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“Estamos num bom caminho para recuperar o que já fomos”, afirmou Mwana Afrika

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A apresentadora angolana Mwana Afrika afirmou que, em termos de conteúdos sobre cultura e informações que se deve passar, está-se num bom caminho para recuperar o que as mulheres já foram, “porque as sociedades africanas sempre foram muito matriarcais”, por isso acredita estar-se a caminhar neste sentido, ocupando também vários lugares de destaque nos mais variados sectores das sociedades.

De nome próprio Sandra Quiala, a também jornalista, que recentemente conseguiu uma transmissão no canal Trace Brazuca, onde aborda a cultura africana, falava sobre a comemoração da Mulher Africana servir de reflexão para todos os dias, em entrevista ao Taça Cheia, programa da Rádio Essencial, dirigido pelo jornalista Sebastião Vemba.

“Acredito que a reflexão não deve ser só durante este dia ou num dia depois, pelos inúmeros problemas que a mulher africana hoje enfrenta, por ser se calhar o último escalão da hierarquia que as sociedades criaram. Então, podemos reflectir em torno da mulher africana todos os dias. É importante termos uma data que o comité das mulheres africanas decide homenagear, parabenizar e reflectir muito mais sobre a mulher africana. O dia só valeu a pena porque deu para reflectir, aprender, passar a mensagem e trocar experiências”, argumentou a convidada.

Mwana Afrika acredita que hoje as mulheres estão mais abertas a novos aprendizados, a conversas, reflexões em torno da sua importância “para a construção daquelas que são as nossas sociedades” e que num curto período de tempo podem estar a passos de igualdade com as outras mulheres do mundo ou até mesmo homens.

A ainda pesquisadora cultural pensa que da parte dos homens também tem havido esta consciencialização de que as mulheres têm o direito de assumir funções e a competir com igualdade com eles, pois durante um tempo trabalhou com um elevado número de homens e “não foi tão mal”, embora sinta que ainda não é suficiente, há muito por se fazer”.

“Vamos lá chegar, porque África sempre teve mulheres de garra. É só olharmos para a história. Continuamos com o punho forte, apesar do machismo e tudo o resto”, afirmou.

A entrevistada, que revelou falar muito as línguas kikongo, lingala, umbundu, suaíli e perceber kimbundu e zulu, tem vindo a fazer uma série de programas culturais na Televisão Pública de Angola (TPA), nesses últimos 4 anos, no que diz respeito à cultura e valorização nacional.

Entretanto, a avaliação que faz do seu percurso enquanto pesquisadora cultural e no tocante à valorização da mulher num todo remonta a sua infância, tendo revelado que sempre foi muito inquieta em relação às questões que fazia e faz até agora. “É que surge então o projecto Mwana Afrika – Oficina Cultural. Quase todos os projectos que faço são coisas que queria viver e inclusive sempre quis ler um livro sobre a cultura africana sem falar do tempo pré-colonial. Nestes 8 anos, o balanço é muito positivo, aprendo sempre que vou ler, aprendo todos os dias ao pesquisar, sempre que escrevo e quando as partilho. Vivo aprendendo e acredito que daqui a mais 4 anos dará algo bem melhor, uma academia sobre cultura, por exemplo”, partilhou.

Por outro lado, contou que os seus livros são a súmula de todas as pesquisas que já fez sobre África, reúnem mais de 100 temas curiosos sobre o continente, sem a colonização. “Um dos livros é sobre as 11 línguas nacionais e tudo que a história não contou, portanto os livros serão de uso académico, propriamente para apoiar estudantes e não só”, referiu.

Questionada sobre como foi o percurso de ir estudar em Portugal e acabar por trabalhar lá, disse que aquele nunca foi o seu país de eleição e deve ser por questões históricas e por tudo que foi ouvindo relativamente à sua história.

“Fiz lá o mestrado em Finanças, mas regressei ao país porque o meu foco sempre esteve em Angola e, além disso, tudo que escrevo é sobre África. E se for para falar de cultura, então que eu comece por Angola. Escrevia um texto ou outro para o Jornal de Angola, Jornal Cultura e Correios de Angola. Decidi criar uma oficina cultural, senti muito a falta da cultura africana em Portugal, porque na altura eram só a kizomba e o kuduro, o que era muito superficial. Ensinávamos línguas nacionais, culinária e muito mais. O projecto foi um sucesso, e através dele aperceberam-se que sou jornalista e convidaram-me para trabalhar na RTPA em produção de conteúdos e por conseguinte em reportagens. Eu era a única negra quando lá cheguei e a minha passagem por lá foi muito positiva, tive oportunidade de mudar muitas coisas, desde cenários, a perspectiva de fazer conteúdos sobre a real África, coisa que o canal não mostrava e que parecia preconceituoso. Mostrei aspectos tão positivos de África que o canal não mostrava, e foi muito gratificante para mim”, expressou.

E sobre a experiência que teve no que diz respeito ao racismo quando esteve em Portugal, Mwana Afrika afirmou que o racismo é algo que não a abala muito. É firme nas suas acções, conhece-se o suficiente e há muita coisa que já não sente tanto e consegue fazer com que o racista passe a conhecer a sua história e a gostar dela também. “Já sofri racismo no trabalho a nível dos próprios chefes e não só, mas consegui dar a volta por cima”, asseverou.

Mas revelou então que a sua pior experiência enquanto estudante foi em Portugal. “Em Portugal, onde nenhum estrangeiro podia ter a nota mais alta relativamente aos nacionais. Eles fazem isso por causa dos concursos públicos e tinham de sair os nacionais para trabalhar no Estado deles. Eles são priorizados. Isso chocava-me muito. Fiz o mestrado em Finanças e a forma como muitos professores passavam a imagem sobre África e Angola era muito negativa, mas eu sempre combati isso e acho que estes foram os maiores desafios a nível do racismo que já passei”, contou.

Finalmente, a apresentadora declarou que, enquanto influenciadora social e jornalista, acredita que mais do que combater o racismo ou todo tipo de preconceito, “a educação racial para nós e para os outros é a base de tudo, pois, se não nos educarmos, vamos continuar a mendigar atenção, carinho e o respeito dos outros, porque a forma como o outro nos vê depende muito da nossa posição e firmeza”.

Concluiu por isso que há muitos povos que sofrem preconceitos, mas eles são firmes e exigem respeito e, assim sendo, sair a rua só não basta, é importante mudar as estratégias, pois a educação racial e a cultura são as grandes armas para tal.

*Com Francisca Morais Parente

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Andrade Lino

Jornalista

Estudante de Língua Portuguesa e Comunicação, amante de artes visuais, música e poesia.

A apresentadora angolana Mwana Afrika afirmou que, em termos de conteúdos sobre cultura e informações que se deve passar, está-se num bom caminho para recuperar o que as mulheres já foram, “porque as sociedades africanas sempre foram muito matriarcais”, por isso acredita estar-se a caminhar neste sentido, ocupando também vários lugares de destaque nos mais variados sectores das sociedades.

De nome próprio Sandra Quiala, a também jornalista, que recentemente conseguiu uma transmissão no canal Trace Brazuca, onde aborda a cultura africana, falava sobre a comemoração da Mulher Africana servir de reflexão para todos os dias, em entrevista ao Taça Cheia, programa da Rádio Essencial, dirigido pelo jornalista Sebastião Vemba.

“Acredito que a reflexão não deve ser só durante este dia ou num dia depois, pelos inúmeros problemas que a mulher africana hoje enfrenta, por ser se calhar o último escalão da hierarquia que as sociedades criaram. Então, podemos reflectir em torno da mulher africana todos os dias. É importante termos uma data que o comité das mulheres africanas decide homenagear, parabenizar e reflectir muito mais sobre a mulher africana. O dia só valeu a pena porque deu para reflectir, aprender, passar a mensagem e trocar experiências”, argumentou a convidada.

Mwana Afrika acredita que hoje as mulheres estão mais abertas a novos aprendizados, a conversas, reflexões em torno da sua importância “para a construção daquelas que são as nossas sociedades” e que num curto período de tempo podem estar a passos de igualdade com as outras mulheres do mundo ou até mesmo homens.

A ainda pesquisadora cultural pensa que da parte dos homens também tem havido esta consciencialização de que as mulheres têm o direito de assumir funções e a competir com igualdade com eles, pois durante um tempo trabalhou com um elevado número de homens e “não foi tão mal”, embora sinta que ainda não é suficiente, há muito por se fazer”.

“Vamos lá chegar, porque África sempre teve mulheres de garra. É só olharmos para a história. Continuamos com o punho forte, apesar do machismo e tudo o resto”, afirmou.

A entrevistada, que revelou falar muito as línguas kikongo, lingala, umbundu, suaíli e perceber kimbundu e zulu, tem vindo a fazer uma série de programas culturais na Televisão Pública de Angola (TPA), nesses últimos 4 anos, no que diz respeito à cultura e valorização nacional.

Entretanto, a avaliação que faz do seu percurso enquanto pesquisadora cultural e no tocante à valorização da mulher num todo remonta a sua infância, tendo revelado que sempre foi muito inquieta em relação às questões que fazia e faz até agora. “É que surge então o projecto Mwana Afrika – Oficina Cultural. Quase todos os projectos que faço são coisas que queria viver e inclusive sempre quis ler um livro sobre a cultura africana sem falar do tempo pré-colonial. Nestes 8 anos, o balanço é muito positivo, aprendo sempre que vou ler, aprendo todos os dias ao pesquisar, sempre que escrevo e quando as partilho. Vivo aprendendo e acredito que daqui a mais 4 anos dará algo bem melhor, uma academia sobre cultura, por exemplo”, partilhou.

Por outro lado, contou que os seus livros são a súmula de todas as pesquisas que já fez sobre África, reúnem mais de 100 temas curiosos sobre o continente, sem a colonização. “Um dos livros é sobre as 11 línguas nacionais e tudo que a história não contou, portanto os livros serão de uso académico, propriamente para apoiar estudantes e não só”, referiu.

Questionada sobre como foi o percurso de ir estudar em Portugal e acabar por trabalhar lá, disse que aquele nunca foi o seu país de eleição e deve ser por questões históricas e por tudo que foi ouvindo relativamente à sua história.

“Fiz lá o mestrado em Finanças, mas regressei ao país porque o meu foco sempre esteve em Angola e, além disso, tudo que escrevo é sobre África. E se for para falar de cultura, então que eu comece por Angola. Escrevia um texto ou outro para o Jornal de Angola, Jornal Cultura e Correios de Angola. Decidi criar uma oficina cultural, senti muito a falta da cultura africana em Portugal, porque na altura eram só a kizomba e o kuduro, o que era muito superficial. Ensinávamos línguas nacionais, culinária e muito mais. O projecto foi um sucesso, e através dele aperceberam-se que sou jornalista e convidaram-me para trabalhar na RTPA em produção de conteúdos e por conseguinte em reportagens. Eu era a única negra quando lá cheguei e a minha passagem por lá foi muito positiva, tive oportunidade de mudar muitas coisas, desde cenários, a perspectiva de fazer conteúdos sobre a real África, coisa que o canal não mostrava e que parecia preconceituoso. Mostrei aspectos tão positivos de África que o canal não mostrava, e foi muito gratificante para mim”, expressou.

E sobre a experiência que teve no que diz respeito ao racismo quando esteve em Portugal, Mwana Afrika afirmou que o racismo é algo que não a abala muito. É firme nas suas acções, conhece-se o suficiente e há muita coisa que já não sente tanto e consegue fazer com que o racista passe a conhecer a sua história e a gostar dela também. “Já sofri racismo no trabalho a nível dos próprios chefes e não só, mas consegui dar a volta por cima”, asseverou.

Mas revelou então que a sua pior experiência enquanto estudante foi em Portugal. “Em Portugal, onde nenhum estrangeiro podia ter a nota mais alta relativamente aos nacionais. Eles fazem isso por causa dos concursos públicos e tinham de sair os nacionais para trabalhar no Estado deles. Eles são priorizados. Isso chocava-me muito. Fiz o mestrado em Finanças e a forma como muitos professores passavam a imagem sobre África e Angola era muito negativa, mas eu sempre combati isso e acho que estes foram os maiores desafios a nível do racismo que já passei”, contou.

Finalmente, a apresentadora declarou que, enquanto influenciadora social e jornalista, acredita que mais do que combater o racismo ou todo tipo de preconceito, “a educação racial para nós e para os outros é a base de tudo, pois, se não nos educarmos, vamos continuar a mendigar atenção, carinho e o respeito dos outros, porque a forma como o outro nos vê depende muito da nossa posição e firmeza”.

Concluiu por isso que há muitos povos que sofrem preconceitos, mas eles são firmes e exigem respeito e, assim sendo, sair a rua só não basta, é importante mudar as estratégias, pois a educação racial e a cultura são as grandes armas para tal.

*Com Francisca Morais Parente

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