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O reconhecimento da coragem dos refugiados

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Comemorado ontem, o 20 de Junho é o Dia Mundial do Refugiado, instituído pela Assembleia Geral da ONU, através da aprovação da resolução 55/76, de 04 de Dezembro de 2000. Uma data que visa “celebrar a força, a coragem e a perseverança das pessoas que foram forçadas a deixar as suas casas e os seus países por causa de guerras, perseguições e violações de direitos humanos”. A Infopédia (dicionário Porto Editora) diz que “refúgio” é (1) “lugar para onde alguém se retira para evitar um perigo, abrigo, retiro”; (2) “Amparo, auxílio”. É este amparo ou auxílio que as pessoas, em determinadas circunstâncias, procuram para a salvaguarda dos direitos e deveres proclamados na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

É neste sentido que a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951), no seu preâmbulo, afirma que “a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada em 10 De dezembro de 1948 pela Assembleia Geral afirmaram o princípio de que os seres humanos, sem distinção, devem gozar dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”. Daí que, ao abrigo do Art.º 1.º A. da mesma Convenção, o termo “refugiado” se aplicará a qualquer pessoa: “1) Que foi considerada refugiada nos termos dos Ajustes de 12 de Maio de 1926 e de 30 de Junho de 1928, ou das Convenções de 28 de Outubro de 1933 e de 10 de Fevereiro de 1938 e do Protocolo de 14 de Setembro de 1939, ou ainda da Constituição da Organização Internacional dos Refugiados”. Saltam-nos à vista várias datas a que refere esse preceito do Direito Internacional Público, baseado no contexto europeu, no entanto é uma situação que ocorre, com frequência, em vários outros continentes. Quer dizer, o problema dos refugiados remonta aos primórdios da humanidade, e um registo memorável foi a fuga de José, Maria e o Menino Jesus para o Egipto, em busca de segurança. Entre várias causas, a instabilidade sociopolítica é das mais violentas e que “força” milhares de pessoas a abandonarem os respectivos países.

É do conhecimento geral que o 20 de Junho era uma data regional de África. Entretanto, devido ao impacto internacional dos refugiados africanos, por solidariedade com o continente-berço da humanidade, foi a data adotada como Dia Mundial do Refugiado.

Justamente neste momento Angola está a braços com a entrada de milhares de refugiados provenientes do país vizinho: A República Democrática do Congo.

... no passado, na década de 60, principalmente, a RDC, ex-Zaire, acolheu milhares de angolanos no seu território, incluindo personalidades e representações de partidos políticos da resistência contra o colonialismo português em Angola.

Segundo o Jornal de Angola, de ontem, “Dados oficiais atestam que cerca de 30 mil refugiados provenientes das províncias do Kasai e Kasai Central, centro da RDC, atravessaram já as fronteiras com Angola, encontrando-se a maioria na província da Lunda Norte”. Em face desta situação, sendo Angola parte da Convenção relativa ao estatuto dos Refugiados (1951), está a agir em conformidade com o Direito Internacional Público, pois, nos termos do n.º 1 do Art.º 33.º dessa convenção, “Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas”. Assim, Angola, ao abrigo do n.º 1 do Art.º 12.º da Constituição da República: “A República de Angola respeita e aplica os princípios da Carta da Organização das Nações Unidas e da Carta da União Africana e estabelece relações de amizade e cooperação com os Estados e povos […]. É nesta conformidade que está a contribuir para a realização dos objectivos da União Africana, consagrados no Art.º 3.º do Acto Constitutivo, nas suas alíneas (a): Alcançar uma maior unidade e solidariedade entre os países e povos de África;e (h): promover e proteger os Direitos do Homem e dos Povos, em conformidade com a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e outros instrumentos pertinentes relativos aos Direitos Humanos”.

Em vez de estranharmos a quem chegue ferido ou carenciado de tudo, devemos antes oferecer-lhe o conforto humano, permitir-lhe o exercício da liberdade individual dentro, claro, dos marcos da lei angolana e do direito internacional.

Daí que o Executivo Angolano e todos os Angolanos estão obrigados jurídica e moralmente a respeitar todas as pessoas que se encontrem nesse estado de vulnerabilidade. Pois no passado, na década de 60, principalmente, a RDC, ex-Zaire, acolheu milhares de angolanos no seu território, incluindo personalidades e representações de partidos políticos da resistência contra o colonialismo português em Angola. Ora, por força do princípio da dignidade da pessoa humana, igualmente consagrado na Constituição Angolana, os angolanos devem agir de forma ética para com todos os refugiados da RDC, independentemente da crise financeira que nos assola, pois, convém neste contexto, chamar-se ética a impugnação da espontaneidade de cada angolano pela presença dos refugiados, como no-lo assevera Emmanuel Levinas. Mais do que os dispositivos legais estaduais e internacionais, é oportuno trazermos aqui as condições propostas por Castanheiras Neves, para que se fale de direito: (a) a condição mundanal, neste contexto particular, os angolanos e os refugiados têm, provisoriamente, que partilhar o espaço territorial da República de Angola; b) a condição antropológica-existencial, na medida em que a indefinição, incompletude da pessoa humana supera-se com a abertura ao outro. Em vez de estranharmos a quem chegue ferido ou carenciado de tudo, devemos antes oferecer-lhe o conforto humano, permitir-lhe o exercício da liberdade individual dentro, claro, dos marcos da lei angolana e do direito internacional; c) a condição ética: que manda reconhecer os outros como pessoas humanas, de tal modo que damos voz a Hegel: “Sê pessoa e reconhece os outros como pessoas”! Só assim podemos dar corpo aos valores da solidariedade e do amor ao próximo, sendo que, a regra de outro nos adverte: “não faças aos outros aquilo que não gostarias que te fizessem a ti”.

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António Eduardo

Jurista

Comemorado ontem, o 20 de Junho é o Dia Mundial do Refugiado, instituído pela Assembleia Geral da ONU, através da aprovação da resolução 55/76, de 04 de Dezembro de 2000. Uma data que visa “celebrar a força, a coragem e a perseverança das pessoas que foram forçadas a deixar as suas casas e os seus países por causa de guerras, perseguições e violações de direitos humanos”. A Infopédia (dicionário Porto Editora) diz que “refúgio” é (1) “lugar para onde alguém se retira para evitar um perigo, abrigo, retiro”; (2) “Amparo, auxílio”. É este amparo ou auxílio que as pessoas, em determinadas circunstâncias, procuram para a salvaguarda dos direitos e deveres proclamados na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

É neste sentido que a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951), no seu preâmbulo, afirma que “a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada em 10 De dezembro de 1948 pela Assembleia Geral afirmaram o princípio de que os seres humanos, sem distinção, devem gozar dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”. Daí que, ao abrigo do Art.º 1.º A. da mesma Convenção, o termo “refugiado” se aplicará a qualquer pessoa: “1) Que foi considerada refugiada nos termos dos Ajustes de 12 de Maio de 1926 e de 30 de Junho de 1928, ou das Convenções de 28 de Outubro de 1933 e de 10 de Fevereiro de 1938 e do Protocolo de 14 de Setembro de 1939, ou ainda da Constituição da Organização Internacional dos Refugiados”. Saltam-nos à vista várias datas a que refere esse preceito do Direito Internacional Público, baseado no contexto europeu, no entanto é uma situação que ocorre, com frequência, em vários outros continentes. Quer dizer, o problema dos refugiados remonta aos primórdios da humanidade, e um registo memorável foi a fuga de José, Maria e o Menino Jesus para o Egipto, em busca de segurança. Entre várias causas, a instabilidade sociopolítica é das mais violentas e que “força” milhares de pessoas a abandonarem os respectivos países.

É do conhecimento geral que o 20 de Junho era uma data regional de África. Entretanto, devido ao impacto internacional dos refugiados africanos, por solidariedade com o continente-berço da humanidade, foi a data adotada como Dia Mundial do Refugiado.

Justamente neste momento Angola está a braços com a entrada de milhares de refugiados provenientes do país vizinho: A República Democrática do Congo.

... no passado, na década de 60, principalmente, a RDC, ex-Zaire, acolheu milhares de angolanos no seu território, incluindo personalidades e representações de partidos políticos da resistência contra o colonialismo português em Angola.

Segundo o Jornal de Angola, de ontem, “Dados oficiais atestam que cerca de 30 mil refugiados provenientes das províncias do Kasai e Kasai Central, centro da RDC, atravessaram já as fronteiras com Angola, encontrando-se a maioria na província da Lunda Norte”. Em face desta situação, sendo Angola parte da Convenção relativa ao estatuto dos Refugiados (1951), está a agir em conformidade com o Direito Internacional Público, pois, nos termos do n.º 1 do Art.º 33.º dessa convenção, “Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas”. Assim, Angola, ao abrigo do n.º 1 do Art.º 12.º da Constituição da República: “A República de Angola respeita e aplica os princípios da Carta da Organização das Nações Unidas e da Carta da União Africana e estabelece relações de amizade e cooperação com os Estados e povos […]. É nesta conformidade que está a contribuir para a realização dos objectivos da União Africana, consagrados no Art.º 3.º do Acto Constitutivo, nas suas alíneas (a): Alcançar uma maior unidade e solidariedade entre os países e povos de África;e (h): promover e proteger os Direitos do Homem e dos Povos, em conformidade com a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e outros instrumentos pertinentes relativos aos Direitos Humanos”.

Em vez de estranharmos a quem chegue ferido ou carenciado de tudo, devemos antes oferecer-lhe o conforto humano, permitir-lhe o exercício da liberdade individual dentro, claro, dos marcos da lei angolana e do direito internacional.

Daí que o Executivo Angolano e todos os Angolanos estão obrigados jurídica e moralmente a respeitar todas as pessoas que se encontrem nesse estado de vulnerabilidade. Pois no passado, na década de 60, principalmente, a RDC, ex-Zaire, acolheu milhares de angolanos no seu território, incluindo personalidades e representações de partidos políticos da resistência contra o colonialismo português em Angola. Ora, por força do princípio da dignidade da pessoa humana, igualmente consagrado na Constituição Angolana, os angolanos devem agir de forma ética para com todos os refugiados da RDC, independentemente da crise financeira que nos assola, pois, convém neste contexto, chamar-se ética a impugnação da espontaneidade de cada angolano pela presença dos refugiados, como no-lo assevera Emmanuel Levinas. Mais do que os dispositivos legais estaduais e internacionais, é oportuno trazermos aqui as condições propostas por Castanheiras Neves, para que se fale de direito: (a) a condição mundanal, neste contexto particular, os angolanos e os refugiados têm, provisoriamente, que partilhar o espaço territorial da República de Angola; b) a condição antropológica-existencial, na medida em que a indefinição, incompletude da pessoa humana supera-se com a abertura ao outro. Em vez de estranharmos a quem chegue ferido ou carenciado de tudo, devemos antes oferecer-lhe o conforto humano, permitir-lhe o exercício da liberdade individual dentro, claro, dos marcos da lei angolana e do direito internacional; c) a condição ética: que manda reconhecer os outros como pessoas humanas, de tal modo que damos voz a Hegel: “Sê pessoa e reconhece os outros como pessoas”! Só assim podemos dar corpo aos valores da solidariedade e do amor ao próximo, sendo que, a regra de outro nos adverte: “não faças aos outros aquilo que não gostarias que te fizessem a ti”.

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