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Autores da mini-série “Treze dias longe do sol” partilham experiência da criação da telenovela

Autores da mini-série “Treze dias longe do sol” partilham experiência da criação da telenovela
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Tem acompanhado a mini-série da Globo “Treze dias longe do sol”, que segundo relatos da imprensa brasileira, a atingiu a segunda maior audiência daquela cadeia televisiva em quase 17 anos?

Já nos últimos episódios, o actor Selton Mello, principal protagonista na trama, nas vestes de Saulo, reconhecido como um dos grandes artistas da sua geração, pois encara desafios dos mais diversos, transformando-se em personagens surpreendentes, conta como foi viver a figura, numa entrevista partilhada com o ONgoma News, e os directores Elena Soárez  e Luciano Moura, por sua vez, abordam o nascimento do projecto, até a sua fase final.

Em que momento acha que o Saulo passou da ambição para a ganância? Ou identifica apenas o lado ambicioso?

O Saulo, certamente, no período em que essa história é contada, passou do ponto da ambição para a ganância. Existe uma ligação enorme do meu personagem com a Gilda, vivida pela Débora Bloch. E você começa a descobrir, por meio dela e de outros personagens lá de cima, coisas sobre o meu personagem. O Saulo é um herói que usou um calculista amigo, em vez de usar o melhor calculista do mercado; usou um material não tão bom em vez de usar o melhor, para poder juntar o dinheiro necessário para comprar a empresa. A sua ambição levou a essa tragédia. O telespectador torce por ele, mas, daqui a pouco, já não sabe se deveria.

Acredita que o público vai fazer uma ligação da ficção com a realidade?

Acho que é uma história bastante actual, forte, que prende. Envolve política, propina, construtoras e esse engenheiro que quer fazer tudo do jeito dele, passando por cima dos outros. Não dá para descolar tanto assim do que está a  acontecer hoje em dia.

Como foi a sua preparação para viver o Saulo?

Não sei se é a idade, o tempo, a experiência, mas acho que o actor é um observador. Se ele não estiver atento, ele não é um bom actor. Então, quando você vai fazer um médico, um bombeiro, um Chicó (referência ao seu personagem em ‘O Auto da Compadecida’), um curandeiro (referência ao seu personagem em ‘A Cura’), um sedutor, bon vivant do século XVIII, de outros tempos, tem que estar ligado à vida. Eu acho que o Saulo não estava preparado e eu também não, para a maneira de fazer esse personagem. Eu fui construindo-o muito bem direccionado pelo Luciano, um director tão especial, que eu admiro há muito tempo, e pelo texto da Elena, essa grande roteirista. O Luciano é preciso: ele sabe muito bem a história que quer contar, sabe o tom que quer dar. E eu gosto cada vez mais de estar entregue ao “aqui e agora”, de estar saudavelmente despreparado para o jogo, para os outros actores. Trabalhei com actores que eu não conhecia – fantásticos, todos eles. A Camila Márdila, o Antônio Fábio, o Rômulo Braga, o Démick Lopes, o Arilson Lopes, Marcos de Andrade, grandes actores de teatro. Eles vêm de uma escola do teatro e trouxeram uma carga muito forte para os subterrados, que também me ajudou muito.

Em algumas cenas, há esforço físico. Preparou-se de alguma maneira para viver esses momentos?

Esse trabalho caiu num bom momento da minha vida. Eu tenho me preparado e cuidado melhor de mim, para mim mesmo. Estou num bom momento, mais apto a fazer cenas complexas fisicamente. Esse foi também um dos motivos que me encantou no projecto. Primeiro, que é um personagem riquíssimo, com muitas nuances. Depois, porque foi um trabalho físico que eu nunca tinha feito como actor: subir rampas, descer ductos, subir em elevadores, quebrar coisas, entrar em áreas alagadas com corda para salvar as pessoas – nunca tinha vivido nada disso. Tive uma preparadora física e havia uma fisioterapeuta constantemente connosco. Nós, os subterrados, fazíamos alongamentos antes de cada cena para ajudar nos movimentos mais complicados.

É actor e director. Isso amplia as suas possibilidades na actuação ou fica mais crítico?

O facto de dirigir também me dá a dimensão de como tudo é feito. Eu descobri uma coisa: o actor é importante para a cena, mas o fotógrafo é tanto quanto ele, assim como contrarregra, o produtor musical, o editor, etc. Aprendi mais sobre o processo como um todo. Quando eu vou actuar, sinto-me quase de férias. Quando eu dirijo, é um trabalho tão grande, tem que pensar em tanta coisa, que, quando eu actuo, eu penso: "Nossa, eu só tenho que fazer o meu? Que fácil" (risos). É um trabalho meio individual, de você pensar só no seu jeito, como você se vai comportar, o comportamento do seu personagem, como injectar humanidade nesse personagem para o público se identificar e se comover. Actuar para mim é leve, mesmo num trabalho denso como esse.

A criação e a direcção de Elena Soárez e Luciano Moura

Elena, economista e antropóloga, escreveu “Eu Tu Eles”, “Casa de Areia”, “Filhos do Carnaval”. Já Luciano dirigiu episódios de “Felizes Para Sempre”, “Filhos do Carnaval” e “Psi”, e a longa-metragem “A Busca”, com Wagner Moura. Casados, Elena Soárez e Luciano Moura escreveram juntos “A Busca” e agora “Treze Dias Longe do Sol”. Luciano também assina a direcção artística. E aqui, juntos, contam como foi dar (e fazer perder) luz a uma história tão real.

De onde partiu a ideia inicial da série?

Elena – Eu leio muito os jornais e é raro o dia em que não recorte algo; sempre há uma notícia que pode servir em algum momento. Guardo tudo numa caixa e, às vezes, abro-a para tentar tirar um argumento dali. Numa dessas vezes, vi que acabei juntando algumas notícias sobre desabamentos, sobre o caso do submarino russo que tinha sobreviventes, sobre desabamentos no Rio de Janeiro, como o Palace 2, e outros em São Paulo. E percebi que tinha um certo assunto comum entre eles, que é o confinamento, a situação-limite, as pessoas sucumbindo ou transformando-se.

Luciano – A ideia da série foi sendo construída aos poucos. Nasceu do desejo de contar uma história com essa diferença: como as pessoas se transformam a partir de uma grande tragédia? Aqui, há uma mescla de drama com thriller, de você ficar a torcer pelo resgate, mas com uma história emocional, com ênfase no sentimento daqueles personagens. É um grande evento que detona uma série de transformações nos personagens. Gente que se transforma, que chora, que ri, que encontra o novo sentido dentro de uma desgraça. E gente que tem esperança no final, porque existe a possibilidade de transformação real. Toda a tragédia gera isso de certa forma. Estamos mais interessados na história das pessoas do que na do próprio evento, que acontece logo de cara. O prédio desaba no primeiro episódio.

O que podem contar sobre o Saulo e a Marion?

Luciano – Saulo é alguém que se fez sozinho. Quando chegou, não conhecia ninguém, não tinha família na cidade. Muito sagaz, desejando muito afastar-se da sua origem. Ele rapidamente entrou nessa empresa e o dono, Baretti, o pai, viu nele um sujeito de grande potencial. A sua ascensão foi rápida. Saulo é uma pessoa muito confiante, dono de si, que nunca acha que algo vai dar errado. Mas, dessa vez, no Centro Médico, ele deu um passo maior que a perna. Ele ia perder a Baretti, que ia ser vendida com a morte do dono, e tentou dar um jeito para isso não acontecer, fazendo este centro médico da forma mais enxuta possível. E aí, esse Saulo – confiante, arrogante, dono do próprio destino – vê tudo o que acreditava ruir. E aí passa por uma transformação forte. Quando o Selton leu a última cena, ele disse: "Essa cena é a que me convenceu a fazer este projecto". Tive a sorte de contar com Selton Mello, que é um grande actor e muito carismático. Eu precisava de alguém como ele. Quanto à Carolina Dieckmann, é uma actriz com quem eu nunca tinha trabalhado e que foi uma luz lá em baixo. No meio daquela escuridão, a Carolina brilha e emociona. E a personagem dela está subterrada ao lado do homem que ela ama, mas de quem ela teve de se afastar... Mas ela também deixou coisas muito importantes lá fora. Vamos descobrir com o tempo. Coisas que nem Saulo desconfia. Enfim, na mão da Carolina, a Marion é forte, emociona, ajuda a juntar aqueles homens rudes debaixo da terra. Foi bom demais contar com ela.

Quando os dois se encontram, dá para perceber que existe uma história ali, certo?

Luciano – Marion é o par romântico do Saulo. Eles tiveram um romance mal resolvido no passado recente. Ela sumiu e existe um mal-estar enorme entre eles, mas, ao mesmo tempo, uma história forte. Aí temos um casal que tem que se entender de novo, reconstruir-se a partir dos escombros de uma relação mal resolvida e voltar a ter algum tipo de relação a partir dos escombros. É uma situação boa: casal reconstruindo-se no escombro. E eu acho que Carolina fez esse trabalho “na veia”, organicamente, com uma entrega incrível.

Num primeiro momento, o público vê que o Saulo é responsável pelo modo como o prédio foi construído. Mas, logo depois, ele se reposiciona como a pessoa determinada a salvar todos dali. Ele é um herói? 

Elena – O Saulo é desses heróis que não são correctos, ele carrega a sua tragédia. Acho que é mais interessante criar um personagem como ele porque nós somos assim. Algumas coisas não vamos conseguir consertar, limpar, nos livrar... Isso tem sido mais comum de se ver nas séries contemporâneas – são os protagonistas chamados de “Homens Difíceis”; pessoas que te colocam na dúvida se você deve gostar dele ou não. Esse é o tipo de herói contemporâneo.

A queda do edifício gera reacções diferentes em todas as pessoas envolvidas. Como é essa guerra de interesses?

Luciano – A história é bem essa mesmo: é a civilização e a barbárie. Lá em baixo, em princípio, é a luta animal pela sobrevivência. Lá em cima, é a civilização chegando com todo o seu potencial de salvar. Bombeiros, médicos, paramédicos – ordem e instituições – e tudo mais. Só que, com o tempo, a gente vai entendendo que isso inverte-se. Lá em baixo, a tentativa de sobreviver implica em se juntar, se organizar, porque separado não dá – isso mostra que o “cada um por si” não funciona. E, por outro lado, lá em cima, o mundo também desaba. A lei e as regras não funcionam. Os personagens mais ligados à obra, como a Gilda e o Baretti, estão tentando lidar com aquela desgraça que aconteceu com todos os meios. Então, você tem todo um conjunto de personagens querendo vingança, querendo safar-se da culpa, todo um jogo de interesses. E tem ainda outras pessoas que estão tentando, lá em cima, de alguma forma, tirar proveito da desgraça. Mas nós temos também o bombeiro Marco Antônio, um personagem muito bem conduzido pelo Fabrício Boliveira, que corresponde ao que o Saulo é lá embaixo. Ele quer salvar a todo custo, tem a mesma intenção do Saulo, de pôr a vida em risco a qualquer momento para atingir o que ele quer.

Como foi feita a escolha do elenco?

Luciano – O Selton foi um desejo imediato. Para esse protagonista, tinha que ser uma pessoa do tamanho dele. Sobre os operários, queríamos gente muito real e, ao mesmo tempo, queríamos bons actores, claro. Temos também a Camila Márdila, que vive a Yasmin e aparece subterrada depois, grávida. Ela já fez papéis importantes na TV, mas vem do cinema, tem outra trajectória. Tem também a Débora Bloch, que está incrível no papel de Gilda, que é a mulher que manda na Baretti, uma mulher de uma elegância, de uma firmeza; ela é dura, séria, sabe o que quer. E a Débora consegue imprimir bem essa personalidade – elegante, segura e comovente ao mesmo tempo. Paulo Vilhena, que faz o dono da Baretti, também foi uma opção muito boa para o personagem e que faz um contraponto muito bom com o personagem da Débora. Com o Enrique Diaz já trabalhei muitas vezes, como em “Felizes para Sempre” e “Filhos do Carnaval” e ele sempre traz muito para os trabalhos, muito bom actor, muito inteligente. Sem falar em Lima Duarte, um veterano, um mestre, um monstro.

Todos os episódios têm ganchos muito fortes nos finais. Isso foi intencional?

Elena – Este tipo de produto, a série, pede um gancho forte ao fim de cada episódio que, idealmente, deixa a pessoa agarrada à história. Hoje, os espectadores de séries assistem a temporadas inteiras de uma vez só. Terminam um episódio em tal nível de curiosidade que ficam contando os segundos para o próximo. E só param quando percebem que já é de madrugada. Foi um belo aprendizado para mim e para o Luciano, que vínhamos do cinema que tem outra métrica, outro ritmo...

Como é a experiência de escrever e dirigir o mesmo produto, Luciano?

Luciano – A Elena é roteirista há anos, já fez coisas incríveis. Ela sempre escreveu sozinha, mas começamos a trabalhar juntos desde a minha última longa-metragem, no sentido de desenhar cena, criar os personagens. Eu acrescento material novo nos ensaios e ela põe tudo no roteiro; é um processo bem interessante. Eu acho que a questão de dirigir depois o que você cria em cena é só uma extensão. Porque eu posso modificar o que eu acho bom, melhorar o que eu não acho tão bom. Trabalho também com textos dos outros, mas é muito bom trabalhar com o seu próprio.

Apesar de toda a parte de acção, a série tem também muitos dilemas sendo discutidos.

Elena – Eles estão no fundo do poço, têm essa situação de viver ou morrer, têm o confinamento, estão entre desconhecidos e isso vira quase um laboratório psicológico. Dramaturgicamente, foi muito bom de explorar esse limite e empurrar personagens para um abismo que rende tanto. Como tenho sempre uma “fuga” para cima ou para baixo, conseguimos fazer esses dois núcleos conversarem.

 

 

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Andrade Lino

Jornalista

Estudante de Língua Portuguesa e Comunicação, amante de artes visuais, música e poesia.

Tem acompanhado a mini-série da Globo “Treze dias longe do sol”, que segundo relatos da imprensa brasileira, a atingiu a segunda maior audiência daquela cadeia televisiva em quase 17 anos?

Já nos últimos episódios, o actor Selton Mello, principal protagonista na trama, nas vestes de Saulo, reconhecido como um dos grandes artistas da sua geração, pois encara desafios dos mais diversos, transformando-se em personagens surpreendentes, conta como foi viver a figura, numa entrevista partilhada com o ONgoma News, e os directores Elena Soárez  e Luciano Moura, por sua vez, abordam o nascimento do projecto, até a sua fase final.

Em que momento acha que o Saulo passou da ambição para a ganância? Ou identifica apenas o lado ambicioso?

O Saulo, certamente, no período em que essa história é contada, passou do ponto da ambição para a ganância. Existe uma ligação enorme do meu personagem com a Gilda, vivida pela Débora Bloch. E você começa a descobrir, por meio dela e de outros personagens lá de cima, coisas sobre o meu personagem. O Saulo é um herói que usou um calculista amigo, em vez de usar o melhor calculista do mercado; usou um material não tão bom em vez de usar o melhor, para poder juntar o dinheiro necessário para comprar a empresa. A sua ambição levou a essa tragédia. O telespectador torce por ele, mas, daqui a pouco, já não sabe se deveria.

Acredita que o público vai fazer uma ligação da ficção com a realidade?

Acho que é uma história bastante actual, forte, que prende. Envolve política, propina, construtoras e esse engenheiro que quer fazer tudo do jeito dele, passando por cima dos outros. Não dá para descolar tanto assim do que está a  acontecer hoje em dia.

Como foi a sua preparação para viver o Saulo?

Não sei se é a idade, o tempo, a experiência, mas acho que o actor é um observador. Se ele não estiver atento, ele não é um bom actor. Então, quando você vai fazer um médico, um bombeiro, um Chicó (referência ao seu personagem em ‘O Auto da Compadecida’), um curandeiro (referência ao seu personagem em ‘A Cura’), um sedutor, bon vivant do século XVIII, de outros tempos, tem que estar ligado à vida. Eu acho que o Saulo não estava preparado e eu também não, para a maneira de fazer esse personagem. Eu fui construindo-o muito bem direccionado pelo Luciano, um director tão especial, que eu admiro há muito tempo, e pelo texto da Elena, essa grande roteirista. O Luciano é preciso: ele sabe muito bem a história que quer contar, sabe o tom que quer dar. E eu gosto cada vez mais de estar entregue ao “aqui e agora”, de estar saudavelmente despreparado para o jogo, para os outros actores. Trabalhei com actores que eu não conhecia – fantásticos, todos eles. A Camila Márdila, o Antônio Fábio, o Rômulo Braga, o Démick Lopes, o Arilson Lopes, Marcos de Andrade, grandes actores de teatro. Eles vêm de uma escola do teatro e trouxeram uma carga muito forte para os subterrados, que também me ajudou muito.

Em algumas cenas, há esforço físico. Preparou-se de alguma maneira para viver esses momentos?

Esse trabalho caiu num bom momento da minha vida. Eu tenho me preparado e cuidado melhor de mim, para mim mesmo. Estou num bom momento, mais apto a fazer cenas complexas fisicamente. Esse foi também um dos motivos que me encantou no projecto. Primeiro, que é um personagem riquíssimo, com muitas nuances. Depois, porque foi um trabalho físico que eu nunca tinha feito como actor: subir rampas, descer ductos, subir em elevadores, quebrar coisas, entrar em áreas alagadas com corda para salvar as pessoas – nunca tinha vivido nada disso. Tive uma preparadora física e havia uma fisioterapeuta constantemente connosco. Nós, os subterrados, fazíamos alongamentos antes de cada cena para ajudar nos movimentos mais complicados.

É actor e director. Isso amplia as suas possibilidades na actuação ou fica mais crítico?

O facto de dirigir também me dá a dimensão de como tudo é feito. Eu descobri uma coisa: o actor é importante para a cena, mas o fotógrafo é tanto quanto ele, assim como contrarregra, o produtor musical, o editor, etc. Aprendi mais sobre o processo como um todo. Quando eu vou actuar, sinto-me quase de férias. Quando eu dirijo, é um trabalho tão grande, tem que pensar em tanta coisa, que, quando eu actuo, eu penso: "Nossa, eu só tenho que fazer o meu? Que fácil" (risos). É um trabalho meio individual, de você pensar só no seu jeito, como você se vai comportar, o comportamento do seu personagem, como injectar humanidade nesse personagem para o público se identificar e se comover. Actuar para mim é leve, mesmo num trabalho denso como esse.

A criação e a direcção de Elena Soárez e Luciano Moura

Elena, economista e antropóloga, escreveu “Eu Tu Eles”, “Casa de Areia”, “Filhos do Carnaval”. Já Luciano dirigiu episódios de “Felizes Para Sempre”, “Filhos do Carnaval” e “Psi”, e a longa-metragem “A Busca”, com Wagner Moura. Casados, Elena Soárez e Luciano Moura escreveram juntos “A Busca” e agora “Treze Dias Longe do Sol”. Luciano também assina a direcção artística. E aqui, juntos, contam como foi dar (e fazer perder) luz a uma história tão real.

De onde partiu a ideia inicial da série?

Elena – Eu leio muito os jornais e é raro o dia em que não recorte algo; sempre há uma notícia que pode servir em algum momento. Guardo tudo numa caixa e, às vezes, abro-a para tentar tirar um argumento dali. Numa dessas vezes, vi que acabei juntando algumas notícias sobre desabamentos, sobre o caso do submarino russo que tinha sobreviventes, sobre desabamentos no Rio de Janeiro, como o Palace 2, e outros em São Paulo. E percebi que tinha um certo assunto comum entre eles, que é o confinamento, a situação-limite, as pessoas sucumbindo ou transformando-se.

Luciano – A ideia da série foi sendo construída aos poucos. Nasceu do desejo de contar uma história com essa diferença: como as pessoas se transformam a partir de uma grande tragédia? Aqui, há uma mescla de drama com thriller, de você ficar a torcer pelo resgate, mas com uma história emocional, com ênfase no sentimento daqueles personagens. É um grande evento que detona uma série de transformações nos personagens. Gente que se transforma, que chora, que ri, que encontra o novo sentido dentro de uma desgraça. E gente que tem esperança no final, porque existe a possibilidade de transformação real. Toda a tragédia gera isso de certa forma. Estamos mais interessados na história das pessoas do que na do próprio evento, que acontece logo de cara. O prédio desaba no primeiro episódio.

O que podem contar sobre o Saulo e a Marion?

Luciano – Saulo é alguém que se fez sozinho. Quando chegou, não conhecia ninguém, não tinha família na cidade. Muito sagaz, desejando muito afastar-se da sua origem. Ele rapidamente entrou nessa empresa e o dono, Baretti, o pai, viu nele um sujeito de grande potencial. A sua ascensão foi rápida. Saulo é uma pessoa muito confiante, dono de si, que nunca acha que algo vai dar errado. Mas, dessa vez, no Centro Médico, ele deu um passo maior que a perna. Ele ia perder a Baretti, que ia ser vendida com a morte do dono, e tentou dar um jeito para isso não acontecer, fazendo este centro médico da forma mais enxuta possível. E aí, esse Saulo – confiante, arrogante, dono do próprio destino – vê tudo o que acreditava ruir. E aí passa por uma transformação forte. Quando o Selton leu a última cena, ele disse: "Essa cena é a que me convenceu a fazer este projecto". Tive a sorte de contar com Selton Mello, que é um grande actor e muito carismático. Eu precisava de alguém como ele. Quanto à Carolina Dieckmann, é uma actriz com quem eu nunca tinha trabalhado e que foi uma luz lá em baixo. No meio daquela escuridão, a Carolina brilha e emociona. E a personagem dela está subterrada ao lado do homem que ela ama, mas de quem ela teve de se afastar... Mas ela também deixou coisas muito importantes lá fora. Vamos descobrir com o tempo. Coisas que nem Saulo desconfia. Enfim, na mão da Carolina, a Marion é forte, emociona, ajuda a juntar aqueles homens rudes debaixo da terra. Foi bom demais contar com ela.

Quando os dois se encontram, dá para perceber que existe uma história ali, certo?

Luciano – Marion é o par romântico do Saulo. Eles tiveram um romance mal resolvido no passado recente. Ela sumiu e existe um mal-estar enorme entre eles, mas, ao mesmo tempo, uma história forte. Aí temos um casal que tem que se entender de novo, reconstruir-se a partir dos escombros de uma relação mal resolvida e voltar a ter algum tipo de relação a partir dos escombros. É uma situação boa: casal reconstruindo-se no escombro. E eu acho que Carolina fez esse trabalho “na veia”, organicamente, com uma entrega incrível.

Num primeiro momento, o público vê que o Saulo é responsável pelo modo como o prédio foi construído. Mas, logo depois, ele se reposiciona como a pessoa determinada a salvar todos dali. Ele é um herói? 

Elena – O Saulo é desses heróis que não são correctos, ele carrega a sua tragédia. Acho que é mais interessante criar um personagem como ele porque nós somos assim. Algumas coisas não vamos conseguir consertar, limpar, nos livrar... Isso tem sido mais comum de se ver nas séries contemporâneas – são os protagonistas chamados de “Homens Difíceis”; pessoas que te colocam na dúvida se você deve gostar dele ou não. Esse é o tipo de herói contemporâneo.

A queda do edifício gera reacções diferentes em todas as pessoas envolvidas. Como é essa guerra de interesses?

Luciano – A história é bem essa mesmo: é a civilização e a barbárie. Lá em baixo, em princípio, é a luta animal pela sobrevivência. Lá em cima, é a civilização chegando com todo o seu potencial de salvar. Bombeiros, médicos, paramédicos – ordem e instituições – e tudo mais. Só que, com o tempo, a gente vai entendendo que isso inverte-se. Lá em baixo, a tentativa de sobreviver implica em se juntar, se organizar, porque separado não dá – isso mostra que o “cada um por si” não funciona. E, por outro lado, lá em cima, o mundo também desaba. A lei e as regras não funcionam. Os personagens mais ligados à obra, como a Gilda e o Baretti, estão tentando lidar com aquela desgraça que aconteceu com todos os meios. Então, você tem todo um conjunto de personagens querendo vingança, querendo safar-se da culpa, todo um jogo de interesses. E tem ainda outras pessoas que estão tentando, lá em cima, de alguma forma, tirar proveito da desgraça. Mas nós temos também o bombeiro Marco Antônio, um personagem muito bem conduzido pelo Fabrício Boliveira, que corresponde ao que o Saulo é lá embaixo. Ele quer salvar a todo custo, tem a mesma intenção do Saulo, de pôr a vida em risco a qualquer momento para atingir o que ele quer.

Como foi feita a escolha do elenco?

Luciano – O Selton foi um desejo imediato. Para esse protagonista, tinha que ser uma pessoa do tamanho dele. Sobre os operários, queríamos gente muito real e, ao mesmo tempo, queríamos bons actores, claro. Temos também a Camila Márdila, que vive a Yasmin e aparece subterrada depois, grávida. Ela já fez papéis importantes na TV, mas vem do cinema, tem outra trajectória. Tem também a Débora Bloch, que está incrível no papel de Gilda, que é a mulher que manda na Baretti, uma mulher de uma elegância, de uma firmeza; ela é dura, séria, sabe o que quer. E a Débora consegue imprimir bem essa personalidade – elegante, segura e comovente ao mesmo tempo. Paulo Vilhena, que faz o dono da Baretti, também foi uma opção muito boa para o personagem e que faz um contraponto muito bom com o personagem da Débora. Com o Enrique Diaz já trabalhei muitas vezes, como em “Felizes para Sempre” e “Filhos do Carnaval” e ele sempre traz muito para os trabalhos, muito bom actor, muito inteligente. Sem falar em Lima Duarte, um veterano, um mestre, um monstro.

Todos os episódios têm ganchos muito fortes nos finais. Isso foi intencional?

Elena – Este tipo de produto, a série, pede um gancho forte ao fim de cada episódio que, idealmente, deixa a pessoa agarrada à história. Hoje, os espectadores de séries assistem a temporadas inteiras de uma vez só. Terminam um episódio em tal nível de curiosidade que ficam contando os segundos para o próximo. E só param quando percebem que já é de madrugada. Foi um belo aprendizado para mim e para o Luciano, que vínhamos do cinema que tem outra métrica, outro ritmo...

Como é a experiência de escrever e dirigir o mesmo produto, Luciano?

Luciano – A Elena é roteirista há anos, já fez coisas incríveis. Ela sempre escreveu sozinha, mas começamos a trabalhar juntos desde a minha última longa-metragem, no sentido de desenhar cena, criar os personagens. Eu acrescento material novo nos ensaios e ela põe tudo no roteiro; é um processo bem interessante. Eu acho que a questão de dirigir depois o que você cria em cena é só uma extensão. Porque eu posso modificar o que eu acho bom, melhorar o que eu não acho tão bom. Trabalho também com textos dos outros, mas é muito bom trabalhar com o seu próprio.

Apesar de toda a parte de acção, a série tem também muitos dilemas sendo discutidos.

Elena – Eles estão no fundo do poço, têm essa situação de viver ou morrer, têm o confinamento, estão entre desconhecidos e isso vira quase um laboratório psicológico. Dramaturgicamente, foi muito bom de explorar esse limite e empurrar personagens para um abismo que rende tanto. Como tenho sempre uma “fuga” para cima ou para baixo, conseguimos fazer esses dois núcleos conversarem.

 

 

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