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“Ao longo de todos estes anos de independência, não tivemos aqui a imprensa como um IV Poder, mas como o quarto do Poder”, afirma Gustavo Costa

 “Ao longo de todos estes anos de independência, não tivemos aqui a imprensa como um IV Poder, mas como o quarto do Poder”, afirma Gustavo Costa
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Andrade Lino

O jornalista angolano Gustavo Costa afirmou que, ao longo dos anos todos de independência, “não tivemos aqui a imprensa como um IV poder, mas um quarto do Poder, um instrumento que estava ao serviço dos poderes, sem qualquer massa crítica”.

O profissional falava por ocasião da 2ª edição do Exec Talk, um ciclo de debates promovidos pela Academia BAI, que teve lugar no mês passado, subordinado ao tema “Comunicação, o IV Poder?”, onde foi convidado, e fazendo um relato dos seus 40 anos como jornalista, esclareceu que, quando começou a actuar na área, fazia parte dum jornalismo que já estava encarcerado num quarto, este quarto era o Poder, e tal encarceramento prolongou-se até os últimos anos, mas reconheceu que “poderemos estar a viver uma fase de transição, em que os poderes terão reconhecido que não podem sobreviver por eles próprios, sem contrapoderes, e um destes contrapoderes é justamente a imprensa, além do poder judicial, do parlamento e da sociedade civil”.

Consequentemente, o orador afirmou que não há em Angola jornalismo investigativo, porque pressupõe algum investimento, em duas vertentes: “Primeiro, é preciso haver dinheiro para se fazer a investigação. Quem apoia o jornalista para fazer tal investigação? Neste aspecto, vivemos um período difícil. A questão é que os órgãos de comunicação vivem à base da publicidade e com a crise é difícil elas produzirem receitas. Em segundo lugar, e esta é a questão crucial, é o investimento no conhecimento, e neste ponto de vista, o nosso quadro é absolutamente lastimável, porque o nível dos nossos jornalistas deixa muito a desejar. Temos jornalistas que não sabem escrever, não sabem interpretar e é muito difícil serem jornalistas porque há até quem nunca tenha lido um clássico ou nunca tenha ouvido falar sequer. E portanto, o jornalismo de investigação em Angola é uma miragem, e assim, digamos que temos que pensar seriamente no ABC do jornalismo primeiro”, explicou, questionado sobre a importância de se fazer um jornalismo do género no país e de que forma pode contribuir para que os consumidores tenham uma informação mais viável.

Além disso, o também cronista defendeu que o jornalista tem que ser um homem de cultura. “O que acontece é que a formação e a experiência complementam-se, sabendo que a formação em si não faz um bom jornalista. Porém, é preciso também ter talento, é preciso ter paixão pela cultura, porque pode ser licenciado ou doutorado, nunca será jornalista. Daí que é indissociável uma boa cultura geral, um bom domínio da gramática, um bom conhecimento dos grandes clássicos da literatura africana, o que acredito ser um trabalho individual a ser feito e no qual muito tem que se investir”, clareou o convidado.

No seu ponto de vista, não há jornalismo neutro, porque é feito por pessoas e o jornalista tem sentimentos, e por isso, “por exemplo, é impossível fazer um artigo de opinião sendo neutro. A questão da ética é um valor que infelizmente não existe na comunicação social em Angola”.

É duro dizer isso, realçou, mas abusamos da falta da ética, “quer em relação à opinião pública, quer em relação a nós próprios, porque existem muitos especialistas em plágio e muitas vezes aparecerem títulos que não têm correspondência nenhuma com o conteúdo”.

“Todavia, a batalha da ética enfrenta outro problema, que é o espírito corporativo dos jornalistas. Ou seja, muitas vezes querem estar acima dos valores que mal conseguem defender”, criticou, relevando, por outro lado, o cuidado e a vigilância a ter sobre quem fornece a informação.

“Não podemos fazer um artigo sem citar a fonte, porque é ela que nos dá credibilidade. Assim sendo, compete ao jornalista ser zeloso na sua profissão para não induzir os leitores a erros desta natureza”, exortou Gustavo Costa.

Questionado sobre como se comporta como leitor, disse não saber ser consumidor de si próprio, contudo, quando consome o produto dos seus colegas, tem muito cuidado, “agora mais porque com as redes sociais tudo complicou-se, pois somos induzidos a consumir tudo aquilo que é rápido, sem ao menos aquilatar as fontes de informação”.

Finalmente, sublinhou que a cidadania em si fiscaliza os actos do IV Poder, e isto é reflectido no grau de aceitação que este ou aquele órgão de comunicação tem por parte da opinião pública, esta que é o melhor instrumento para controlar o IV Poder.

“E é bom que haja sempre um crítico na opinião pública, para que os jornalistas não se achem donos de um poder que não os pertence, quando, nalguns casos, não valem nada”, observou.

O evento teve ainda como convidado o académico Filipe Zau e foi dirigido pelo professor José Octávio Van-Dúnem.

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Andrade Lino

Jornalista

Estudante de Língua Portuguesa e Comunicação, amante de artes visuais, música e poesia.

O jornalista angolano Gustavo Costa afirmou que, ao longo dos anos todos de independência, “não tivemos aqui a imprensa como um IV poder, mas um quarto do Poder, um instrumento que estava ao serviço dos poderes, sem qualquer massa crítica”.

O profissional falava por ocasião da 2ª edição do Exec Talk, um ciclo de debates promovidos pela Academia BAI, que teve lugar no mês passado, subordinado ao tema “Comunicação, o IV Poder?”, onde foi convidado, e fazendo um relato dos seus 40 anos como jornalista, esclareceu que, quando começou a actuar na área, fazia parte dum jornalismo que já estava encarcerado num quarto, este quarto era o Poder, e tal encarceramento prolongou-se até os últimos anos, mas reconheceu que “poderemos estar a viver uma fase de transição, em que os poderes terão reconhecido que não podem sobreviver por eles próprios, sem contrapoderes, e um destes contrapoderes é justamente a imprensa, além do poder judicial, do parlamento e da sociedade civil”.

Consequentemente, o orador afirmou que não há em Angola jornalismo investigativo, porque pressupõe algum investimento, em duas vertentes: “Primeiro, é preciso haver dinheiro para se fazer a investigação. Quem apoia o jornalista para fazer tal investigação? Neste aspecto, vivemos um período difícil. A questão é que os órgãos de comunicação vivem à base da publicidade e com a crise é difícil elas produzirem receitas. Em segundo lugar, e esta é a questão crucial, é o investimento no conhecimento, e neste ponto de vista, o nosso quadro é absolutamente lastimável, porque o nível dos nossos jornalistas deixa muito a desejar. Temos jornalistas que não sabem escrever, não sabem interpretar e é muito difícil serem jornalistas porque há até quem nunca tenha lido um clássico ou nunca tenha ouvido falar sequer. E portanto, o jornalismo de investigação em Angola é uma miragem, e assim, digamos que temos que pensar seriamente no ABC do jornalismo primeiro”, explicou, questionado sobre a importância de se fazer um jornalismo do género no país e de que forma pode contribuir para que os consumidores tenham uma informação mais viável.

Além disso, o também cronista defendeu que o jornalista tem que ser um homem de cultura. “O que acontece é que a formação e a experiência complementam-se, sabendo que a formação em si não faz um bom jornalista. Porém, é preciso também ter talento, é preciso ter paixão pela cultura, porque pode ser licenciado ou doutorado, nunca será jornalista. Daí que é indissociável uma boa cultura geral, um bom domínio da gramática, um bom conhecimento dos grandes clássicos da literatura africana, o que acredito ser um trabalho individual a ser feito e no qual muito tem que se investir”, clareou o convidado.

No seu ponto de vista, não há jornalismo neutro, porque é feito por pessoas e o jornalista tem sentimentos, e por isso, “por exemplo, é impossível fazer um artigo de opinião sendo neutro. A questão da ética é um valor que infelizmente não existe na comunicação social em Angola”.

É duro dizer isso, realçou, mas abusamos da falta da ética, “quer em relação à opinião pública, quer em relação a nós próprios, porque existem muitos especialistas em plágio e muitas vezes aparecerem títulos que não têm correspondência nenhuma com o conteúdo”.

“Todavia, a batalha da ética enfrenta outro problema, que é o espírito corporativo dos jornalistas. Ou seja, muitas vezes querem estar acima dos valores que mal conseguem defender”, criticou, relevando, por outro lado, o cuidado e a vigilância a ter sobre quem fornece a informação.

“Não podemos fazer um artigo sem citar a fonte, porque é ela que nos dá credibilidade. Assim sendo, compete ao jornalista ser zeloso na sua profissão para não induzir os leitores a erros desta natureza”, exortou Gustavo Costa.

Questionado sobre como se comporta como leitor, disse não saber ser consumidor de si próprio, contudo, quando consome o produto dos seus colegas, tem muito cuidado, “agora mais porque com as redes sociais tudo complicou-se, pois somos induzidos a consumir tudo aquilo que é rápido, sem ao menos aquilatar as fontes de informação”.

Finalmente, sublinhou que a cidadania em si fiscaliza os actos do IV Poder, e isto é reflectido no grau de aceitação que este ou aquele órgão de comunicação tem por parte da opinião pública, esta que é o melhor instrumento para controlar o IV Poder.

“E é bom que haja sempre um crítico na opinião pública, para que os jornalistas não se achem donos de um poder que não os pertence, quando, nalguns casos, não valem nada”, observou.

O evento teve ainda como convidado o académico Filipe Zau e foi dirigido pelo professor José Octávio Van-Dúnem.

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