chamada. Em Cacanda, os refugiados, segundo um responsável de uma das ONG em serviço no terreno, são incentivados a negociar entre si. Pelo centro adentro avistam-se zungueiros, muitos deles menores de idade, e bancadas instaladas à entrada das tendas. Vendem guloseimas, farinhas, sal e cigarros, produtos muito procurados, mas não mais do que o óleo alimentar e sabão, que são tratados como outro. As mulheres e crianças, estas últimas sempre sorridentes, aproximam-se dos visitantes e a primeira coisa que pedem é o “sabon”, enquanto os homens aprenderam, muito rápido, a pedir por 50 kwanzas.

Mas há quem seja mais inventivo. Debaixo de uma árvore, Placide Mungombo, congolês de 24 anos, fez a sua barbearia. Sobre dois blocos de cimento arrumou os utensílios que conseguiu trazer consigo e atende neste local os clientes que pagam 200 kwanzas por um corte de cabelo. Infelizmente, lamentou, ninguém tem dinheiro, por isso passa horas a fio sem fazer nada. Ter um cliente representa um dia de sorte, comentou.

Centro definitivo estará pronto em Julho

De acordo com o Governo da Lunda Norte, o centro definitivo de acolhimento de refugiados estará pronto no início de Julho, altera em que prevêem começar a realojar as pessoas.

Na altura da nossa visita ao Dundo, em meados de Junho, apercebemo-nos de que já havia equipas de limpeza destacadas no local e previa-se o início da desmatação do terreno nos dias subsequentes.

Segundo o director provincial de Assistência e Reinserção Social, citado pela Lusa, as obras visam criar ruas de modo que se conservem as árvores. “Acreditamos que no final deste mês ou no começo do outro tenhamos já tendas montadas para começarmos a transportar os refugiados dos centros provisórios para o centro definitivo",  informou à agência portuguesa de notícias Wilson Palanca, que coordena a resposta do Governo angolano à crise humanitária provocada pela fuga dos refugiados da vizinha RDC.

O centro provisório de Cacanda dispõe 203 latrinas e Mussungue tem 46, para um total de pelo menos 30.000 refugiados já registados pelas equipas do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

Fonte do ACNUR contactada pela Lusa afirmou que após seis meses a organização prevê avançar para um conceito de habitação de transição, mas por enquanto serão criadas casas de bambu.

Leia também o artigo do jurista António Eduardo.

E sobre o relatório global do ACNUR sobre os refugiados em 2016.

Destaque

No items found.

6galeria

Sebastião Vemba

Fundador e Director Editorial do ONgoma News

Jornalista, apaixonado pela escrita, fotografia e artes visuais. Tem interesses nas novas medias, formação e desenvolvimento comunitário.

A menos de cinquenta metros do aldeamento turístico em que estávamos alojados, ouviam-se rumbas, intercaladas por curtas locuções em lingala e francês que serviam para passar conselhos úteis aos cerca de cinco mil refugiados acolhidos no centro de acolhimento provisório da Cacanda, no Dundo, Lunda Norte. Se não tivéssemos visitado o local uma hora antes, o mais provável é que nos imaginássemos em casa, enquanto o nosso vizinho da porta ao lado festejava.

Pelo contrário, poder-se-ia tratar de tudo, menos de festa. Do outro lado do muro estavam milhares de pessoas que escaparam à morte e nada mais querem senão viver. Fazem cálculos das perdas de familiares e de bens e guardam consigo mágoas que só o tempo se encarrega de pagar ou transformar em tristes lembranças. Do outro lado do muro estavam cidadãos da vizinha República Democrática do Congo, de onde, desde o passado mês de Março, já chegaram mais de 30 mil refugiados, vindos das províncias do Kasai e Kasai Central, centro da RDC. Entretanto, instituições não governamentais em serviço no terreno suspeitam que este número possa atingir cerca de 50 mil refugiados, considerando as migrações não registadas pelas autoridades.

Os refugiados congoleses em Angola fogem da violência provocada pelas milícias de Kamwina Nsapu, que já causou, segundo as Nações Unidas, mais de 400 mortos e 1,3 milhões de deslocados.

Mulher congolesa alojada em Cacanda foi apanhar lenha para confeccionar as refeições

Adaptado no local em que acontece a Expo-Cacanga, o centro de acolhimento estende-se num vasto terreno baldio ocupado por tendas brancas com as inscrições da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), casotas de pau-pique e tendas improvisadas com cobertores, panos e sacos. A anoitecer, a poeira junta-se à fumaça que se espalha pelo centro e lentamente ganha altitude, enquanto as crianças correm descuidadas de um canto para o outro e estranham a presença dos mundeles.

As crianças preservam o sorriso e vontade de ser felizes

Viver um dia de cada vez

Pascoal Capamba, de 60 anos, está alojado com a família em Cacanda

Enquanto aguardam pela transferência para o centro definitivo, na localidade do Lóvua, com capacidade para 50 mil pessoas, onde poderão construir o próprio refúgio, os refugiados congoleses distribuídos por dois centros provisórios – Cacanda e Mussungue -  tentam viver um dia de vez, gerindo a limitada refeição que recebem de duas em duas semanas, às sextas-feiras, sábados e domingos. Pascoal Capamba, de 60 anos, tem origens angolanas, mas desde os 17 anos que vive no Congo Democrático, onde é pastor pentecostal. Com seis filhos, o sacerdote conseguiu escapar do conflito sem nenhum tipo de lesão, mas teve que deixar tudo, pois os filhos ainda são muito novos e precisaram do seu amparo ao longo da fuga. Trazia vestida uma camisa amarrotada e suja de suor e poeira, que não trocava havia dias, pois era tudo que tinha. Capamba aguarda por donativo de vestuário para que possa trocar-se.

‍Dinanga Jeremy Lusalwaleza Prince

Já Dinanga Jeremy Lusalwaleza Prince, outro sacerdote (da Igreja Baptista) prefere deixar tudo nas mãos da justiça divina. Aos 45 anos, Dinanga aparenta um homem de mais idade. Percorreu os cerca de dois quilómetros que separam o centro de acolhimento de Capanda do riacho aonde os refugiados vão tratar da sua higiene pessoal  e aproveitou colher lenhas para fazer as refeições. Veio refugiar-se em Angola sozinho, sendo que a família se encontra noutra região do Congo Democrático onde não corre perigo. Informou-nos que dias antes tinha conseguido falar por telemóvel com a família e que aguardava por outra oportunidade para fazer uma chamada. Em Cacanda, os refugiados, segundo um responsável de uma das ONG em serviço no terreno, são incentivados a negociar entre si. Pelo centro adentro avistam-se zungueiros, muitos deles menores de idade, e bancadas instaladas à entrada das tendas. Vendem guloseimas, farinhas, sal e cigarros, produtos muito procurados, mas não mais do que o óleo alimentar e sabão, que são tratados como outro. As mulheres e crianças, estas últimas sempre sorridentes, aproximam-se dos visitantes e a primeira coisa que pedem é o “sabon”, enquanto os homens aprenderam, muito rápido, a pedir por 50 kwanzas.

Mas há quem seja mais inventivo. Debaixo de uma árvore, Placide Mungombo, congolês de 24 anos, fez a sua barbearia. Sobre dois blocos de cimento arrumou os utensílios que conseguiu trazer consigo e atende neste local os clientes que pagam 200 kwanzas por um corte de cabelo. Infelizmente, lamentou, ninguém tem dinheiro, por isso passa horas a fio sem fazer nada. Ter um cliente representa um dia de sorte, comentou.

Centro definitivo estará pronto em Julho

De acordo com o Governo da Lunda Norte, o centro definitivo de acolhimento de refugiados estará pronto no início de Julho, altera em que prevêem começar a realojar as pessoas.

Na altura da nossa visita ao Dundo, em meados de Junho, apercebemo-nos de que já havia equipas de limpeza destacadas no local e previa-se o início da desmatação do terreno nos dias subsequentes.

Segundo o director provincial de Assistência e Reinserção Social, citado pela Lusa, as obras visam criar ruas de modo que se conservem as árvores. “Acreditamos que no final deste mês ou no começo do outro tenhamos já tendas montadas para começarmos a transportar os refugiados dos centros provisórios para o centro definitivo",  informou à agência portuguesa de notícias Wilson Palanca, que coordena a resposta do Governo angolano à crise humanitária provocada pela fuga dos refugiados da vizinha RDC.

O centro provisório de Cacanda dispõe 203 latrinas e Mussungue tem 46, para um total de pelo menos 30.000 refugiados já registados pelas equipas do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

Fonte do ACNUR contactada pela Lusa afirmou que após seis meses a organização prevê avançar para um conceito de habitação de transição, mas por enquanto serão criadas casas de bambu.

Leia também o artigo do jurista António Eduardo.

E sobre o relatório global do ACNUR sobre os refugiados em 2016.

6galeria

Artigos relacionados

No items found.
Thank you! Your submission has been received!
Oops! Something went wrong while submitting the form