Caneta e Papel
Conto

Pluto era um cão maravilhoso

Pluto era um cão maravilhoso
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Pluto era um cão maravilhoso.

Gostava de brincar, saltar, correr atrás de borboletas, ladrar sem motivo.

Pluto achava que era o cão mais livre do mundo. Era um cão sem raça, sem preconceitos. Um cão feliz.

Tinha uma cauda fina, bem fina, para caber entre as pernas sempre que tivesse medo ou dúvidas.

Na cabeça alegre e quadrada de Pluto não cabiam palavras complicadas, nem sequer vontades que estivessem longe da vontade do seu amigo, Mickey, sim, visto que Pluto não tinha dono, tinha amigos, camaradas, companheiros.

O seu melhor e maior companheiro e, principalmente, camarada, era o Mickey.

Rapaz sensato e atento.

Eles tinham uma relação esclarecida.

- Pluto, anda cá!

Lá ía o Pluto.

- Pluto, vai votar!

Lá ia o Pluto votar.

- Votaste como te disse?

Pluto latia alegre e abanava a cauda fina.

- Pluto, vai morder aquele senhor! Sim esse! Esse mesmo que ele não gosta de ti, não gosta de mim, não gosta de ninguém!

Pluto ia e mordia e rosnava, e latia e sofria e, se fosse necessário, Pluto morria, sim, se fosse necessário. Morria as mãos daquele senhor desconhecido, daquele senhor que o odiava, que o matava se ele dormisse, se ele tolerasse, se ele cedesse.

Pluto atacava sem dó nem piedade.

Pluto voltava sempre para o aconchego de Mickey. Para lhe lamber as mãos fortes e gordas, com anéis brilhantes e raros.

Às vezes, Pluto tentava ladrar sozinho. Passear sozinho, ver o que havia do outro lado da vedação do quintal. Mas... Mickey não concordava...

- Pluto, já te disse para não andares a correr atrás de borboletas!

- Pluto, quem te mandou ladrar? Não ladres sempre que ouves um som desconhecido, já te disse!

- Pluto, come o que tens para comer ou prendo-te na casota, tiro-te a água e nunca mais brincas comigo!

Pluto parava, com a língua de fora, atento, incrédulo, mas parava.

Pluto via o Mickey como um pequeno deus.

O seu amigo sabia tudo.

Sabia de arquitectura, de leis, de estradas, de agricultura, de economia,  sabia ver o futuro, sabia falar sem dizer nada.

Pluto estava feliz.

Quem, no mundo, tinha um amigo tão perfeito como ele? Ninguém.

Quem mais mandava na vida e na morte? Ninguém. Só Mickey.

Bem, talvez outros Mickeys que ele não conhecia também conseguissem, mas ele não sabia. Não sabia mesmo, porque Pluto só sabia que era analfabeto e sabia que não sabia onde estava a sua família, a sua casa, sabia que não sabia nada.

Pronto. Pluto não sabia quem era!

Só sabia que era camarada, amigo e companheiro de Mickey!

Quem mais conseguia semelhante privilégio?

Quem?

Talvez o Pateta, amigo comum. Sim, o Pateta estava igualmente feliz.

O Pateta, tal como o Pluto, gostava de sonhar, de viajar, de supor que a felicidade é possível, é verdadeira. Tal como o Pluto, Pateta acreditava cegamente no Mickey.

Pateta era um cão também, mas andava de pé, vestia roupas parecidas com as roupas do Mickey, mas, tal como Pluto, não ladrava, não decidia, não corria atrás de borboletas...

Pluto tinha uma dúvida.

Que borboletas eram aquelas? Que vontade era essa de brincar e ladrar?

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Victor Amorim Guerra

Escritor

Autor do livro “Contos do Céu e da Terra”, obra vencedora da edição 2012 do Prémio Sonangol de Literatura, Victor Amorim Guerra transmite nos seus escritos, de pendor humanista, uma mensagem de paz, solidariedade e amor ao próximo.

Pluto era um cão maravilhoso.

Gostava de brincar, saltar, correr atrás de borboletas, ladrar sem motivo.

Pluto achava que era o cão mais livre do mundo. Era um cão sem raça, sem preconceitos. Um cão feliz.

Tinha uma cauda fina, bem fina, para caber entre as pernas sempre que tivesse medo ou dúvidas.

Na cabeça alegre e quadrada de Pluto não cabiam palavras complicadas, nem sequer vontades que estivessem longe da vontade do seu amigo, Mickey, sim, visto que Pluto não tinha dono, tinha amigos, camaradas, companheiros.

O seu melhor e maior companheiro e, principalmente, camarada, era o Mickey.

Rapaz sensato e atento.

Eles tinham uma relação esclarecida.

- Pluto, anda cá!

Lá ía o Pluto.

- Pluto, vai votar!

Lá ia o Pluto votar.

- Votaste como te disse?

Pluto latia alegre e abanava a cauda fina.

- Pluto, vai morder aquele senhor! Sim esse! Esse mesmo que ele não gosta de ti, não gosta de mim, não gosta de ninguém!

Pluto ia e mordia e rosnava, e latia e sofria e, se fosse necessário, Pluto morria, sim, se fosse necessário. Morria as mãos daquele senhor desconhecido, daquele senhor que o odiava, que o matava se ele dormisse, se ele tolerasse, se ele cedesse.

Pluto atacava sem dó nem piedade.

Pluto voltava sempre para o aconchego de Mickey. Para lhe lamber as mãos fortes e gordas, com anéis brilhantes e raros.

Às vezes, Pluto tentava ladrar sozinho. Passear sozinho, ver o que havia do outro lado da vedação do quintal. Mas... Mickey não concordava...

- Pluto, já te disse para não andares a correr atrás de borboletas!

- Pluto, quem te mandou ladrar? Não ladres sempre que ouves um som desconhecido, já te disse!

- Pluto, come o que tens para comer ou prendo-te na casota, tiro-te a água e nunca mais brincas comigo!

Pluto parava, com a língua de fora, atento, incrédulo, mas parava.

Pluto via o Mickey como um pequeno deus.

O seu amigo sabia tudo.

Sabia de arquitectura, de leis, de estradas, de agricultura, de economia,  sabia ver o futuro, sabia falar sem dizer nada.

Pluto estava feliz.

Quem, no mundo, tinha um amigo tão perfeito como ele? Ninguém.

Quem mais mandava na vida e na morte? Ninguém. Só Mickey.

Bem, talvez outros Mickeys que ele não conhecia também conseguissem, mas ele não sabia. Não sabia mesmo, porque Pluto só sabia que era analfabeto e sabia que não sabia onde estava a sua família, a sua casa, sabia que não sabia nada.

Pronto. Pluto não sabia quem era!

Só sabia que era camarada, amigo e companheiro de Mickey!

Quem mais conseguia semelhante privilégio?

Quem?

Talvez o Pateta, amigo comum. Sim, o Pateta estava igualmente feliz.

O Pateta, tal como o Pluto, gostava de sonhar, de viajar, de supor que a felicidade é possível, é verdadeira. Tal como o Pluto, Pateta acreditava cegamente no Mickey.

Pateta era um cão também, mas andava de pé, vestia roupas parecidas com as roupas do Mickey, mas, tal como Pluto, não ladrava, não decidia, não corria atrás de borboletas...

Pluto tinha uma dúvida.

Que borboletas eram aquelas? Que vontade era essa de brincar e ladrar?

Victor Amorim Guerra

Escritor

Autor do livro “Contos do Céu e da Terra”, obra vencedora da edição 2012 do Prémio Sonangol de Literatura, Victor Amorim Guerra transmite nos seus escritos, de pendor humanista, uma mensagem de paz, solidariedade e amor ao próximo.

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