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“O Estado é o elemento mais fraco na luta pelo resgate dos valores culturais”, afirma linguista Paulo Gamba

“O Estado é o elemento mais fraco na luta pelo resgate dos valores culturais”, afirma linguista Paulo Gamba
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Andrade Lino

O linguista Paulo Gamba afirmou que “o Estado é o elemento mais fraco na luta pelo resgate dos valores culturais, uma vez que se submete a muita instituições nacionais, o que na verdade cria um conjunto de bloqueios para aquilo que é o elevar do ensino e pensamento afrocêntrico”.

O também jurista, que falou, no passado dia 31 de Março, sobre “As línguas tradicionais africanas no resgate da soberania”, na 3ª edição dos Diálogos Culturais, evento realizado pelo projecto Ubuntu, continuou que existem muitas instituições consideradas credíveis, com bastante aceitação, “como a UNESCO, que tem a responsabilidade de modelar os currículos académicos feitos num determinado país. E obviamente, quando a UNESCO faz os seus currículos académicos, é sempre numa perspectiva eurocêntrica. E desse ponto de vista, compreender a África a partir da Europa é como nadar contra a maré”.

Adiante, o orador reforçou que o Estado tem mais projectos políticos do que propriamente culturais, e a assumpção dessa responsabilidade de ser signatário em determinados tratados, faz com que sirva mais os interesses das grandes potências, em detrimento dos interesses dos cidadãos.

“Por outro lado, era mais do que necessário as instituições terem funcionários que dominam as línguas nacionais, de modo que possuam um atendimento ao público bem mais personalizado, mas o que acontece é que elas estão condicionadas. Por exemplo, a África do Sul tem onze línguas oficiais, e dentre as onze, duas são não africanas, designadamente o Africanse e o Inglês, e por isso têm um parlamento equilibrado, ao contrário daqui de Angola, onde o indivíduo, para ser um deputado da Assembleia Nacional, tem que necessariamente falar o Português. Ou seja, o Português é a base do sucesso em Angola. Logo, a desvalorização das línguas africanas conta com o patrocínio do próprio Estado, porque não incentiva a divulgação das mesmas”, lamentou, e realçou que “se continuarmos, não teremos sucesso, porque a implementação da língua deve ser um projecto político”.

“Olhemos para o caso do Lingala, hoje falado por quase todo mundo, porque à dada altura apareceu o Mobotu Sese Seko, que entendeu implementá-la desde a iniciação até ao ensino, por isso não há como não falar. Portanto, enquanto não houver um projecto político sério para a divulgação das línguas nacionais, o Estado será sempre o elemento mais fraco dessa luta”, reiterou.

Com base na sua apresentação, Paulo Gamba relevou a importância das línguas nacionais para o resgate da soberania africana, tendo em conta que o processo colonial teve sucesso com a anulação dessas. “Ou seja, desde o primeiro momento em que os invasores, diga-se as autoridades europeias, conseguiram penetrar o solo africano, o primeiro processo foi a destruição das línguas africanas. E a informação que temos é que as línguas africanas são um factor, não só de identificação de um determinado povo, mas também o elemento espiritual, que liga a pessoa aos seus ancestrais. Com a morte desse elemento, o processo colonial tornou-se mais fácil, e deu-se a transformação do homem original africano para o homem negro no modelo europeu”, explicou, tendo clareado que a intenção foi, fundamentalmente, passar um conjunto de informações à juventude de que as línguas nacionais, independentemente de elas não terem um objectivo comercial, têm um pendor cultural e identitário muito forte.

Para o especialista, a partir do momento em que não somos praticantes dessas línguas, somos um povo pobre, cultural e espiritualmente falando, sabendo que o mosaico cultural linguístico está aqui. “Simplesmente não o recuperamos, ou por receio de estigma, ou então por falta de interesse. Mas essa falta de interesse foi justamente plantada, e a plantação dessa falta de interesse começa com a presença da escravatura, depois com a transformação da escravatura em colonialismo, com todo o objectivo de mudar o projecto colonial, que foi bem pensado do ponto de vista da engenharia, e o resultado acabou por dar louros a esses países que colonizaram África”, argumentou.

Por fim, o convidado precisou que os artistas jogam um papel fundamental na disseminação e no resgate dos valores africanos, porque a nossa sociedade é heterogénea, o que revela que as pessoas têm ocupações diferentes.

“A verdade é que cada um, no seu trabalho, deve primar nesse resgate, pois é um dever de todos e devemos empenhar-nos. Hoje, se vir um edifício, sem que ninguém lhe diga, consegue identificar quando é que é uma edificação feita por chineses e quando é que é europeia, porque cada um deles consegue colocar parte da sua cultura nas suas obras, então nós devemos também fazê-lo”, apelou.

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Andrade Lino

Jornalista

Estudante de Língua Portuguesa e Comunicação, amante de artes visuais, música e poesia.

O linguista Paulo Gamba afirmou que “o Estado é o elemento mais fraco na luta pelo resgate dos valores culturais, uma vez que se submete a muita instituições nacionais, o que na verdade cria um conjunto de bloqueios para aquilo que é o elevar do ensino e pensamento afrocêntrico”.

O também jurista, que falou, no passado dia 31 de Março, sobre “As línguas tradicionais africanas no resgate da soberania”, na 3ª edição dos Diálogos Culturais, evento realizado pelo projecto Ubuntu, continuou que existem muitas instituições consideradas credíveis, com bastante aceitação, “como a UNESCO, que tem a responsabilidade de modelar os currículos académicos feitos num determinado país. E obviamente, quando a UNESCO faz os seus currículos académicos, é sempre numa perspectiva eurocêntrica. E desse ponto de vista, compreender a África a partir da Europa é como nadar contra a maré”.

Adiante, o orador reforçou que o Estado tem mais projectos políticos do que propriamente culturais, e a assumpção dessa responsabilidade de ser signatário em determinados tratados, faz com que sirva mais os interesses das grandes potências, em detrimento dos interesses dos cidadãos.

“Por outro lado, era mais do que necessário as instituições terem funcionários que dominam as línguas nacionais, de modo que possuam um atendimento ao público bem mais personalizado, mas o que acontece é que elas estão condicionadas. Por exemplo, a África do Sul tem onze línguas oficiais, e dentre as onze, duas são não africanas, designadamente o Africanse e o Inglês, e por isso têm um parlamento equilibrado, ao contrário daqui de Angola, onde o indivíduo, para ser um deputado da Assembleia Nacional, tem que necessariamente falar o Português. Ou seja, o Português é a base do sucesso em Angola. Logo, a desvalorização das línguas africanas conta com o patrocínio do próprio Estado, porque não incentiva a divulgação das mesmas”, lamentou, e realçou que “se continuarmos, não teremos sucesso, porque a implementação da língua deve ser um projecto político”.

“Olhemos para o caso do Lingala, hoje falado por quase todo mundo, porque à dada altura apareceu o Mobotu Sese Seko, que entendeu implementá-la desde a iniciação até ao ensino, por isso não há como não falar. Portanto, enquanto não houver um projecto político sério para a divulgação das línguas nacionais, o Estado será sempre o elemento mais fraco dessa luta”, reiterou.

Com base na sua apresentação, Paulo Gamba relevou a importância das línguas nacionais para o resgate da soberania africana, tendo em conta que o processo colonial teve sucesso com a anulação dessas. “Ou seja, desde o primeiro momento em que os invasores, diga-se as autoridades europeias, conseguiram penetrar o solo africano, o primeiro processo foi a destruição das línguas africanas. E a informação que temos é que as línguas africanas são um factor, não só de identificação de um determinado povo, mas também o elemento espiritual, que liga a pessoa aos seus ancestrais. Com a morte desse elemento, o processo colonial tornou-se mais fácil, e deu-se a transformação do homem original africano para o homem negro no modelo europeu”, explicou, tendo clareado que a intenção foi, fundamentalmente, passar um conjunto de informações à juventude de que as línguas nacionais, independentemente de elas não terem um objectivo comercial, têm um pendor cultural e identitário muito forte.

Para o especialista, a partir do momento em que não somos praticantes dessas línguas, somos um povo pobre, cultural e espiritualmente falando, sabendo que o mosaico cultural linguístico está aqui. “Simplesmente não o recuperamos, ou por receio de estigma, ou então por falta de interesse. Mas essa falta de interesse foi justamente plantada, e a plantação dessa falta de interesse começa com a presença da escravatura, depois com a transformação da escravatura em colonialismo, com todo o objectivo de mudar o projecto colonial, que foi bem pensado do ponto de vista da engenharia, e o resultado acabou por dar louros a esses países que colonizaram África”, argumentou.

Por fim, o convidado precisou que os artistas jogam um papel fundamental na disseminação e no resgate dos valores africanos, porque a nossa sociedade é heterogénea, o que revela que as pessoas têm ocupações diferentes.

“A verdade é que cada um, no seu trabalho, deve primar nesse resgate, pois é um dever de todos e devemos empenhar-nos. Hoje, se vir um edifício, sem que ninguém lhe diga, consegue identificar quando é que é uma edificação feita por chineses e quando é que é europeia, porque cada um deles consegue colocar parte da sua cultura nas suas obras, então nós devemos também fazê-lo”, apelou.

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