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“As nossas línguas sofrem um choque cultural nas cidades capitais”, afirma analista político Augusto Báfua Báfua

“As nossas línguas sofrem um choque cultural nas cidades capitais”, afirma analista político Augusto Báfua Báfua
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Andrade Lino

O analista político Augusto Báfua Báfua afirmou que as línguas nacionais sofrem um choque cultural nas cidades capitais, “primeiro por causa do resquício do colonialismo que entendia que as línguas africanas pouco ou nada valiam, e chegou a chocar até com o estatuto do indígena, estabelecendo que, para que a pessoa fosse assimilada, tinha que deixar de parte algumas práticas, costumes, o comer, o vestir, para não falar da própria língua nacional”.

“Deveria ganhar os hábitos do europeus, em questões como o vestuário, falar a língua portuguesa, comer com faca e garfo, e quando pensámos que a independência iria resolver esse problema, o partido único achou que deveria manter tudo como estava, o que agudizou ainda mais o afastamento da africanidade por parte das cidades, ao ponto de muitos angolanos pensarem África apenas como Mali, Senegal ou República Democrática do Congo, não entendendo que Huambo é África, Malanje ou Luanda, e tendo de reflectir sobre a sua cultura, culinária ou vestimenta, mas principalmente sobre a sua língua”, esclareceu.

O especialista, que foi um dos convidados para a 3ª edição dos Diálogos Culturais, afirmou ainda que o português não corresponde às necessidades linguísticas nacionais, nem de longe. “A maior riqueza que esse povo tem é a cultura, e o rótulo desta é a língua. Não é concebível obrigarem o nosso povo a expressar-se em português, continuarmos a ter as leis apenas em português, um cidadão, no seu próprio país, ser considerado atrasado, iletrado e como que um bandido só por ser analfabeto”, refutou Augusto Báfua, e realçou que “há que haver uma refundação na abordagem sobre como encaramos o cidadão e como devemos fazer-lhe entender os seus direitos, deveres, liberdades e garantias”, tendo realçado que, no seu ponto de vista, isto não passa pelo português, mas obrigatoriamente pelas línguas nacionais.

Além disso, o orador disse que “não é possível trabalhar a casa pelo meio. Tem que ser começar naquilo que é a maior base, as leis. Somos um Estado de direito, a própria Lei tem que estar em línguas nacionais, e não escrita, mas em áudio, para as pessoas perceberem minuciosamente o que lhes é de direito. A Constituição da República, primeiramente, e as Leis Ordinárias, secundariamente”.  

Se assim acontecer, continuou, as próprias práticas do dia-a-dia, as normas e procedimentos das empresas e outras instituições vão reflectir sobre essa realidade.

“O que acontece é que quando um cidadão tenta de alguma forma fugir dessa cerca do português, é rotulado como atrasado, iletrado e analfabeto. É preciso começar do topo para descer até a base, nunca o contrário, porque se as pessoas já reclamam que o ensino não se adequa às línguas, tanto os professores como o próprio quadro administrativo das escolas dizem que a Lei não reflecte sobre isso”, referiu, e lamentou, consequentemente, não haver interesse por parte do Estado, pois “a maioria parte dos dirigentes angolanos, do topo à base, não conhece as línguas nacionais”.

“Temos um presidente que não fala as línguas nacionais, ministros que não falam as línguas nacionais e até governadores. Sendo assim, como é que eles vão abordar as pessoas quando forem tratar certas questões?”, questionou-se.

O analista observa que há uma necessidade de se olhar para leis e procedimentos, onde o próprio cidadão, toda vez que for a uma circunscrição, tem de saber a língua nacional, tem de aprender, e “é o sensato em qualquer parte do mundo”.

“Se um cidadão do Huambo for trabalhar na Lunda-Norte, tem de aprender a língua local, porque os alunos não vão aprender português da noite para o dia. Eles têm como língua materna o cokwe, daí ter de haver um professor que lhes possa ajudar quando houver uma insuficiência com o português, e esta é uma das razões para o grande nível de insucesso e invasão escolar”, considerou. 

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Andrade Lino

Jornalista

Estudante de Língua Portuguesa e Comunicação, amante de artes visuais, música e poesia.

O analista político Augusto Báfua Báfua afirmou que as línguas nacionais sofrem um choque cultural nas cidades capitais, “primeiro por causa do resquício do colonialismo que entendia que as línguas africanas pouco ou nada valiam, e chegou a chocar até com o estatuto do indígena, estabelecendo que, para que a pessoa fosse assimilada, tinha que deixar de parte algumas práticas, costumes, o comer, o vestir, para não falar da própria língua nacional”.

“Deveria ganhar os hábitos do europeus, em questões como o vestuário, falar a língua portuguesa, comer com faca e garfo, e quando pensámos que a independência iria resolver esse problema, o partido único achou que deveria manter tudo como estava, o que agudizou ainda mais o afastamento da africanidade por parte das cidades, ao ponto de muitos angolanos pensarem África apenas como Mali, Senegal ou República Democrática do Congo, não entendendo que Huambo é África, Malanje ou Luanda, e tendo de reflectir sobre a sua cultura, culinária ou vestimenta, mas principalmente sobre a sua língua”, esclareceu.

O especialista, que foi um dos convidados para a 3ª edição dos Diálogos Culturais, afirmou ainda que o português não corresponde às necessidades linguísticas nacionais, nem de longe. “A maior riqueza que esse povo tem é a cultura, e o rótulo desta é a língua. Não é concebível obrigarem o nosso povo a expressar-se em português, continuarmos a ter as leis apenas em português, um cidadão, no seu próprio país, ser considerado atrasado, iletrado e como que um bandido só por ser analfabeto”, refutou Augusto Báfua, e realçou que “há que haver uma refundação na abordagem sobre como encaramos o cidadão e como devemos fazer-lhe entender os seus direitos, deveres, liberdades e garantias”, tendo realçado que, no seu ponto de vista, isto não passa pelo português, mas obrigatoriamente pelas línguas nacionais.

Além disso, o orador disse que “não é possível trabalhar a casa pelo meio. Tem que ser começar naquilo que é a maior base, as leis. Somos um Estado de direito, a própria Lei tem que estar em línguas nacionais, e não escrita, mas em áudio, para as pessoas perceberem minuciosamente o que lhes é de direito. A Constituição da República, primeiramente, e as Leis Ordinárias, secundariamente”.  

Se assim acontecer, continuou, as próprias práticas do dia-a-dia, as normas e procedimentos das empresas e outras instituições vão reflectir sobre essa realidade.

“O que acontece é que quando um cidadão tenta de alguma forma fugir dessa cerca do português, é rotulado como atrasado, iletrado e analfabeto. É preciso começar do topo para descer até a base, nunca o contrário, porque se as pessoas já reclamam que o ensino não se adequa às línguas, tanto os professores como o próprio quadro administrativo das escolas dizem que a Lei não reflecte sobre isso”, referiu, e lamentou, consequentemente, não haver interesse por parte do Estado, pois “a maioria parte dos dirigentes angolanos, do topo à base, não conhece as línguas nacionais”.

“Temos um presidente que não fala as línguas nacionais, ministros que não falam as línguas nacionais e até governadores. Sendo assim, como é que eles vão abordar as pessoas quando forem tratar certas questões?”, questionou-se.

O analista observa que há uma necessidade de se olhar para leis e procedimentos, onde o próprio cidadão, toda vez que for a uma circunscrição, tem de saber a língua nacional, tem de aprender, e “é o sensato em qualquer parte do mundo”.

“Se um cidadão do Huambo for trabalhar na Lunda-Norte, tem de aprender a língua local, porque os alunos não vão aprender português da noite para o dia. Eles têm como língua materna o cokwe, daí ter de haver um professor que lhes possa ajudar quando houver uma insuficiência com o português, e esta é uma das razões para o grande nível de insucesso e invasão escolar”, considerou. 

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