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Política

“A construção da democracia deve fazer-se todos os dias…”(VII)

“A construção da democracia deve fazer-se todos os dias…”(VII)
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Venho reflectir sobre as debilidades de Angola, em cumprimento da promessa pública que fiz no último texto de análise, neste espaço da construção da democracia que se deve fazer todos os dias.

Onde estão as nossas debilidades?

Responder a esta questão não é fácil. Mas, ao mesmo tempo, não devemos desistir de o fazer, ainda que nos tomem por petulante ou pedante, o que importa é que a democracia se constrói com pluralismo de opiniões.

Sendo várias as causas das nossas debilidades hodiernas, do meu ponto de vista, são fundamentalmente as seguintes: (1) Vigência de um Regime totalitário de 1975 a 1990; (2) Descontinuidade de programas e projectos económicos e Sociais; (3) Elevadíssimos índices de corrupção da base ao topo; (4) Discrepância entre a visão Formal-Constitucional e a Execução prática (material) dos comandos constitucionais; (5) Fracos mecanismos de protecção efectiva dos Direitos Humanos; (6) Até Agosto de 2017 a Democracia e a Comunicação Social ajustadas aos interesses políticos do Partido MPLA.

... o povo passou a ser dócil, obediente às cegas e só podia aguardar os resultados da acção política e governativa do “glorioso MPLA”

Assim, quanto à “Vigência de um Regime totalitário de 1975 a 1990”, além das diferenças ideológicas que se agudizaram durante o governo de transição resultante do Acordo do Alvor, a verdade é que o MPLA levava vantagem estratégica político-militar sobre os seus adversários políticos (FNLA e UNITA) e, consciente disso, impôs-se com todas as suas forças, a ponto de sujeitar o próprio Estado aos seus ideais, dito doutro modo, impôs primazia das estruturas do Movimento sobre as do Estado: “Os Órgãos do Estado na República Popular de Angola guiar-se-ão pelas diretrizes superiores do MPLA mantendo-se assegurada a primazia das estruturas do Movimento sobre as do Estado” (Discurso de Agostinho Neto, proclamação da Independência). Desta forma, tudo só podia ser MPLA. Daí o “o MPLA é o Povo e Povo é o MPLA” e todos os outros slogan’s que se identificam com aquele período histórico de Angola. O mal é que nesse período, quem não fosse do MPLA não era um inimigo do MPLA, mas do Povo Angolano. Isto se transformou em “cultura” e as crinças e jovens foram educados para essa visão de Partido único e a sua classe dirigente é a única com legitimidade de falar em nome dos angolanos, pois “somos milhões e contra milhões ninguém combate. E quem tentar será vencido”. Em face dessa veemência ideológica, ninguém podia ousar opor-se senão na clandestinidade, correndo todos os riscos conexos dessa atitude que podia ser “irresponsável”. Daí que o povo passou a ser dócil, obediente às cegas e só podia aguardar os resultados da acção política e governativa do “glorioso MPLA”. O marxismo-leninismo não tolera a exploração do homem pelo homem. Todos tinham de ser iguais, bem nivelados.

Quanto à Descontinuidade de programas e projectos económicos e Sociais, para ilustrar melhor esta minha convicção, trago o pronunciamento do Economista José Cerqueira, quando se referia ao Saneamento Económico e Financeiro (SEF): “Em 1985, teve lugar o V Congresso que tinha reafirmado a ortodoxia marxista-leninista. Mas esta linha política mostrava-se impotente para lutar contra a crise, que naquela época se tinha abatido sobre a economia angolana, cuja causa próxima foi a queda do barril de petróleo abaixo de dez dólares” (Jornal de Angola, 5 de Julho de 2017). O Governo / Executivo angolano, ao longo dos anos, só soube reagir aos fenómenos económicos e sociais e nunca se lhes antecipava, mas, o caricato é que em termos militares, é um actor proactivo, que sempre anulou as diversas investidas militares quer no interior quer no exterior. Quer dizer, em questões militares, Angola tem estratégias de antecipação a tudo. Parece haver grande “fertilidade” visionária na acção governativa, mas não passou disso mesmo: “começar e não concluir”. O jornalista Cândido Bessa, ao perguntar ao economista José Cerqueira sobre “Quando foi concluído o programa [SEF]?” Este respondeu nestes termos: “Prefiro dizer que o programa começou a perder força quando entrámos para o FMI. Nessa altura, apareceram ideias de outros programas cujos nomes já quase ninguém recorda. Nós éramos uma corrente de pensamento angolana. O que veio depois, pouco a pouco, foi o FMI. Meteram-se no BNA e no Ministério das Finanças”. Esta resposta de José Cerqueira reflecte o modus operandi do Executivo angolano, de saltitar de programa em programa sem construir uma forte experiência valiosa para outras iniciativas.

A verdade é que, dizia o Sub-Procurador-Geral da República, Dr. João Coelho, no dia 9 deste mês, há um “pacto de silêncio entre as pessoas envolvidas na corrupção”. 

A terceira causa são os “Elevadíssimos índices de corrupção da base ao topo”. Felizmente já não é segredo para ninguém: “a realização deste seminário seja compreendida como uma clara vontade política do MPLA contra a corrupção”, disse João Lourenço. Daí que, segundo Francisco Viana, são estimados mais de 20 milhões de Dólares Americanos que levaram o país à crise financeira. De tal modo que em Janeiro de 2018 o “Estado vai estabelecer um período de graça para que voluntariamente os envolvidos possam repatriar os capitais, sem qualquer constrangimento, moléstia nem processo judicial contra eles; mas, findo esse prazo, o Estado Angolano vai sentir-se no direito de considerar tais capitais do povo angolano, e agirá junto dos países de domicílio para repatriar os capitais para a economia do país”. A verdade é que, dizia o Sub-Procurador-Geral da República, Dr. João Coelho, no dia 9 deste mês, há um “pacto de silêncio entre as pessoas envolvidas na corrupção”. Esta é a corrupção do topo, porque a da base, está o funcionário público que pede gasosa para passar um atestado de residência; o ou a enfermeira(a) que ignora o doente a ponto de morrer, se a família não garantir a gasosa; o polícia que recebe AKZ 500 a 1.000,00 ou mais, através de um gesto vergonhoso e degradante da moral pública, entre outras práticas da mesma natureza. Isso levou às piores práticas na Saúde, Educação, na governação em geral. Como resultado, enfraqueceu o Estado, desprovido de recursos financeiros suficientes para a promoção do bem-comum. Com essas práticas, o Estado passou a fazer prestações defeituosas nas cidades, porque nas vilas, povoações e aldeias passou a ser um verdadeiro contemplador da miséria das populações. E nas datas comemorativas constituiu-se, por excelência, num produtor de discursos platónicos, cujo conteúdo só é possível no mundo das ideias e nunca na vida social onde vivem as populações que tanto diz proteger.

Vamos continuar na próxima análise.

 

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António Eduardo

Jurista

Venho reflectir sobre as debilidades de Angola, em cumprimento da promessa pública que fiz no último texto de análise, neste espaço da construção da democracia que se deve fazer todos os dias.

Onde estão as nossas debilidades?

Responder a esta questão não é fácil. Mas, ao mesmo tempo, não devemos desistir de o fazer, ainda que nos tomem por petulante ou pedante, o que importa é que a democracia se constrói com pluralismo de opiniões.

Sendo várias as causas das nossas debilidades hodiernas, do meu ponto de vista, são fundamentalmente as seguintes: (1) Vigência de um Regime totalitário de 1975 a 1990; (2) Descontinuidade de programas e projectos económicos e Sociais; (3) Elevadíssimos índices de corrupção da base ao topo; (4) Discrepância entre a visão Formal-Constitucional e a Execução prática (material) dos comandos constitucionais; (5) Fracos mecanismos de protecção efectiva dos Direitos Humanos; (6) Até Agosto de 2017 a Democracia e a Comunicação Social ajustadas aos interesses políticos do Partido MPLA.

... o povo passou a ser dócil, obediente às cegas e só podia aguardar os resultados da acção política e governativa do “glorioso MPLA”

Assim, quanto à “Vigência de um Regime totalitário de 1975 a 1990”, além das diferenças ideológicas que se agudizaram durante o governo de transição resultante do Acordo do Alvor, a verdade é que o MPLA levava vantagem estratégica político-militar sobre os seus adversários políticos (FNLA e UNITA) e, consciente disso, impôs-se com todas as suas forças, a ponto de sujeitar o próprio Estado aos seus ideais, dito doutro modo, impôs primazia das estruturas do Movimento sobre as do Estado: “Os Órgãos do Estado na República Popular de Angola guiar-se-ão pelas diretrizes superiores do MPLA mantendo-se assegurada a primazia das estruturas do Movimento sobre as do Estado” (Discurso de Agostinho Neto, proclamação da Independência). Desta forma, tudo só podia ser MPLA. Daí o “o MPLA é o Povo e Povo é o MPLA” e todos os outros slogan’s que se identificam com aquele período histórico de Angola. O mal é que nesse período, quem não fosse do MPLA não era um inimigo do MPLA, mas do Povo Angolano. Isto se transformou em “cultura” e as crinças e jovens foram educados para essa visão de Partido único e a sua classe dirigente é a única com legitimidade de falar em nome dos angolanos, pois “somos milhões e contra milhões ninguém combate. E quem tentar será vencido”. Em face dessa veemência ideológica, ninguém podia ousar opor-se senão na clandestinidade, correndo todos os riscos conexos dessa atitude que podia ser “irresponsável”. Daí que o povo passou a ser dócil, obediente às cegas e só podia aguardar os resultados da acção política e governativa do “glorioso MPLA”. O marxismo-leninismo não tolera a exploração do homem pelo homem. Todos tinham de ser iguais, bem nivelados.

Quanto à Descontinuidade de programas e projectos económicos e Sociais, para ilustrar melhor esta minha convicção, trago o pronunciamento do Economista José Cerqueira, quando se referia ao Saneamento Económico e Financeiro (SEF): “Em 1985, teve lugar o V Congresso que tinha reafirmado a ortodoxia marxista-leninista. Mas esta linha política mostrava-se impotente para lutar contra a crise, que naquela época se tinha abatido sobre a economia angolana, cuja causa próxima foi a queda do barril de petróleo abaixo de dez dólares” (Jornal de Angola, 5 de Julho de 2017). O Governo / Executivo angolano, ao longo dos anos, só soube reagir aos fenómenos económicos e sociais e nunca se lhes antecipava, mas, o caricato é que em termos militares, é um actor proactivo, que sempre anulou as diversas investidas militares quer no interior quer no exterior. Quer dizer, em questões militares, Angola tem estratégias de antecipação a tudo. Parece haver grande “fertilidade” visionária na acção governativa, mas não passou disso mesmo: “começar e não concluir”. O jornalista Cândido Bessa, ao perguntar ao economista José Cerqueira sobre “Quando foi concluído o programa [SEF]?” Este respondeu nestes termos: “Prefiro dizer que o programa começou a perder força quando entrámos para o FMI. Nessa altura, apareceram ideias de outros programas cujos nomes já quase ninguém recorda. Nós éramos uma corrente de pensamento angolana. O que veio depois, pouco a pouco, foi o FMI. Meteram-se no BNA e no Ministério das Finanças”. Esta resposta de José Cerqueira reflecte o modus operandi do Executivo angolano, de saltitar de programa em programa sem construir uma forte experiência valiosa para outras iniciativas.

A verdade é que, dizia o Sub-Procurador-Geral da República, Dr. João Coelho, no dia 9 deste mês, há um “pacto de silêncio entre as pessoas envolvidas na corrupção”. 

A terceira causa são os “Elevadíssimos índices de corrupção da base ao topo”. Felizmente já não é segredo para ninguém: “a realização deste seminário seja compreendida como uma clara vontade política do MPLA contra a corrupção”, disse João Lourenço. Daí que, segundo Francisco Viana, são estimados mais de 20 milhões de Dólares Americanos que levaram o país à crise financeira. De tal modo que em Janeiro de 2018 o “Estado vai estabelecer um período de graça para que voluntariamente os envolvidos possam repatriar os capitais, sem qualquer constrangimento, moléstia nem processo judicial contra eles; mas, findo esse prazo, o Estado Angolano vai sentir-se no direito de considerar tais capitais do povo angolano, e agirá junto dos países de domicílio para repatriar os capitais para a economia do país”. A verdade é que, dizia o Sub-Procurador-Geral da República, Dr. João Coelho, no dia 9 deste mês, há um “pacto de silêncio entre as pessoas envolvidas na corrupção”. Esta é a corrupção do topo, porque a da base, está o funcionário público que pede gasosa para passar um atestado de residência; o ou a enfermeira(a) que ignora o doente a ponto de morrer, se a família não garantir a gasosa; o polícia que recebe AKZ 500 a 1.000,00 ou mais, através de um gesto vergonhoso e degradante da moral pública, entre outras práticas da mesma natureza. Isso levou às piores práticas na Saúde, Educação, na governação em geral. Como resultado, enfraqueceu o Estado, desprovido de recursos financeiros suficientes para a promoção do bem-comum. Com essas práticas, o Estado passou a fazer prestações defeituosas nas cidades, porque nas vilas, povoações e aldeias passou a ser um verdadeiro contemplador da miséria das populações. E nas datas comemorativas constituiu-se, por excelência, num produtor de discursos platónicos, cujo conteúdo só é possível no mundo das ideias e nunca na vida social onde vivem as populações que tanto diz proteger.

Vamos continuar na próxima análise.

 

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