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Ocupação dos solos no espaço urbano: entre o risco e o lucro

Ocupação dos solos no espaço urbano: entre o risco e o lucro
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Em Luanda, a produção do espaço urbano, desde a sua criação, sempre obedeceu a uma lógica de segregação sócio-espacial resultante da história política colonial, onde de um lado estava o casco urbano e do outro a periferia informal. Após a Independência, a produção do espaço urbano seguiu a mesma lógica por razões diversas. A História, Sociologia, Antropologia, Economia e Psicologia poderiam encarregar-se da sua fundamentação.

Com a saída do colono, moradores da periferia, muitos deles despreparados para o modo de vida urbano, apropriaram-se de parte das habitações, o que resultou também na sua rápida degradação e dos equipamentos de apoio. Quem leu Manuel Rui Monteiro em Quem me dera ser Onda percebe o exposto. Ainda assim, a demanda habitacional era desproporcional à oferta e, por isso, pelo encarecimento do preço do solo urbano, áreas antes destinadas ao uso industrial, com forte potencial de contaminação e outros riscos associados, passaram a ser invadidas e circundadas por habitações informais implantadas por duas categorias populacionais: a) os angolanos regressados dos países vizinhos, sobretudo no Norte, que haviam abandonado o país durante o período de guerra colonial e; b) por aqueles que abandonavam os espaços rurais na expectativa de melhores oportunidades de vida na capital do país.

... a situação da habitação ainda não encontrou respaldo, embora tenham surgido iniciativas, mais politizadas, que revelam necessidade de intervenção.

Até aos nossos dias, a situação da habitação ainda não encontrou respaldo, embora tenham surgido iniciativas, mais politizadas, que revelam necessidade de intervenção. Refiro-me à construção de novas urbanizações, vulgo “centralidades”, que na realidade não são. Deixo essa discussão para outra ocasião. Retomando a questão da segregação e da produção do espaço urbano, esse fenómeno estendeu-se e agravou-se depois do alcance da paz. Desse processo surgem até aos nossos dias bairros que, invariavelmente, adoptaram as denominações das empresas/instituições de onde foram instalar-se. Outras vezes os nomes derivaram das zonas de proveniência dos moradores da área. Foi assim que surgiram os bairros Sonefe, Estalagem, Congolenses, Sonangol, Kikolo, Cuca, Nocal, Vidrul, Cimangola, Induve, entre outros. A Sonefe (hoje adjudicada à ENE), empresa ligada ao sector eléctrico, cuja envolvente continua a ser atravessada por postes de alta e média tensão, constituindo verdadeiro risco às populações, desde a década de 80 que começou a ser ladeada e invadida por habitações informais e hoje a área encontra-se  densamente povoada. O mesmo ocorreu com a Estalagem e outras que terão falido. Cuca e Nocal são provavelmente as maiores e mais antigas cervejeiras do país (no activo) que também deram lugar a bairros populosos com os mesmos nomes. Como estes são também os casos da Vidrul, empresa dedicada à produção de vidros; Cimangola, dedicada à produção de cimento; Cimianto, dedicada à produção de matérias de construção a base de cimento; Induve, dedicada à produção de detergentes; Fabimor, falida antes vocacionada à montagem de motorizadas e bicicletas, Tornang, Sonangol, Petrangol, Combustíveis, Pólvora, etc.

Mesmo depois da conquista da paz, continuaram e continuam a emergir bairros na mesma lógica histórica, económica e administrativa, adoptando designações próprias das zonas de acolhimento, ou outras. É o exemplo do bairro Recolix, em volta do único aterro sanitário em funcionamento em Luanda; bairros Bagdá, Dangereux, Madeira, Belo - Monte, Uige, Sucanor, Malanjinho entre outros. Todos eles construídos sem infra-estruturas básicas (como água, electricidade, saneamento, segurança, asfalto, etc,) sempre numa lógica de informalidade e de subsistência com contingentes populacionais significativos que são o verdadeiro reflexo da ausência de intervenção directa das autoridades administrativas ou por conivência desta, no processo de produção do espaço habitacional em torno de Luanda e quiçá de todo o país.

Por razões óbvias, a capital do país lidera em termos populacionais as demais províncias com mais de 7 milhões de pessoas, número que tende a elevar-se a 12,9 milhões até 2030, segundo projecções das Organização das Nações Unidas.

A aflição das populações e a indiferença das administrações no ordenamento territorial permitiu o cenário a que se assiste sob o olhar despreocupado da sociedade. Os danos decorrentes dessa coabitação podem revelar-se latentes, agora, mas a qualquer momento poderão ser manifestos e nessa condição a culpa continuará solteira.

Do outro lado, reconhece-se que a actividade industrial continua a ser um sector fundamental, sobretudo nesse momento em que se propala a diversificação da economia, todavia não posso deixar de alertar sobre o processo conflituoso entre a necessidade de habitação que é um direito inaliável da dignidade humana e a manutenção do segundo sector da economia que é um imperativo para complementar a realização dos anseios das populações.

A aflição das populações e a indiferença das administrações no ordenamento territorial permitiu o cenário a que se assiste sob o olhar despreocupado da sociedade. Os danos decorrentes dessa coabitação podem revelar-se latentes, agora, mas a qualquer momento poderão ser manifestos e nessa condição a culpa continuará solteira.

O risco é um assunto de abordagem transversal e multidisciplinar, sobretudo no domínio das ciências sociais. Quando o assunto é ignorado, visto como normal ou tratado levianamente, resulta quase sempre em situações como os elevados índices de acidentes de trabalho e rodoviários, morbi-mortalidade por paludismo e outros, a criminalidade, a proliferação religiosa, entre outros, onde a culpa estrategicamente recai quase sempre sobre a população acusada de desrespeito ao código e aos limites de velocidade; que evita o uso de mosquiteiro e faz charcos nas imediações das residências; que não mede meios para alcançar objetivos. Poucas vezes paramos para pensar que constroem-se estradas, e pedonais inseguras, esgotos e valetas abertas, retira-se a possibilidade de ocupação dos tempos livres de jovens e crianças, permite-se sob o olhar das autoridades o surgimento de movimentos religiosos nocivos, de práticas “culturais” alheias aos nossos modos de vida. É imperativo atentar-se à relação entre as condições de vida no espaço urbano e a saúde da população. O bem-estar das pessoas deve ser o princípio, centro e o fim de toda actividade humana (política e económica).

A implosão/explosão demográfica e a desconcentracção industrial, associada à concentracção financeira, constituem binómios que exigem profunda reflexão no actual contexto sócio-espacial de Luanda. Este fenómeno pode já ter produzido, embora não existam estudos empíricos que sustentem a tese, uma cadeia de consequências nos domínios da saúde, sócio-ecológico, económico e político, e poderá constituir sempre problema para as populações, as administrações locais e para as empresas envolvidas, caso não sejam tomadas as devidas medidas de mitigação ou resolução de impactos negativos, pois é preciso acentuar que as pessoas não são coisas que podem ser atiradas ao lixo ou colocadas em gavetas. Espaços no contexto urbano devem ser previamente preparados para acolherem as funcionalidades a que se destinam.

As pessoas “aceitam” a exposição aos riscos decorrentes dos lugares onde construíram moradias, como facto desagradável da vida, todavia, cientes de que pouco ou nada podem fazer para inversão da situação.

Percebe-se que ainda não é crescente a capacidade das populações para identificar, controlar e exigir protecção e preservação ambiental, não obstante alguma parte dela estar plenamente consciente dos riscos iminentes que correm e dos males que advêm das indústrias e de outros sectores da actividade humana com as quais coabitam. Parece não existirem, ainda, iniciativas locais de mobilização e estratégias do movimento social relevantes para fazer exigências de natureza ambiental, através de processos de organização participativa que visam essencialmente introduzir campanhas para uma mudança de paradigma ou vias alternativas por parte das empresas e do Estado. As pessoas “aceitam” a exposição aos riscos decorrentes dos lugares onde construíram moradias, como facto desagradável da vida, todavia, cientes de que pouco ou nada podem fazer para inversão da situação.

Estudos demonstram que a preocupação das populações sobre o ambiente e os impactos humanos sobre os mesmos raramente é automática, mesmo quando as condições são visivelmente más. Nessas condições, o Estado ou a sociedade civil devem ser chamados a intervir como mediadores nesse processo de consciencialização e tomada de medidas de mitigação entre os envolvidos (empresas e moradores). Enquanto isso não acontecer, invariavelmente, a adaptação é o mecanismo, quase que natural, adoptado pelas populações. Talvez seja esse o motivo da permanência delas nas referidas áreas de risco, mas consideradas por elas como necessárias para habitação.

Em Luanda, apesar de alguns casos de reassentamentos registados, muitos deles mal-sucedidos e outros que resultaram em tristes incidentes, observa-se que as várias localizações de risco não são abandonadas, as infra-estruturas e os edifícios não são reformulados, as pressões sobre o ambiente não diminuem sequer. Esta indiferença e despreocupação das autoridades relativamente ao diagnóstico e levantamento das condições que concorrem para aumentar os riscos associados a um determinado acontecimento catastrófico é, no mínimo, surpreendente. Essa postura do Estado, se estivéssemos em sociedades onde o nível de cidadania das populações é elevado, teria custos políticos.

Temos registado ao longo da sua história, variadíssimos incidentes com consequências socio-ambientais ainda por calcular, como são os casos de incêndio da Refinaria de Luanda na década de 80, o incêndio do depósito de combustíveis em Viana, em 2003, onde perdi um colega de escola que desempenhava a função de bombeiro; o incêndio da bomba da Estalagem, a queda de aviões sobre habitações na que circundam o Aeroporto 4 de Fevereiro, a morte de crianças por detonação de bombas antipessoais em espaços antes reservados para a actividade militar, entre outros. Diante desses e outros factos, o desinteresse dos actores envolvidos (Estado, empresas e a população) pela defesa do seu bem-estar, conforto, qualidade de vida e segurança só pode se entendido se acreditarmos que esta relação causa-efeito está ainda muito longe de estar percebida.

O risco refere-se a acontecimentos futuros – ligados às práticas presentes e as situações relativas ao risco não se reduzem ao indivíduo, têm implicações colectivas, afectam a quase todos, independentemente de se o individuo é directamente activo dentro da ordem social. O risco pode ser de ordem natural ou antrópica. O primeiro refere-se aos impactos e distúrbios resultantes de ocupações de territórios sem vocação urbana e o segundo é relativo às transformações e distúrbios resultantes da actividade humana; das empresas que ignoram a existência de populações em sua envolvente e das populações que fazem das envolventes industriais espaços habitacionais.  

Há, actualmente, entre nós, inúmeros factores de risco que contribuem para aumentar a vulnerabilidade: crescimento da população, intensificação do processo de urbanização muitas vezes desordenado, pressões económicas locais, sobretudo na extracção de inertes que resulta na degradação do solo e outras perdas ambientais. As indústrias produzem, claramente, contaminação do ar, do solo e das águas subterrâneas e isso tem influência sobre a saúde das pessoas. Moradores da Cuca inalam diariamente quantidades incalculáveis de gases resultantes da actividade industrial da cervejeira; moradores nas proximidades da Sonils são permanentemente expostos a produtos químicos; moradores dos arredores do Aeroporto 4 de Fevereiro são permanentemente expostos a poluição acústica; para não excluir casas noturnas e lugares de culto que não reúnem condições para contenção acústica e luminosa.

Compete ao Estado garantir um ambiente saudável a cada cidadão, segundo a Constituição da República, pois a contaminação permanente representa risco à saúde, um atentado à vida e aos ecossistemas.

 As populações moradoras dos bairros habitacionais construídos em redor das fábricas, superfícies comerciais como são os “armazéns” do Hoji Ya Henda, mercados do Kikolo e Km 30, precisam de protecção. Compete ao Estado garantir um ambiente saudável a cada cidadão, segundo a Constituição da República, pois a contaminação permanente representa risco à saúde, um atentado à vida e aos ecossistemas.

Os riscos presentes em diversos pontos da capital do país poderão aumentar com o processo de alargamento do Porto de Luanda e da base petrolífera Sonils, a Reabilitação da Baía de Luanda e da Marginal da Corimba para a construção de uma via rápida e outras infra-estruturas que implicaram a conquista de centenas de hectares ao mar para garantir a expansão da cidade. Aliás, o número crescente de habitantes e veículos no casco urbano, para uma cidade sem rede de transportes estruturada, exige a expansão da cidade de Luanda de modo a albergar não só os edifícios que nascem todos os dias, como também equacionar o problema do trânsito. Antecipar-se aos riscos é cuidar da própria da vida.

Destaque

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Moniz Sebastião

Ecologista Social

Em Luanda, a produção do espaço urbano, desde a sua criação, sempre obedeceu a uma lógica de segregação sócio-espacial resultante da história política colonial, onde de um lado estava o casco urbano e do outro a periferia informal. Após a Independência, a produção do espaço urbano seguiu a mesma lógica por razões diversas. A História, Sociologia, Antropologia, Economia e Psicologia poderiam encarregar-se da sua fundamentação.

Com a saída do colono, moradores da periferia, muitos deles despreparados para o modo de vida urbano, apropriaram-se de parte das habitações, o que resultou também na sua rápida degradação e dos equipamentos de apoio. Quem leu Manuel Rui Monteiro em Quem me dera ser Onda percebe o exposto. Ainda assim, a demanda habitacional era desproporcional à oferta e, por isso, pelo encarecimento do preço do solo urbano, áreas antes destinadas ao uso industrial, com forte potencial de contaminação e outros riscos associados, passaram a ser invadidas e circundadas por habitações informais implantadas por duas categorias populacionais: a) os angolanos regressados dos países vizinhos, sobretudo no Norte, que haviam abandonado o país durante o período de guerra colonial e; b) por aqueles que abandonavam os espaços rurais na expectativa de melhores oportunidades de vida na capital do país.

... a situação da habitação ainda não encontrou respaldo, embora tenham surgido iniciativas, mais politizadas, que revelam necessidade de intervenção.

Até aos nossos dias, a situação da habitação ainda não encontrou respaldo, embora tenham surgido iniciativas, mais politizadas, que revelam necessidade de intervenção. Refiro-me à construção de novas urbanizações, vulgo “centralidades”, que na realidade não são. Deixo essa discussão para outra ocasião. Retomando a questão da segregação e da produção do espaço urbano, esse fenómeno estendeu-se e agravou-se depois do alcance da paz. Desse processo surgem até aos nossos dias bairros que, invariavelmente, adoptaram as denominações das empresas/instituições de onde foram instalar-se. Outras vezes os nomes derivaram das zonas de proveniência dos moradores da área. Foi assim que surgiram os bairros Sonefe, Estalagem, Congolenses, Sonangol, Kikolo, Cuca, Nocal, Vidrul, Cimangola, Induve, entre outros. A Sonefe (hoje adjudicada à ENE), empresa ligada ao sector eléctrico, cuja envolvente continua a ser atravessada por postes de alta e média tensão, constituindo verdadeiro risco às populações, desde a década de 80 que começou a ser ladeada e invadida por habitações informais e hoje a área encontra-se  densamente povoada. O mesmo ocorreu com a Estalagem e outras que terão falido. Cuca e Nocal são provavelmente as maiores e mais antigas cervejeiras do país (no activo) que também deram lugar a bairros populosos com os mesmos nomes. Como estes são também os casos da Vidrul, empresa dedicada à produção de vidros; Cimangola, dedicada à produção de cimento; Cimianto, dedicada à produção de matérias de construção a base de cimento; Induve, dedicada à produção de detergentes; Fabimor, falida antes vocacionada à montagem de motorizadas e bicicletas, Tornang, Sonangol, Petrangol, Combustíveis, Pólvora, etc.

Mesmo depois da conquista da paz, continuaram e continuam a emergir bairros na mesma lógica histórica, económica e administrativa, adoptando designações próprias das zonas de acolhimento, ou outras. É o exemplo do bairro Recolix, em volta do único aterro sanitário em funcionamento em Luanda; bairros Bagdá, Dangereux, Madeira, Belo - Monte, Uige, Sucanor, Malanjinho entre outros. Todos eles construídos sem infra-estruturas básicas (como água, electricidade, saneamento, segurança, asfalto, etc,) sempre numa lógica de informalidade e de subsistência com contingentes populacionais significativos que são o verdadeiro reflexo da ausência de intervenção directa das autoridades administrativas ou por conivência desta, no processo de produção do espaço habitacional em torno de Luanda e quiçá de todo o país.

Por razões óbvias, a capital do país lidera em termos populacionais as demais províncias com mais de 7 milhões de pessoas, número que tende a elevar-se a 12,9 milhões até 2030, segundo projecções das Organização das Nações Unidas.

A aflição das populações e a indiferença das administrações no ordenamento territorial permitiu o cenário a que se assiste sob o olhar despreocupado da sociedade. Os danos decorrentes dessa coabitação podem revelar-se latentes, agora, mas a qualquer momento poderão ser manifestos e nessa condição a culpa continuará solteira.

Do outro lado, reconhece-se que a actividade industrial continua a ser um sector fundamental, sobretudo nesse momento em que se propala a diversificação da economia, todavia não posso deixar de alertar sobre o processo conflituoso entre a necessidade de habitação que é um direito inaliável da dignidade humana e a manutenção do segundo sector da economia que é um imperativo para complementar a realização dos anseios das populações.

A aflição das populações e a indiferença das administrações no ordenamento territorial permitiu o cenário a que se assiste sob o olhar despreocupado da sociedade. Os danos decorrentes dessa coabitação podem revelar-se latentes, agora, mas a qualquer momento poderão ser manifestos e nessa condição a culpa continuará solteira.

O risco é um assunto de abordagem transversal e multidisciplinar, sobretudo no domínio das ciências sociais. Quando o assunto é ignorado, visto como normal ou tratado levianamente, resulta quase sempre em situações como os elevados índices de acidentes de trabalho e rodoviários, morbi-mortalidade por paludismo e outros, a criminalidade, a proliferação religiosa, entre outros, onde a culpa estrategicamente recai quase sempre sobre a população acusada de desrespeito ao código e aos limites de velocidade; que evita o uso de mosquiteiro e faz charcos nas imediações das residências; que não mede meios para alcançar objetivos. Poucas vezes paramos para pensar que constroem-se estradas, e pedonais inseguras, esgotos e valetas abertas, retira-se a possibilidade de ocupação dos tempos livres de jovens e crianças, permite-se sob o olhar das autoridades o surgimento de movimentos religiosos nocivos, de práticas “culturais” alheias aos nossos modos de vida. É imperativo atentar-se à relação entre as condições de vida no espaço urbano e a saúde da população. O bem-estar das pessoas deve ser o princípio, centro e o fim de toda actividade humana (política e económica).

A implosão/explosão demográfica e a desconcentracção industrial, associada à concentracção financeira, constituem binómios que exigem profunda reflexão no actual contexto sócio-espacial de Luanda. Este fenómeno pode já ter produzido, embora não existam estudos empíricos que sustentem a tese, uma cadeia de consequências nos domínios da saúde, sócio-ecológico, económico e político, e poderá constituir sempre problema para as populações, as administrações locais e para as empresas envolvidas, caso não sejam tomadas as devidas medidas de mitigação ou resolução de impactos negativos, pois é preciso acentuar que as pessoas não são coisas que podem ser atiradas ao lixo ou colocadas em gavetas. Espaços no contexto urbano devem ser previamente preparados para acolherem as funcionalidades a que se destinam.

As pessoas “aceitam” a exposição aos riscos decorrentes dos lugares onde construíram moradias, como facto desagradável da vida, todavia, cientes de que pouco ou nada podem fazer para inversão da situação.

Percebe-se que ainda não é crescente a capacidade das populações para identificar, controlar e exigir protecção e preservação ambiental, não obstante alguma parte dela estar plenamente consciente dos riscos iminentes que correm e dos males que advêm das indústrias e de outros sectores da actividade humana com as quais coabitam. Parece não existirem, ainda, iniciativas locais de mobilização e estratégias do movimento social relevantes para fazer exigências de natureza ambiental, através de processos de organização participativa que visam essencialmente introduzir campanhas para uma mudança de paradigma ou vias alternativas por parte das empresas e do Estado. As pessoas “aceitam” a exposição aos riscos decorrentes dos lugares onde construíram moradias, como facto desagradável da vida, todavia, cientes de que pouco ou nada podem fazer para inversão da situação.

Estudos demonstram que a preocupação das populações sobre o ambiente e os impactos humanos sobre os mesmos raramente é automática, mesmo quando as condições são visivelmente más. Nessas condições, o Estado ou a sociedade civil devem ser chamados a intervir como mediadores nesse processo de consciencialização e tomada de medidas de mitigação entre os envolvidos (empresas e moradores). Enquanto isso não acontecer, invariavelmente, a adaptação é o mecanismo, quase que natural, adoptado pelas populações. Talvez seja esse o motivo da permanência delas nas referidas áreas de risco, mas consideradas por elas como necessárias para habitação.

Em Luanda, apesar de alguns casos de reassentamentos registados, muitos deles mal-sucedidos e outros que resultaram em tristes incidentes, observa-se que as várias localizações de risco não são abandonadas, as infra-estruturas e os edifícios não são reformulados, as pressões sobre o ambiente não diminuem sequer. Esta indiferença e despreocupação das autoridades relativamente ao diagnóstico e levantamento das condições que concorrem para aumentar os riscos associados a um determinado acontecimento catastrófico é, no mínimo, surpreendente. Essa postura do Estado, se estivéssemos em sociedades onde o nível de cidadania das populações é elevado, teria custos políticos.

Temos registado ao longo da sua história, variadíssimos incidentes com consequências socio-ambientais ainda por calcular, como são os casos de incêndio da Refinaria de Luanda na década de 80, o incêndio do depósito de combustíveis em Viana, em 2003, onde perdi um colega de escola que desempenhava a função de bombeiro; o incêndio da bomba da Estalagem, a queda de aviões sobre habitações na que circundam o Aeroporto 4 de Fevereiro, a morte de crianças por detonação de bombas antipessoais em espaços antes reservados para a actividade militar, entre outros. Diante desses e outros factos, o desinteresse dos actores envolvidos (Estado, empresas e a população) pela defesa do seu bem-estar, conforto, qualidade de vida e segurança só pode se entendido se acreditarmos que esta relação causa-efeito está ainda muito longe de estar percebida.

O risco refere-se a acontecimentos futuros – ligados às práticas presentes e as situações relativas ao risco não se reduzem ao indivíduo, têm implicações colectivas, afectam a quase todos, independentemente de se o individuo é directamente activo dentro da ordem social. O risco pode ser de ordem natural ou antrópica. O primeiro refere-se aos impactos e distúrbios resultantes de ocupações de territórios sem vocação urbana e o segundo é relativo às transformações e distúrbios resultantes da actividade humana; das empresas que ignoram a existência de populações em sua envolvente e das populações que fazem das envolventes industriais espaços habitacionais.  

Há, actualmente, entre nós, inúmeros factores de risco que contribuem para aumentar a vulnerabilidade: crescimento da população, intensificação do processo de urbanização muitas vezes desordenado, pressões económicas locais, sobretudo na extracção de inertes que resulta na degradação do solo e outras perdas ambientais. As indústrias produzem, claramente, contaminação do ar, do solo e das águas subterrâneas e isso tem influência sobre a saúde das pessoas. Moradores da Cuca inalam diariamente quantidades incalculáveis de gases resultantes da actividade industrial da cervejeira; moradores nas proximidades da Sonils são permanentemente expostos a produtos químicos; moradores dos arredores do Aeroporto 4 de Fevereiro são permanentemente expostos a poluição acústica; para não excluir casas noturnas e lugares de culto que não reúnem condições para contenção acústica e luminosa.

Compete ao Estado garantir um ambiente saudável a cada cidadão, segundo a Constituição da República, pois a contaminação permanente representa risco à saúde, um atentado à vida e aos ecossistemas.

 As populações moradoras dos bairros habitacionais construídos em redor das fábricas, superfícies comerciais como são os “armazéns” do Hoji Ya Henda, mercados do Kikolo e Km 30, precisam de protecção. Compete ao Estado garantir um ambiente saudável a cada cidadão, segundo a Constituição da República, pois a contaminação permanente representa risco à saúde, um atentado à vida e aos ecossistemas.

Os riscos presentes em diversos pontos da capital do país poderão aumentar com o processo de alargamento do Porto de Luanda e da base petrolífera Sonils, a Reabilitação da Baía de Luanda e da Marginal da Corimba para a construção de uma via rápida e outras infra-estruturas que implicaram a conquista de centenas de hectares ao mar para garantir a expansão da cidade. Aliás, o número crescente de habitantes e veículos no casco urbano, para uma cidade sem rede de transportes estruturada, exige a expansão da cidade de Luanda de modo a albergar não só os edifícios que nascem todos os dias, como também equacionar o problema do trânsito. Antecipar-se aos riscos é cuidar da própria da vida.

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