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“O empreendedor não deve depender do Estado ou de porta que se abre”, alertou Gersy Pegado

“O empreendedor não deve depender do Estado ou de porta que se abre”, alertou Gersy Pegado
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Andrade Lino

A cantora angolana Gersy Pegado afirmou que “o empreendedor não deve depender do Estado, de política ou de porta que se abre”, defendendo que “o empreendedor rompe, faz caminho, e com a sua obra materializada faz-se credível, porque o empreendedorismo não deve depender de autorização”.

O rosto das Gingas do Maculusso, um dos grupos mais antigos e emblemáticos da música popular angolana, falava em Luanda por ocasião do workshop sobre empreendedorismo cultural, decorrido nesse último sábado, no Palácio de Ferro, sob o tema “Geração da economia através da criatividade”, quando declarou que empreender é identificar oportunidades e, com criatividade e iniciativa poder dar vida a um negócio, olhar para um negócio e apresentar uma proposta que gere renda.

Durante a sua intervenção no evento, onde foi prelectora, a artista observou que em Angola os sectores convencionais que geram renda e emprego normalmente não apresentam uma capacidade infinita de gerar emprego, “mas isso não quer dizer que as pessoas que não sejam absorvidas por essa estrutura não possam suprir as suas necessidades”.

Então, o empreendedorismo é sem dúvidas um pilar da diversificação da economia, e assim, no empreendedorismo cultural, o produto será fruto da criatividade, referiu. “Nós temos a política cultural angolana, que é a lei mãe para esse sector, que no seu ponto 7 afirma que existe um grande potencial no sector cultural para a diversificação da economia”, citou Gersy Pegado, mas lamentou por, normalmente, as pessoas não olharem para o artista como um profissional, querendo sempre, num tom diminutivo, perguntar se a pessoa “trabalha”.

“Imagina eu, Gersy Pegado, que faço parte dum grupo feminino, o mais emblemático da música angolana, porque não existe outro de mulheres que faça música popular angolana em língua nacional e eleve valores como a indumentária africana, a naturalidade da mulher, sem cantar sexo, sem se despir, ser questionada se trabalho. O problema é que este é ainda um mercado maioritariamente masculino, em todos os sentidos, de produtores a jornalistas, cantores e empresários”, apontou, embora acredite que as coisas já tenham mudado muito, “à medida que vemos salas cheias, eventos a acontecerem a nível nacional e internacional, conseguindo-se perceber que à volta da cultura existe uma indústria, uma economia, de facto”.

Adiante, a também autora do livro “Gingas na minha retina” asseverou que a economia criativa é o encadeamento de alguns processos que fazem com que a partir de uma ideia se possam activar outros sectores intervenientes, que façam com que haja um sistema. “É o Totó pensar numa música, mas até o produto chegar até nós ele precisar entrar em estúdio, vai intervir um produtor, uma editora, com certeza vai chamar um fotógrafo, um personal stylist para imagem, etc, uma série de sectores envolvidos até a música chegar ao público”, exemplificou, sublinhando que todo esse processo é que faz com que exista a economia criativa, ou seja, “foram activados postos de trabalho e houve geração de renda”.

Entretanto, para que isso seja uma realidade sustentada, referiu, é importante que existam políticas que criem um ambiente onde existam outros intervenientes, porque “em termos de cultura e daquilo que é o nosso sector, tem que se dar a César o que é de César”. Se o cantor tiver que produzir panfletos, procurar rádios, passar de casa em casa para mostrar o seu trabalho, vai se diluir a natureza do criador, advertiu.

Licenciada em Direito pela Universidade Católica de Angola, a oradora dizia que “nós temos a Política da Cultura de Angola, que é um decreto presidencial, e existem a Lei do Mecenato e a Lei dos Direitos de Autor e Conexos”. De acordo com a cantora, muitos questionam o que esse último tem a ver com empreendedorismo. Tem a ver, explicou, porque o empreendedorismo é fruto da criatividade, sendo que tudo nasce com uma ideia inovadora, que, implementada, pode ter valor. Então, a Lei dos Direitos de Autor e Conexos defende o criador e as obras, à medida que, cada vez que uma obra é explorada, cada vez que um artista vê por exemplo a Coca-Cola a usar a sua estampa numa campanha, é dinheiro que é gerado, e isso é mais uma forma de fazer com que a indústria cresça, esclareceu.

“Hoje vemos que artistas como o Burna Boy e outros africanos que já começam a conquistar os grandes palcos e uma das maiores indústrias da cultura que são os Estados Unidos, que nem tem um ministério de tutela, de tanto que o sector é forte, eles hoje são tabelados em termos de negócio, não só por causa da música, mas porque a música é vendida em plataformas digitais. Não são só os espectáculos. Cada vez que eles se apresentam, é uma marca que intervém. Então, começa a haver aqui uma interligação de sectores, uma rede que faz com que exista efectivamente uma indústria, para que possamos empreender e outras pessoas ganhem interesse de investir no sector cultural, porque aquilo que já fazem pode gerar mais dinheiro. Se me apresentarem projectos culturais, eu sei que a acção social é garantida, e a Lei do Mecenato faz com que grupos grandes como a Unitel, Sonangol, enfim, ao se envolverem, possam ver, digamos, os seus impostos desagravados”, argumentou a convidada.

Ainda nesse sentido, Gersy Pegado defendeu haver, a nível de super-estrutura, interesse em fazer com que esse sector cresça, mas há infelizmente uma fraca implementação destas leis, não sendo efectiva a cobertura dos direitos de autor em Angola, e cada vez menos empresas querem patrocinar essas iniciativas, “porque o sistema dá muitas voltas”.

Finalmente, a fonte reparou duas coisas nas quais os artistas precisam trabalhar. A primeira é o sentido de valor e a segunda a mudança de mentalidade. “Muitos olham para a arte como um lugar para ser conhecido. A arte é para fazer obras, é para nos imortalizarmos pela obra, não para aparecer. Sentido de valor, quando cada um de nós tem que pensar que aquilo que há na nossa cabeça não passa na cabeça de mais ninguém. O que seria da música angolana se o Totó e o Gabriel Tchiema não acreditassem no valor das suas ideias, por exemplo?”, questionou-se, tendo alertado para o cultivo da auto-estima, acreditar no projecto e trabalhar nele ao ponto de ser apetecível e credível.

“Porque ninguém nos vai dar essa qualidade. Ideias não servem se não forem materializadas, porque não podem ser protegidas ou defendidas se não tiverem corpo, é apenas sonho”, concluiu.

Refira-se que com as Gingas do Maculusso Gersy Pegado participou nos certames culturais mais importantes de Angola, com destaque para os Festivais Infantis da Canção da Figueira da Foz e de Portimão (1986 e 1990, respectivamente), em Portugal, Festival das Artes UNESCO, no Zimbabwe, em 1995, e nas EXPO 1998, 2005, 2008 e 2010, perfazendo com o grupo pouco mais de 30 anos de carreira.

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Andrade Lino

Jornalista

Estudante de Língua Portuguesa e Comunicação, amante de artes visuais, música e poesia.

A cantora angolana Gersy Pegado afirmou que “o empreendedor não deve depender do Estado, de política ou de porta que se abre”, defendendo que “o empreendedor rompe, faz caminho, e com a sua obra materializada faz-se credível, porque o empreendedorismo não deve depender de autorização”.

O rosto das Gingas do Maculusso, um dos grupos mais antigos e emblemáticos da música popular angolana, falava em Luanda por ocasião do workshop sobre empreendedorismo cultural, decorrido nesse último sábado, no Palácio de Ferro, sob o tema “Geração da economia através da criatividade”, quando declarou que empreender é identificar oportunidades e, com criatividade e iniciativa poder dar vida a um negócio, olhar para um negócio e apresentar uma proposta que gere renda.

Durante a sua intervenção no evento, onde foi prelectora, a artista observou que em Angola os sectores convencionais que geram renda e emprego normalmente não apresentam uma capacidade infinita de gerar emprego, “mas isso não quer dizer que as pessoas que não sejam absorvidas por essa estrutura não possam suprir as suas necessidades”.

Então, o empreendedorismo é sem dúvidas um pilar da diversificação da economia, e assim, no empreendedorismo cultural, o produto será fruto da criatividade, referiu. “Nós temos a política cultural angolana, que é a lei mãe para esse sector, que no seu ponto 7 afirma que existe um grande potencial no sector cultural para a diversificação da economia”, citou Gersy Pegado, mas lamentou por, normalmente, as pessoas não olharem para o artista como um profissional, querendo sempre, num tom diminutivo, perguntar se a pessoa “trabalha”.

“Imagina eu, Gersy Pegado, que faço parte dum grupo feminino, o mais emblemático da música angolana, porque não existe outro de mulheres que faça música popular angolana em língua nacional e eleve valores como a indumentária africana, a naturalidade da mulher, sem cantar sexo, sem se despir, ser questionada se trabalho. O problema é que este é ainda um mercado maioritariamente masculino, em todos os sentidos, de produtores a jornalistas, cantores e empresários”, apontou, embora acredite que as coisas já tenham mudado muito, “à medida que vemos salas cheias, eventos a acontecerem a nível nacional e internacional, conseguindo-se perceber que à volta da cultura existe uma indústria, uma economia, de facto”.

Adiante, a também autora do livro “Gingas na minha retina” asseverou que a economia criativa é o encadeamento de alguns processos que fazem com que a partir de uma ideia se possam activar outros sectores intervenientes, que façam com que haja um sistema. “É o Totó pensar numa música, mas até o produto chegar até nós ele precisar entrar em estúdio, vai intervir um produtor, uma editora, com certeza vai chamar um fotógrafo, um personal stylist para imagem, etc, uma série de sectores envolvidos até a música chegar ao público”, exemplificou, sublinhando que todo esse processo é que faz com que exista a economia criativa, ou seja, “foram activados postos de trabalho e houve geração de renda”.

Entretanto, para que isso seja uma realidade sustentada, referiu, é importante que existam políticas que criem um ambiente onde existam outros intervenientes, porque “em termos de cultura e daquilo que é o nosso sector, tem que se dar a César o que é de César”. Se o cantor tiver que produzir panfletos, procurar rádios, passar de casa em casa para mostrar o seu trabalho, vai se diluir a natureza do criador, advertiu.

Licenciada em Direito pela Universidade Católica de Angola, a oradora dizia que “nós temos a Política da Cultura de Angola, que é um decreto presidencial, e existem a Lei do Mecenato e a Lei dos Direitos de Autor e Conexos”. De acordo com a cantora, muitos questionam o que esse último tem a ver com empreendedorismo. Tem a ver, explicou, porque o empreendedorismo é fruto da criatividade, sendo que tudo nasce com uma ideia inovadora, que, implementada, pode ter valor. Então, a Lei dos Direitos de Autor e Conexos defende o criador e as obras, à medida que, cada vez que uma obra é explorada, cada vez que um artista vê por exemplo a Coca-Cola a usar a sua estampa numa campanha, é dinheiro que é gerado, e isso é mais uma forma de fazer com que a indústria cresça, esclareceu.

“Hoje vemos que artistas como o Burna Boy e outros africanos que já começam a conquistar os grandes palcos e uma das maiores indústrias da cultura que são os Estados Unidos, que nem tem um ministério de tutela, de tanto que o sector é forte, eles hoje são tabelados em termos de negócio, não só por causa da música, mas porque a música é vendida em plataformas digitais. Não são só os espectáculos. Cada vez que eles se apresentam, é uma marca que intervém. Então, começa a haver aqui uma interligação de sectores, uma rede que faz com que exista efectivamente uma indústria, para que possamos empreender e outras pessoas ganhem interesse de investir no sector cultural, porque aquilo que já fazem pode gerar mais dinheiro. Se me apresentarem projectos culturais, eu sei que a acção social é garantida, e a Lei do Mecenato faz com que grupos grandes como a Unitel, Sonangol, enfim, ao se envolverem, possam ver, digamos, os seus impostos desagravados”, argumentou a convidada.

Ainda nesse sentido, Gersy Pegado defendeu haver, a nível de super-estrutura, interesse em fazer com que esse sector cresça, mas há infelizmente uma fraca implementação destas leis, não sendo efectiva a cobertura dos direitos de autor em Angola, e cada vez menos empresas querem patrocinar essas iniciativas, “porque o sistema dá muitas voltas”.

Finalmente, a fonte reparou duas coisas nas quais os artistas precisam trabalhar. A primeira é o sentido de valor e a segunda a mudança de mentalidade. “Muitos olham para a arte como um lugar para ser conhecido. A arte é para fazer obras, é para nos imortalizarmos pela obra, não para aparecer. Sentido de valor, quando cada um de nós tem que pensar que aquilo que há na nossa cabeça não passa na cabeça de mais ninguém. O que seria da música angolana se o Totó e o Gabriel Tchiema não acreditassem no valor das suas ideias, por exemplo?”, questionou-se, tendo alertado para o cultivo da auto-estima, acreditar no projecto e trabalhar nele ao ponto de ser apetecível e credível.

“Porque ninguém nos vai dar essa qualidade. Ideias não servem se não forem materializadas, porque não podem ser protegidas ou defendidas se não tiverem corpo, é apenas sonho”, concluiu.

Refira-se que com as Gingas do Maculusso Gersy Pegado participou nos certames culturais mais importantes de Angola, com destaque para os Festivais Infantis da Canção da Figueira da Foz e de Portimão (1986 e 1990, respectivamente), em Portugal, Festival das Artes UNESCO, no Zimbabwe, em 1995, e nas EXPO 1998, 2005, 2008 e 2010, perfazendo com o grupo pouco mais de 30 anos de carreira.

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