Caneta e Papel
Reflexão

O poder da mente

O poder da mente
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Ela chorava para dentro de si, pois já eram escassas as lágrimas que de tão gastas não mais se possibilitavam soltar. Surgiu-lhe um velho senhor diante da pousada, e preocupado perguntou-lhe:

- Menina, o que fazes neste lugar tão seco e sozinha?

- Este lugar se enche de pessoas vazias como eu, e como seco que é, consigo através dele humedecer a minha alma, que tanto chora para ver se algum dia consegue sorrir.

Perplexo, o velho passou as suas unhas meio afiadas na sua barba branca e eriçada, a exemplo de quem é atacado de repente por uma comichão qualquer, quando algo não lhe fica claro. Então reforçou:

- O que se passa?

- Mas o senhor não tem mais nada a fazer? Já me estou nas tintas para dar explicações às pessoas. O senhor acha que tem sido fácil para mim vomitar todas as angústias que os dias me oferecem como refeição? No fundo, as pessoas só querem é ouvir sem antes o saberem fazer. No final de tudo, ainda sou presenteada com uma enxaqueca, mas no peito, por ser incompreendida. Não, senhor. Não te vou dar explicações sobre minha vida. E mais, sabe-se lá se és simples fruto da minha imaginação?

Comovido, aquele indivíduo de idade adulta e desconhecida não se conteve e sorriu. Minutos depois os sorrisos já se haviam transformado nas mais irritantes gargalhadas possíveis.

- Querida, eu não te venho alargar as feridas, tampouco pretendo colar adesivos nos buracos da tua alma. Mas, o que na verdade eu pretendo, até porque desde já senti que alguma força maior dirigiu-me para este caminho e me trouxe até ti, é que tu levantes deste chão que é a percepção que tens das coisas e saias de ti mesma. Eu, sinceramente, acho engraçado que te castigues dessa forma. Aliás, triste seria se fosses tão infeliz mas inventasses sorrisos que não são teus. Deixa-me dizer-te que eu também já tentei viver vidas alheias tentando fugir do completo aborrecimento que era a minha. Logo, confesso, eu fui percebendo que a velhice já me perseguia e que tudo que na altura vivi foi apenas morte. Hoje eu posso afirmar que nada é mais reconfortante do que ter percebido que Deus ainda olhava por mim. Morrerei a qualquer instante, sei, mas pelo menos morrerei a minha própria morte - argumentou o idoso, trémulo, como se ainda não tivesse tomado o seu café diário.

- E como é possível tu falares assim de vida e morte ao mesmo tempo, como se fossem ambas a mesma coisa? – retrucou a menina, tão confusa, porém maravilhada. Já tinha um sorriso pouco evidente entre os lábios enquanto falava.

- A morte é o próximo estágio da vida e, com isso, é importante que estejamos preparados para ela, viver o máximo que pudermos, aceitar perdê-la como se jamais a tivéssemos possuído. Estas vozes falando dentro de ti são os teus demónios. Este mar de infortúnios que enxurra o teu espírito é o mal da própria mente. Você é uma pessoa muito poderosa, minha filha, acredite! Tudo passa a ser como queremos quando começamos a pensar da maneira que queremos que as coisas aconteçam.

- Mas nem tudo é como desejamos, e para mim nada acontece como eu quero.

- Nada acontece como tu queres, mas talvez aconteça ainda da melhor forma. Se calhar está tudo tão claro, excepto a tua visão. Tu precisas de estar mais à vontade contigo mesma, e evitar que a tua companhia seja a primeira coisa dispensável. Não há amor para com os outros se nos odiarmos a nós mesmos – concluiu o homem estranho.

Então, naqueles dez segundos que se seguiram, a menina olhou para os céus e respirou fundo. Mas, quando voltou a olhar para os lados, já estava novamente sozinha.

Entretanto, percebeu que afinal de contas nunca esteve acompanhada. Aquele velho? Era apenas a sua consciência falando em voz mais audível e com uma forma física.

Depois disso, ela percebeu que afinal de contas tudo parte da mente, e que, quer queiramos ou não, nós somos o que pensamos.

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Widralino

Articulista

Poeta, prosador, fotógrafo, enfim, artista.

Ela chorava para dentro de si, pois já eram escassas as lágrimas que de tão gastas não mais se possibilitavam soltar. Surgiu-lhe um velho senhor diante da pousada, e preocupado perguntou-lhe:

- Menina, o que fazes neste lugar tão seco e sozinha?

- Este lugar se enche de pessoas vazias como eu, e como seco que é, consigo através dele humedecer a minha alma, que tanto chora para ver se algum dia consegue sorrir.

Perplexo, o velho passou as suas unhas meio afiadas na sua barba branca e eriçada, a exemplo de quem é atacado de repente por uma comichão qualquer, quando algo não lhe fica claro. Então reforçou:

- O que se passa?

- Mas o senhor não tem mais nada a fazer? Já me estou nas tintas para dar explicações às pessoas. O senhor acha que tem sido fácil para mim vomitar todas as angústias que os dias me oferecem como refeição? No fundo, as pessoas só querem é ouvir sem antes o saberem fazer. No final de tudo, ainda sou presenteada com uma enxaqueca, mas no peito, por ser incompreendida. Não, senhor. Não te vou dar explicações sobre minha vida. E mais, sabe-se lá se és simples fruto da minha imaginação?

Comovido, aquele indivíduo de idade adulta e desconhecida não se conteve e sorriu. Minutos depois os sorrisos já se haviam transformado nas mais irritantes gargalhadas possíveis.

- Querida, eu não te venho alargar as feridas, tampouco pretendo colar adesivos nos buracos da tua alma. Mas, o que na verdade eu pretendo, até porque desde já senti que alguma força maior dirigiu-me para este caminho e me trouxe até ti, é que tu levantes deste chão que é a percepção que tens das coisas e saias de ti mesma. Eu, sinceramente, acho engraçado que te castigues dessa forma. Aliás, triste seria se fosses tão infeliz mas inventasses sorrisos que não são teus. Deixa-me dizer-te que eu também já tentei viver vidas alheias tentando fugir do completo aborrecimento que era a minha. Logo, confesso, eu fui percebendo que a velhice já me perseguia e que tudo que na altura vivi foi apenas morte. Hoje eu posso afirmar que nada é mais reconfortante do que ter percebido que Deus ainda olhava por mim. Morrerei a qualquer instante, sei, mas pelo menos morrerei a minha própria morte - argumentou o idoso, trémulo, como se ainda não tivesse tomado o seu café diário.

- E como é possível tu falares assim de vida e morte ao mesmo tempo, como se fossem ambas a mesma coisa? – retrucou a menina, tão confusa, porém maravilhada. Já tinha um sorriso pouco evidente entre os lábios enquanto falava.

- A morte é o próximo estágio da vida e, com isso, é importante que estejamos preparados para ela, viver o máximo que pudermos, aceitar perdê-la como se jamais a tivéssemos possuído. Estas vozes falando dentro de ti são os teus demónios. Este mar de infortúnios que enxurra o teu espírito é o mal da própria mente. Você é uma pessoa muito poderosa, minha filha, acredite! Tudo passa a ser como queremos quando começamos a pensar da maneira que queremos que as coisas aconteçam.

- Mas nem tudo é como desejamos, e para mim nada acontece como eu quero.

- Nada acontece como tu queres, mas talvez aconteça ainda da melhor forma. Se calhar está tudo tão claro, excepto a tua visão. Tu precisas de estar mais à vontade contigo mesma, e evitar que a tua companhia seja a primeira coisa dispensável. Não há amor para com os outros se nos odiarmos a nós mesmos – concluiu o homem estranho.

Então, naqueles dez segundos que se seguiram, a menina olhou para os céus e respirou fundo. Mas, quando voltou a olhar para os lados, já estava novamente sozinha.

Entretanto, percebeu que afinal de contas nunca esteve acompanhada. Aquele velho? Era apenas a sua consciência falando em voz mais audível e com uma forma física.

Depois disso, ela percebeu que afinal de contas tudo parte da mente, e que, quer queiramos ou não, nós somos o que pensamos.

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