Actualidade
Política

Caso Manuel Vicente “não tem pernas para andar em Angola”

Caso Manuel Vicente “não tem pernas para andar em Angola”
Foto por:
vídeo por:
Sebastião Vemba

O rapper angolano MCK considera que o caso judicial que envolve o antigo Vice-Presidente da República de Angola, Manuel Vicente, “não tem pernas para andar em Angola”. Para o também jurista, “não há certeza nenhuma de que Manuel Vicente seja julgado” em Luanda, sendo que, pelo contrário, a transferência do processo a Angola “é um mau sinal ao próprio combate à corrupção e impunidade” que o Governo de João Lourenço tem defendido.

Em entrevista ao ONgoma News, o também activista cívico criticou a posição de Portugal, que “mostrou, mais uma vez, que vive curvado às benignas relações comerciais com Angola”. Para MCK, o processo em que está envolvido Manuel Vicente “tinha tudo para ser apenas um caso judicial”, porém, o Presidente de Angola, João Lourenço, “transformou num caso de estado e chegou mesmo a ‘cortar’ algumas relações com Portugal, que por sua vez cedeu”, remetendo o processo à justiça angolana. “Foi uma atitude de premiar a ilicitude”, criticou ainda.

“Nós vencemos, porque continuamos a ter a mesma opinião e as autoridades é que mudaram de atitude e se vergaram perante a Constituição da República"

O rapper MCK conversou com o ONgoma News dias depois do concerto musical “Proibido Ver Isto”, o primeiro após vários espectáculos banidos nos últimos anos do mandato de José Eduardo dos Santos na presidência de Angola. O artista reuniu amigos e fãs no Cine Atlântico, na capital Luanda, onde contou com a presença de Valete, de Portugal, e Azagaia, de Moçambique. Para ele, a realização desse espectáculo foi a demonstração de que o Governo angolano vai-se vergando perante as leis vigentes no país, uma vez que os músicos críticos do sistema político e da má governação continuam a defender os mesmos ideais.

“Nós vencemos, porque continuamos a ter a mesma opinião e as autoridades é que mudaram de atitude e se vergaram perante a Constituição da República. Houve, ao longo dos últimos anos, uma imposição artística da nossa parte, que determinou um comportamento novo do regime e não o contrário, pois não é um favor que o Governo está a fazer-nos, mas é um ganho das várias exigências democráticas que fizemos. Hoje, MCK, Luaty, Flagelo Urbano e Carbono, para citar alguns, são tão importantes quanto os artistas da LS Republicano, da Semba e de outras editoras, sendo que não fazia sentido sermos tratados de forma diferente. Ou seja, enquanto a uns permitiam tudo e mais alguma coisa, a outros nada, quando a Lei é a mesma e igual para todos. A igualdade jurídica é um dos princípios fundamentais de qualquer estado democrático e de direitos”, defendeu MCK.

Na opinião desse artista, após a sucessão presidencial ocorrida em Setembro de 2017, “alguns dirigentes que obedeciam cegamente as regras superiores”, parte delas inexistentes, “hoje sentem-se obrigados” a agir de forma diferente, em função da “nova governação e em respeito e observância da Constituição”.

“Os argumentos que usavam eram diversos, desde ordens superiores à falta de visto cultural. A minha empresa, ‘Masta K’, tem todos os documentos que comprovam a sua legalidade, e mesmo que não fosse uma empresa, eu como artista, a título singular, posso produzir o meu concerto sem nenhum tipo de impedimento. Por um lado, os critérios usados para barrar os meus concertos eram muito subjectivos e estavam em contradição com a lei, por outro lado, a lei não era aplicada com igualdade de tratamento. Ou seja, era possível para alguns artistas sem visto cultural realizar shows, mas para mim e outros que fazem rap interventivo e crítica política não o era”.

João Lourenço demarca-se da liderança anterior

“Repare que, em menos de um ano no poder, ele apresentou-se para uma entrevista colectiva, acto que o anterior presidente não conseguiu fazer em 38 anos"

No entendimento de MCK, o presidente angolano, João Lourenço, está a dar sinais que o diferenciam da liderança anterior, que ficou manchada por perseguições políticas, não só de artistas, mas também de jornalistas e de activistas cívicos. “Acompanhámos casos como o de Cassule e Camolingue, de Alberto Ganga, de Cherokee e Ricardo de Melo. Foi um governo ditador que atropelava a liberdade de expressão, onde todos se vergavam ao culto de personalidade de José Eduardo dos Santos. Além dele, havia uma figura paralela que era ‘Ordens Superiores’”, criticou.

Em mais ou menos dez meses de governação, para MCK, João Lourenço aboliu o culto à personalidade. “Repare que, em menos de um ano no poder, ele apresentou-se para uma entrevista colectiva, acto que o anterior presidente não conseguiu fazer em 38 anos. Portanto, há sinais positivos que o demarcam do anterior presidente, mas ainda há factores que me fazem ter alguma dúvida, nomeadamente o facto de João Lourenço pertencer ao partido MPLA, que sempre governou o país, e também pelo facto de ter sido eleito, tal como José Eduardo dos Santos, sem escrutínio transparente e usando meios da imprensa pública de forma desigual. Curiosamente, a mesma imprensa pública hoje apresenta uma abertura completamente diferente”.

Questionado sobre a falta de transparência no processo eleitoral de 2017, MCK afirmou que “não se pode dizer, exactamente, que houve fraude eleitoral, mas foi desrespeitada a regra do tempo de antena dos partidos na campanha eleitoral, e isto foi visto por todos angolanos, ao longo das três últimas eleições”, argumentou. Porém, defendeu que, com a actual abertura do Governo de João Lourenço, “cada angolano deve tirar a sua cidadania do ‘modo de voo’ e exercê-la, pedindo transparência na governação, questionando e participando activamente na vida política do país”.

Para a fonte, “as pessoas que sempre correram em busca de democracia, justiça, paz e liberdade [em Angola] vão usar essa abertura para melhorar qualidade das suas críticas, e em vez de ficar simplesmente na acusação, terão também oportunidades de sugerir soluções”, pois vive-se “um período de negociação com as instituições públicas e governamentais”.

Entretanto, alertou, “aqueles que sempre fizeram críticas só por fazer, vão desaparecer, mas os que sempre tiveram uma participação activa e sempre olharam para Angola com olhos de transformação e vontade de melhorar o futuro, sobreviverão a esta nova fase”.

Menos “valores morais e monetários”

MCK vai lançar, em Agosto, um novo trabalho discográfico, intitulado “Valores”, em que vai reflectir sobre o “novo momento” se vive em Angola

Formado em Filosofia, pela Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto, e em Direito pela Universidade Católica de Angola, MCK vai lançar, em Agosto, um novo trabalho discográfico, intitulado “Valores”, em que vai reflectir sobre o “novo momento” se vive em Angola, onde os cidadãos tanto estão perder “valores morais, quanto monetários”, devido à crise. “Mas trago nesse trabalho outros valores, como espiritualidade, amor, liberdade, respeito, orgulho e saúde acima de tudo”, afirmou.

No próximo domingo, 05 de Agosto, o rapper fará um show de apresentação desse trabalho e conta com as participações de Kid MC, Pai Grande “O Poeta”, Dr. Romeu, Chris MC, Kevin Kuller e Mona Dya Kidi. A venda e sessão de autógrafos está marcada para o dia 12 de Agosto, na Praça da Independência.

Sobre a crise económica e financeira que Angola vive desde 2014, MCK, que também é empreendedor, afirma que “os últimos três anos foram muito difíceis para os empresários e para a população em geral”.

“A Master K, como qualquer outra empresa, também sofreu. Por exemplo, tivemos que reduzir alguns benefícios que os trabalhadores usufruíam e isso com certeza afectou a qualidade de vida das suas famílias. Mas não tinham muitas opções. Ou despedíamos trabalhadores, ou reduzíamos benefícios”, esclareceu.

Relativamente ao concerto musical, realizado em finais de Abril, os resultados ultrapassaram as suas expectativas, considerando “o momento muito difícil e de incertezas económicas em que as pessoas têm menos poder de compras”.

“Em termos da relação custo-benefício sentimo-nos satisfeitos. Os nossos concertos são sempre organizados e custeados com recursos próprios, não contamos com ajuda de nenhum patrocinador, daí a importância de serem realizados apenas com a certeza de viabilidade comercial, pois, caso contrário, caíamos na falência”, informou, tendo revelado que o espectáculo teve um custo de produção superior a 5 milhões de kwanzas.

“Está tudo mais caro. Repare que há 4 anos atrás o Cine Atlântico custou-nos 650 mil kwanzas e hoje custa o dobro do valor. Pude contar com amigos, com os quais fizemos apenas trocas de serviços, e isso permitiu a redução de custos”.

 

Destaque

No items found.

6galeria

Sebastião Vemba

Fundador e Director Editorial do ONgoma News

Jornalista, apaixonado pela escrita, fotografia e artes visuais. Tem interesses nas novas medias, formação e desenvolvimento comunitário.

O rapper angolano MCK considera que o caso judicial que envolve o antigo Vice-Presidente da República de Angola, Manuel Vicente, “não tem pernas para andar em Angola”. Para o também jurista, “não há certeza nenhuma de que Manuel Vicente seja julgado” em Luanda, sendo que, pelo contrário, a transferência do processo a Angola “é um mau sinal ao próprio combate à corrupção e impunidade” que o Governo de João Lourenço tem defendido.

Em entrevista ao ONgoma News, o também activista cívico criticou a posição de Portugal, que “mostrou, mais uma vez, que vive curvado às benignas relações comerciais com Angola”. Para MCK, o processo em que está envolvido Manuel Vicente “tinha tudo para ser apenas um caso judicial”, porém, o Presidente de Angola, João Lourenço, “transformou num caso de estado e chegou mesmo a ‘cortar’ algumas relações com Portugal, que por sua vez cedeu”, remetendo o processo à justiça angolana. “Foi uma atitude de premiar a ilicitude”, criticou ainda.

“Nós vencemos, porque continuamos a ter a mesma opinião e as autoridades é que mudaram de atitude e se vergaram perante a Constituição da República"

O rapper MCK conversou com o ONgoma News dias depois do concerto musical “Proibido Ver Isto”, o primeiro após vários espectáculos banidos nos últimos anos do mandato de José Eduardo dos Santos na presidência de Angola. O artista reuniu amigos e fãs no Cine Atlântico, na capital Luanda, onde contou com a presença de Valete, de Portugal, e Azagaia, de Moçambique. Para ele, a realização desse espectáculo foi a demonstração de que o Governo angolano vai-se vergando perante as leis vigentes no país, uma vez que os músicos críticos do sistema político e da má governação continuam a defender os mesmos ideais.

“Nós vencemos, porque continuamos a ter a mesma opinião e as autoridades é que mudaram de atitude e se vergaram perante a Constituição da República. Houve, ao longo dos últimos anos, uma imposição artística da nossa parte, que determinou um comportamento novo do regime e não o contrário, pois não é um favor que o Governo está a fazer-nos, mas é um ganho das várias exigências democráticas que fizemos. Hoje, MCK, Luaty, Flagelo Urbano e Carbono, para citar alguns, são tão importantes quanto os artistas da LS Republicano, da Semba e de outras editoras, sendo que não fazia sentido sermos tratados de forma diferente. Ou seja, enquanto a uns permitiam tudo e mais alguma coisa, a outros nada, quando a Lei é a mesma e igual para todos. A igualdade jurídica é um dos princípios fundamentais de qualquer estado democrático e de direitos”, defendeu MCK.

Na opinião desse artista, após a sucessão presidencial ocorrida em Setembro de 2017, “alguns dirigentes que obedeciam cegamente as regras superiores”, parte delas inexistentes, “hoje sentem-se obrigados” a agir de forma diferente, em função da “nova governação e em respeito e observância da Constituição”.

“Os argumentos que usavam eram diversos, desde ordens superiores à falta de visto cultural. A minha empresa, ‘Masta K’, tem todos os documentos que comprovam a sua legalidade, e mesmo que não fosse uma empresa, eu como artista, a título singular, posso produzir o meu concerto sem nenhum tipo de impedimento. Por um lado, os critérios usados para barrar os meus concertos eram muito subjectivos e estavam em contradição com a lei, por outro lado, a lei não era aplicada com igualdade de tratamento. Ou seja, era possível para alguns artistas sem visto cultural realizar shows, mas para mim e outros que fazem rap interventivo e crítica política não o era”.

João Lourenço demarca-se da liderança anterior

“Repare que, em menos de um ano no poder, ele apresentou-se para uma entrevista colectiva, acto que o anterior presidente não conseguiu fazer em 38 anos"

No entendimento de MCK, o presidente angolano, João Lourenço, está a dar sinais que o diferenciam da liderança anterior, que ficou manchada por perseguições políticas, não só de artistas, mas também de jornalistas e de activistas cívicos. “Acompanhámos casos como o de Cassule e Camolingue, de Alberto Ganga, de Cherokee e Ricardo de Melo. Foi um governo ditador que atropelava a liberdade de expressão, onde todos se vergavam ao culto de personalidade de José Eduardo dos Santos. Além dele, havia uma figura paralela que era ‘Ordens Superiores’”, criticou.

Em mais ou menos dez meses de governação, para MCK, João Lourenço aboliu o culto à personalidade. “Repare que, em menos de um ano no poder, ele apresentou-se para uma entrevista colectiva, acto que o anterior presidente não conseguiu fazer em 38 anos. Portanto, há sinais positivos que o demarcam do anterior presidente, mas ainda há factores que me fazem ter alguma dúvida, nomeadamente o facto de João Lourenço pertencer ao partido MPLA, que sempre governou o país, e também pelo facto de ter sido eleito, tal como José Eduardo dos Santos, sem escrutínio transparente e usando meios da imprensa pública de forma desigual. Curiosamente, a mesma imprensa pública hoje apresenta uma abertura completamente diferente”.

Questionado sobre a falta de transparência no processo eleitoral de 2017, MCK afirmou que “não se pode dizer, exactamente, que houve fraude eleitoral, mas foi desrespeitada a regra do tempo de antena dos partidos na campanha eleitoral, e isto foi visto por todos angolanos, ao longo das três últimas eleições”, argumentou. Porém, defendeu que, com a actual abertura do Governo de João Lourenço, “cada angolano deve tirar a sua cidadania do ‘modo de voo’ e exercê-la, pedindo transparência na governação, questionando e participando activamente na vida política do país”.

Para a fonte, “as pessoas que sempre correram em busca de democracia, justiça, paz e liberdade [em Angola] vão usar essa abertura para melhorar qualidade das suas críticas, e em vez de ficar simplesmente na acusação, terão também oportunidades de sugerir soluções”, pois vive-se “um período de negociação com as instituições públicas e governamentais”.

Entretanto, alertou, “aqueles que sempre fizeram críticas só por fazer, vão desaparecer, mas os que sempre tiveram uma participação activa e sempre olharam para Angola com olhos de transformação e vontade de melhorar o futuro, sobreviverão a esta nova fase”.

Menos “valores morais e monetários”

MCK vai lançar, em Agosto, um novo trabalho discográfico, intitulado “Valores”, em que vai reflectir sobre o “novo momento” se vive em Angola

Formado em Filosofia, pela Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto, e em Direito pela Universidade Católica de Angola, MCK vai lançar, em Agosto, um novo trabalho discográfico, intitulado “Valores”, em que vai reflectir sobre o “novo momento” se vive em Angola, onde os cidadãos tanto estão perder “valores morais, quanto monetários”, devido à crise. “Mas trago nesse trabalho outros valores, como espiritualidade, amor, liberdade, respeito, orgulho e saúde acima de tudo”, afirmou.

No próximo domingo, 05 de Agosto, o rapper fará um show de apresentação desse trabalho e conta com as participações de Kid MC, Pai Grande “O Poeta”, Dr. Romeu, Chris MC, Kevin Kuller e Mona Dya Kidi. A venda e sessão de autógrafos está marcada para o dia 12 de Agosto, na Praça da Independência.

Sobre a crise económica e financeira que Angola vive desde 2014, MCK, que também é empreendedor, afirma que “os últimos três anos foram muito difíceis para os empresários e para a população em geral”.

“A Master K, como qualquer outra empresa, também sofreu. Por exemplo, tivemos que reduzir alguns benefícios que os trabalhadores usufruíam e isso com certeza afectou a qualidade de vida das suas famílias. Mas não tinham muitas opções. Ou despedíamos trabalhadores, ou reduzíamos benefícios”, esclareceu.

Relativamente ao concerto musical, realizado em finais de Abril, os resultados ultrapassaram as suas expectativas, considerando “o momento muito difícil e de incertezas económicas em que as pessoas têm menos poder de compras”.

“Em termos da relação custo-benefício sentimo-nos satisfeitos. Os nossos concertos são sempre organizados e custeados com recursos próprios, não contamos com ajuda de nenhum patrocinador, daí a importância de serem realizados apenas com a certeza de viabilidade comercial, pois, caso contrário, caíamos na falência”, informou, tendo revelado que o espectáculo teve um custo de produção superior a 5 milhões de kwanzas.

“Está tudo mais caro. Repare que há 4 anos atrás o Cine Atlântico custou-nos 650 mil kwanzas e hoje custa o dobro do valor. Pude contar com amigos, com os quais fizemos apenas trocas de serviços, e isso permitiu a redução de custos”.

 

6galeria

Artigos relacionados

No items found.
Thank you! Your submission has been received!
Oops! Something went wrong while submitting the form